Os Meus Demônios, a Sua Prisão
Capítulo 1 – A Queda das Máscaras
O cheiro de gardênias, que antes lembrava infância e verões tranquilos, agora parecia distante. Ao descer do táxi e cruzar os portões da casa onde cresceu, Isis sentiu um arrepio estranho. A cidade parecia menor, mais apagada. Algo nela havia mudado — ou talvez fosse ela.
A casa não acolhia. A janela do andar de cima balançava na brisa, como um sinal mudo de que nada ali estava em ordem. O silêncio era espesso.
Do lado de dentro, o peso era ainda maior. Edmundo, seu pai, estava afundado na poltrona de couro. Não reagiu. Nem ergueu os olhos. O copo de conhaque girava entre os dedos, como se ela não estivesse ali.
— Pai? — disse Isis, tentando disfarçar o incômodo.
Nada.
Do outro lado da sala, a mãe, Solage, ergueu o olhar e tentou sorrir. Foi um gesto curto, fraco.
— Minha menina... Que bom que está aqui.
Isis caminhou até ela e a abraçou com força. Sentiu o corpo leve demais, quase quebradiço. Quando se afastou, buscou os olhos da mãe.
— O que está acontecendo, mamãe? Você parece... diferente.
— Está tudo bem, querida — respondeu Solage, tentando parecer firme. — Só um pouco cansada.
Mas os olhos dela diziam o contrário. Estavam opacos. Perdidos.
— Você está doente?
Antes que a mãe respondesse, a voz arrastada de Edmundo cortou o ambiente:
— Está tudo bem, como sua mãe disse. Se você se importasse mesmo, não teria passado anos longe estudando.
Isis ficou paralisada. A raiva veio rápido, apertando a garganta.
— Eu fui estudar porque era o meu sonho! Isso não significa que abandonei vocês.
Ele finalmente a encarou. O olhar era vazio, calculista.
— Escolhas têm consequências.
Antes que ela explodisse, Solage interveio.
— Filha, por que você não descansa? A viagem foi longa, e amanhã será um dia importante pra você.
Havia um pedido escondido naquela voz fraca. Isis entendeu. Engoliu a resposta atravessada. Engoliu tudo. Por ela.
O dia seguinte chegou cedo. Isis desligou o despertador com um tapa e se vestiu com pressa. Ao sair do quarto, deu de cara com Edmundo saindo de um dos quartos de hóspedes. Estava pronto, como se nada tivesse acontecido.
Eles não dormiam mais juntos.
A fachada da família perfeita começava a desmoronar por completo.
A entrevista correu bem. A doutora Renata foi receptiva e parecia realmente interessada em contratá-la. Mas a vitória não teve gosto. Ao invés de voltar para casa, Isis encontrou a amiga Adriana no café de sempre.
— Você tá com uma cara péssima — disse Dri, já puxando a cadeira para ela. — Como foi?
— A entrevista foi ótima. Mas... minha mãe está estranha. Frágil. E meu pai... ainda pior.
— Ele te tratou mal?
— Como sempre. Frio, distante. E ela... ela parece doente. Tá mentindo, mas eu vejo no olhar dela.
Adriana segurou sua mão. Não disse muito, mas o gesto bastou.
Os dias seguintes foram rápidos e pesados. Isis dividia-se entre o novo trabalho e as visitas ao hospital. Solage piorava. A fragilidade virava internação, exames, máquinas. O pai era um fantasma, sempre ausente, sempre calado.
E então, o inevitável.
Solage se foi numa manhã nublada. A ausência dela não parecia real. Parecia que a casa inteira tinha perdido o fôlego.
Mas Edmundo não esperou nem o luto assentar.
Naquela mesma noite, ele chegou acompanhado. Uma mulher jovem, bronzeada demais, com sorriso falso e olhar de posse. Entraram como se nada tivesse acontecido.
Isis congelou no corredor. O choque deu lugar à fúria.
— Você não tem vergonha? — disse, a voz saindo entre dentes.
Edmundo a olhou como se ela fosse um incômodo.
— Essa é a minha casa. Você é quem está de visita.
A mulher sorriu. Debochada.
Isis agarrou a garrafa de conhaque da mesa e a lançou contra a parede. O vidro explodiu. O líquido espalhou-se pelo chão.
— Você não tem mais nenhum direito sobre mim! — gritou, o peito arfando.
Edmundo avançou um passo.
— Sua selvagem! Saia da minha casa!
— Com prazer! Mas lembra disso: você vai pagar. Por tudo.
Ela saiu sem olhar pra trás. Pegou a chave do pequeno apartamento e foi embora. A raiva a queimava por dentro.
A partir dali, não havia mais retorno. O luto virou fúria. E a fúria, impulso.
Ela viveria no limite. Pela mãe. Por justiça. Por si.
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Atualizado até capítulo 60
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