Ariela acordou com a sensação de ter chorado durante o sono.
Mas quando levou os dedos aos olhos, estavam secos.
Nada. Nenhuma lágrima.
Exceto por uma, que escorria em sua memória.
Ela se sentou na cama lentamente. Desde que abrira os olhos nesta nova vida, os dias tinham sido uma sequência de escolhas conscientes — e de vigilância silenciosa. O passado insistia em cruzar com o presente em formas sutis: palavras repetidas, olhares familiares, o arrepio repentino ao pisar em certos lugares.
Mas naquela manhã... havia sido diferente.
Ela sonhara com um campo branco, coberto de névoa. No centro, um espelho. E dentro do espelho, seu próprio reflexo chorava, sussurrando: “Ainda falta algo...”
Aquela voz era sua. Mas também não era.
Sacudiu os pensamentos. Tinha trabalho a fazer.
No refeitório da Fundação Castellani, a equipe técnica distribuía as pastas da próxima ação social. O projeto envolveria uma visita a uma comunidade afastada, onde a Fundação havia instalado uma unidade de apoio psicológico e jurídico.
— Precisamos de alguém que represente o setor psicológico — disse Marcelo, lançando um olhar rápido a Liam. — E, claro, da presença do CEO.
Liam assentiu sem sequer levantar os olhos do relatório.
Ariela ergueu a mão.
— Eu gostaria de participar.
Todos a olharam, surpresos. Ela estava ali há pouco tempo, mas sua postura dedicada começava a causar murmúrios entre os funcionários. Marcelo hesitou, mas Liam interrompeu:
— Está bem.
— Tem certeza, senhor? — o assessor questionou.
— Ela quer trabalhar. Deixe que trabalhe — respondeu Liam, seco. Depois lançou um olhar breve, quase imperceptível, na direção de Ariela.
Mas ela sentiu.
Como se uma partícula de gelo tivesse derretido sob a pele.
A van cruzava as estradas de terra em silêncio. Ariela sentou-se próxima à janela, sentindo a vibração do mundo sob seus pés. Liam estava do outro lado, imerso em mensagens e planilhas. Mas, vez ou outra, ela percebia os olhos dele desviando, observando-a sem que percebesse que ela notava.
Ela quebrou o silêncio:
— Você sempre foi assim?
Liam desviou o olhar do celular.
— Assim como?
— Alguém que só fala quando a situação exige.
— Alguém precisa manter o controle.
Ariela sorriu de leve.
— Controle pode ser uma prisão.
— E a falta dele, uma sentença.
As palavras dele sempre vinham com camadas. Rígidas por fora, mas tão afiadas por dentro que cortavam a alma. Ariela suspirou e voltou a olhar pela janela.
Talvez fosse isso que a atraía tanto.
Liam era o caos disfarçado de estrutura.
E ela... uma alma em reconstrução.
Na comunidade, as crianças corriam pelas ruas de terra batida. A pequena sede da Fundação era modesta, mas viva. Havia cor, risos, esperança. Ariela se viu encantada com uma menina de tranças que desenhava sozinha num canto.
— Qual seu nome? — ela perguntou, agachando-se.
— Tamires.
— O que está desenhando?
— Um anjo.
— E como você sabe que é um anjo?
A menina sorriu.
— Porque ele chora quando ninguém está vendo.
Ariela congelou.
Olhou para o papel: havia ali uma figura de asas largas e rosto conhecido. Não era exatamente o rosto de Liam. Nem o seu. Era... algo entre os dois. Como um eco de ambos.
Sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha.
Mais tarde, enquanto os assistentes organizavam os documentos de atendimento, Ariela procurou Liam ao lado de um pequeno lago nos fundos da comunidade.
— Achei que você já teria ido — ele disse sem olhá-la.
— Pensei que talvez você tivesse perguntas.
— Não faço perguntas às respostas que já conheço.
Ela se aproximou, determinada.
— Então vou te dizer a verdade mesmo assim: eu te conheço. Não do jeito que você pensa. Mas de um lugar mais profundo. Eu sei que você não é esse homem frio. E sei que... alguma parte de você ainda se lembra de mim, mesmo que não saiba explicar por quê.
Liam se virou devagar, os olhos intensos presos aos dela.
— Você não sabe o que está dizendo.
— Sei, sim — ela insistiu. — E não vou desistir de você. Nem dessa história. Porque desta vez, eu não quero ser empurrada até você. Eu quero chegar até você por vontade própria.
Liam permaneceu em silêncio. Por longos segundos, o vento foi a única resposta entre eles.
Então ele deu um passo para trás.
— Não se aproxime de mim, Ariela. Você não sabe o que está despertando.
Ela não recuou.
— Talvez eu saiba melhor do que você.
À noite, ao retornarem à cidade, Ariela desceu da van sentindo o peso de algo novo: a certeza de que sua alma ainda não estava inteira. Havia forças ao redor, sinais que ela começava a perceber. E Liam… era a chave. Mas não era o único.
No topo de um prédio vizinho, Leonardo observava a movimentação da Fundação. Em suas mãos, um pequeno envelope.
Dentro dele, um recorte antigo de jornal.
E atrás, uma anotação em letras firmes:
“Você sabe o que ela é.”
Leonardo sorriu.
— Que o jogo comece.
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Atualizado até capítulo 33
Comments
bete 💗
quanto mistério ❤️❤️❤️❤️❤️
2025-06-14
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