O ar voltou com um golpe seco.
Ariela arfou, como se emergisse das profundezas de um oceano gelado. O corpo inteiro tremia. A luz era forte demais, os sons altos demais. E o mundo… vivo demais.
Ela piscou, tentando entender onde estava.
A grama verde ao redor. Os bancos de concreto. O murmúrio jovem de vozes empolgadas. O cheiro de café e tinta de apostilas novas. Um calor leve de primavera. Era o pátio da universidade. Sua antiga faculdade de psicologia.
Mas aquilo era impossível.
Ela olhou para as próprias mãos — vivas. Quentes. Sentiu o coração bater dentro do peito como um tambor. Estava usando seu velho vestido azul de renda, o favorito, o mesmo que… congelou.
"Esse é o dia…"
O dia em que Leonardo se declarara para ela. Diante da turma inteira. O começo de tudo.
Seu estômago se revirou.
Ela se levantou num pulo, respirando com dificuldade. Seus olhos vasculharam o pátio. Lá estavam: os colegas da turma, jovens demais, ingênuos demais. Rebeca — ainda amiga. Leonardo, sorrindo nervoso, com um buquê de flores nas mãos, se aproximando devagar. O mesmo sorriso encantador. Os mesmos olhos que, anos depois, assistiriam sua morte com frieza.
Ela cambaleou um passo para trás.
— Ariela? — Leonardo se aproximou. — Está tudo bem? Você parece pálida...
"Não. Nada está bem."
Mas antes que ela pudesse reagir, ele subiu nos degraus de pedra do jardim, onde os alunos costumavam cantar ou fazer pequenas apresentações, e chamou atenção:
— Gente, silêncio um minuto, por favor… É rápido! — disse com aquele entusiasmo ensaiado. — Hoje é um dia especial. Porque hoje eu preciso dizer uma coisa que guardei por tempo demais.
A multidão murmurou com expectativa.
Ariela sabia exatamente o que vinha. Já ouvira aquelas palavras antes. Lembrava de cada sílaba, do calor nas bochechas, da sensação de estar flutuando… e do veneno anos depois.
Leonardo respirou fundo.
— Ariela… eu te amo. Não sei o que você sente por mim, mas queria tentar algo real com você. Me deixa ser parte da sua história?
As pessoas ao redor suspiraram. Aplaudiram. Sorrisos, olhares cúmplices, celulares sendo erguidos para gravar. Tudo perfeito.
Tudo mentira.
Ariela sentiu uma onda de gelo subir pela espinha. O coração acelerado, não pela emoção, mas pela memória. Ela viu tudo de novo: a dor, o silêncio, o desprezo mascarado por promessas doces. O sangue.
Respirou fundo.
E fez o que nunca teve coragem de fazer da primeira vez.
— Não.
Leonardo parou, sem entender.
— Como?
Ela deu um passo à frente. A voz firme, sem tremor.
— Eu não te amo, Leonardo. Não quero isso. E não quero você.
O silêncio que se seguiu foi brutal.
Alguns riram, achando que era brincadeira. Outros pararam de filmar. Rebeca arregalou os olhos. Leonardo desceu do pequeno palco, confuso, furioso.
— Ariela… o que—? Isso é por causa daquele cara? O tal Liam Castellani? Ele nem faz parte do seu mundo!
Ela não respondeu.
Porque foi nesse exato instante que as portas do campus se abriram — como numa coreografia do destino — e uma frota de carros pretos e brilhantes estacionou à beira do pátio.
O coração dela disparou.
A porta principal se abriu e, de dentro do carro central, desceu ele.
Liam Castellani. Mais jovem, sim, mas ainda imponente. Terno escuro, presença inconfundível. Os olhos varreram o ambiente com a mesma frieza calculada. Ele deveria estar ali apenas para anunciar uma parceria da empresa com a universidade. Era isso que acontecera da primeira vez.
Mas agora… tudo era diferente.
Ariela não pensou. Nem hesitou. Largou as flores de Leonardo no chão e correu.
As pessoas se afastaram instintivamente, abrindo caminho como se soubessem que algo maior estava prestes a acontecer.
Ela correu. Rápido. Determinada. Até parar diante de Liam, ofegante. Os olhos marejados.
Ele a encarou, surpreso. Totalmente despreparado.
— Ariela?
Sem dizer nada, ela o abraçou.
Um abraço apertado. Quente. Real. Como se o mundo pudesse acabar e só aquilo importasse.
— Você está tremendo… — ele murmurou.
Ela encostou o rosto no peito dele e sussurrou, como uma prece:
— Não me solta… não dessa vez.
Ele não entendeu. Mas algo dentro dele se partiu.
Ariela permaneceu por um instante nos braços de Liam, mas algo estava errado.
Ele não retribuía o abraço.
Seus braços continuavam ao lado do corpo, rígidos, como se não soubessem o que fazer com aquele contato inesperado. O perfume dele era o mesmo — amadeirado, seco, intenso — mas a reação… era totalmente diferente.
Devagar, Ariela se afastou.
O olhar que ele lançou em sua direção não trazia afeto, nem reconhecimento, tampouco confusão. Era o olhar de um estranho.
— Você me conhece? — ele perguntou, direto, a voz neutra como aço.
Ela sentiu o peito se contrair.
— Eu… me desculpe. É que… eu te vi e… — tentou explicar, mas as palavras se perderam na garganta.
Liam ergueu uma sobrancelha, sem um pingo de emoção no rosto.
— Não costumo gostar de demonstrações públicas. Principalmente de pessoas que eu nunca vi antes.
As palavras dela se partiram antes mesmo de sair.
"Claro… pra ele, eu sou só uma desconhecida."
— Desculpe — ela disse, dando um passo para trás, a vergonha queimando no rosto. — Foi um impulso. Não vai se repetir.
Ele não respondeu. Apenas virou-se para um dos seguranças e deu um breve aceno de cabeça, sinalizando que estava pronto para seguir. O homem abriu caminho entre os curiosos que ainda murmuravam sobre o que tinham acabado de testemunhar.
Ariela ficou ali, parada, observando-o se afastar.
A dor era estranha. Não era a rejeição de um amor perdido. Era o peso da diferença entre duas vidas: na primeira, ela havia demorado demais para enxergar quem Liam era. Agora que via com clareza, era ele quem não a via. Não ainda.
Mas ela não desistiria.
Não desta vez.
Mais tarde, no estacionamento da universidade, Liam falava ao telefone enquanto os seguranças organizavam os papéis da parceria com o reitor. Ariela se aproximou com cautela.
— Sr. Castellani?
Ele ergueu os olhos, ainda com o celular ao ouvido. Fez um gesto para que ela esperasse, sem se preocupar em ser gentil. Quando desligou, voltou o olhar impassível para ela.
— Você de novo?
Ela engoliu seco.
— Eu… estive naquela reunião. Estudo psicologia aqui. Acompanhei o anúncio da parceria com a Fundação Castellani. Queria saber se… talvez, eu pudesse contribuir de alguma forma. Voluntariado, estágio… qualquer coisa.
Ele a olhou por alguns segundos, avaliando.
— Quer se aproximar de mim por arrependimento do vexame que deu no pátio, ou realmente tem interesse em fazer parte?
Ariela sentiu o sangue ferver — não de raiva, mas de determinação.
— Tenho interesse real. E se precisar provar isso, estou disposta.
Liam fechou a pasta de documentos com um estalo firme.
— Fale com meu assessor. Se ele achar que vale a pena, talvez eu considere. Agora, com licença.
E mais uma vez, foi embora sem olhar para trás.
Sozinha no pátio vazio, Ariela sentou-se em um banco e observou o céu começando a escurecer. Uma brisa fria percorreu seus braços, e pela primeira vez desde o retorno, ela sentiu um lampejo de incerteza.
"Será que fiz a escolha certa ao voltar para esse momento? Será que consigo mudar as coisas sem ele ao meu lado?"
Mas a resposta veio de dentro.
Ela se lembrava da última coisa que Liam dissera antes de morrer — quando se ajoelhou diante de seu corpo no velório, com os lábios trêmulos, e murmurou: “Se eu tivesse mais tempo com você… talvez eu tivesse sido menos covarde.”
Agora, ela tinha esse tempo.
E faria com que ele visse o que, em outra vida, ele descobriu tarde demais.
Ariela levantou-se do banco com os olhos fixos no horizonte. Ainda havia muito a reconstruir. E Liam Castellani, por mais que agora fosse apenas um estranho frio, era o homem que um dia se tornaria seu tudo.
Ela só precisava conquistá-lo.
Do começo.
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Atualizado até capítulo 33
Comments
bete 💗
empolgante ❤️❤️❤️❤️❤️
2025-06-14
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