O Passado de Cael
O silêncio do abrigo foi interrompido pelo som da chuva lá fora. Elyan dormia, finalmente em paz. Mas Cael não conseguia descansar.
Estava sentado em um canto do cômodo, as mãos nos cabelos, os olhos perdidos em lembranças que o atormentavam sempre que o mundo se calava.
Elyan tinha perguntado:
"Se eu deixar você me querer… promete não me quebrar?"
Cael queria prometer. Mas parte dele sabia que promessas eram frágeis. Ele mesmo já havia sido quebrado.
E, no passado, também quebrou outros
Cael nasceu no clã dos Al’Varen, um dos mais violentos entre os Alfas do Norte. Cresceu em um ambiente onde o sangue era parte do treinamento e a fraqueza era punida com isolamento e fome. O pai, Dominus Kaelith, era o líder do clã — um Alfa puro, cruel, orgulhoso.
— Alfas não sentem. Alfas marcam, dominam e descartam. — dizia ele ao filho, quando o pegava chorando escondido após os treinos brutais.
Cael aprendeu a esconder a dor.
Aprendeu a obedecer.
Aprendeu a se tornar o tipo de monstro que os outros temiam.
Aos 14, havia ferido um Beta em combate por não conseguir controlar o instinto. Aos 16, quase matou outro Alfa que tentou desafiar sua autoridade. E aos 18, reivindicou à força um Ômega jovem, durante um cio induzido por feromônios de laboratório.
Ele nunca esqueceu aquele momento.
O grito. O medo nos olhos do Ômega. A forma como ele se encolheu depois.
Aquilo não foi vínculo. Foi posse.
E Cael odiou a si mesmo por muito tempo.
Depois disso, jurou nunca mais se aproximar de um Ômega em cio sem consentimento. Se afastou dos clãs. Assumiu missões de risco longe do território. Matou, protegeu, sobreviveu… mas nunca se permitiu sentir.
Porque sentir… o lembrava que ainda era humano.
E ele odiava ser humano.
Agora, anos depois, havia Elyan.
Frágil. Tímido. Quebrado pelas palavras dos outros, pelo próprio corpo, pela autopercepção destruída.
E mesmo assim, tão forte por continuar em pé.
Cael via nele tudo que havia perdido.
Tudo que jamais pensou merecer.
“Por que justo eu?”, Elyan perguntara.
Cael sabia a resposta.
Porque era o único que podia vê-lo por completo, com todas as falhas e inseguranças, e ainda assim desejá-lo com cada fibra do corpo.
Não por cio.
Não por instinto.
Mas porque, de todas as almas que conhecera, Elyan era a única que não fingia força.
E isso o tornava devastadoramente real.
De madrugada, quando a chuva ficou mais fina, Elyan se mexeu na cama.
Acordou devagar, virando o rosto em direção ao canto onde Cael estava. O Alfa o observava, com os olhos escuros, cansados… e vulneráveis de um jeito que Elyan nunca tinha visto.
— Você está bem? — sussurrou, a voz ainda rouca.
Cael hesitou.
E pela primeira vez, respondeu com sinceridade.
— Eu fiz coisas horríveis, Elyan. Coisas que você odiaria se soubesse. Marcas que carrego… e que talvez um dia você veja e não queira mais me olhar.
Elyan se sentou devagar.
— Eu não sou puro também. Não sou forte. Eu também tenho vergonha do meu corpo, do que sinto, do que sou. Mas… eu estou tentando não fugir.
Cael fechou os olhos.
E quando os abriu novamente, havia dor ali.
— Você é o único que me faz querer ser um Alfa diferente. E isso… me assusta.
Elyan desceu da cama e foi até ele. Sentou-se ao seu lado, em silêncio. Não disse nada. Não tentou consolar.
Apenas encostou a cabeça em seu ombro.
Dois corpos com cicatrizes que o mundo não via.
Dois corações machucados… mas batendo em um mesmo ritmo, pela primeira vez.
O passado de Cael ainda existia.
Mas agora… ele não estava mais sozinho para enfrentá-lo.
O tempo passou devagar naquele quarto abafado. Nenhum dos dois ousava quebrar o silêncio.
Cael continuava ali, estático, com Elyan recostado em seu ombro. A cabeça leve do ômega era como um peso suave em seu peito — e, ao mesmo tempo, como uma sentença.
Ele não se achava digno daquele toque.
Mas também… não conseguia recusar.
O cheiro de Elyan, mesmo com o cio enfraquecido e os bloqueadores ainda no organismo, era doce, como chuva fraca após o fogo.
Cael abaixou o rosto, respirando devagar.
Fechou os olhos.
— Sabe… — começou Elyan, com a voz baixa — você não precisa me contar tudo de uma vez. Eu… só quero entender aos poucos. E quero que você me entenda também.
— Entender o quê? — Cael perguntou, sem encará-lo.
— Que eu nunca fui tocado. Nunca fui marcado. Nunca fui querido. E que meu corpo... sempre pareceu estar contra mim.
A confissão caiu entre eles como uma brisa gelada.
Cael sentiu o estômago revirar.
— Você é virgem, Elyan? — a voz saiu mais baixa do que ele pretendia.
— Sou. — ele confirmou. — E não por escolha. Mas porque ninguém nunca me quis o suficiente.
Cael cerrou os punhos.
Ele pensou em quantos Omegas eram disputados, elogiados, venerados… enquanto Elyan, tão delicado, havia sido ignorado, diminuído, tratado como falho.
Pensou em quantos Alfas ele mesmo já havia tomado nos braços com fúria, com fome… e agora, diante de alguém tão real, tudo que queria era ser digno.
— Elyan… — disse com dificuldade. — Você não precisa se entregar a mim. Nunca. Eu juro.
Elyan levantou o rosto. Os olhos úmidos e tímidos, mas firmes.
— Eu sei disso. Mas, se um dia eu quiser… quero que você saiba quem eu sou. Quero que me veja. Não como um cio. Não como um corpo.
Cael assentiu devagar. E então, muito lentamente, estendeu a mão. Tocou o rosto de Elyan com a ponta dos dedos.
Foi a primeira vez.
Um toque leve, sem intenção sexual. Apenas presença.
Elyan estremeceu sob o gesto. Não de medo, mas de surpresa. Seu corpo nunca havia sido tocado assim — com reverência. Com delicadeza.
— Eu vejo você. — Cael murmurou. — Desde o primeiro dia.
Naquela noite, Elyan adormeceu com a cabeça no colo de Cael.
O Alfa não dormiu.
Passou horas ali, em silêncio, observando o rosto sereno de alguém que começava a confiar nele… e sentindo, pela primeira vez em anos, que queria proteger algo sem destruir.
O lobo dentro dele, por fim, se calava.
Não havia cio.
Não havia vínculo completo.
Não havia sexo.
Mas havia vontade.
E isso bastava.
Em outro canto da cidade, porém, algo crescia nas sombras.
Um Alfa rival, que descobrira sobre o ômega desconhecido que Cael escondia.
Um homem que queria mais do que território: queria destruir o que Cael começava a amar.
O passado de Cael estava voltando.
Mas desta vez… não era ele quem o carregava.
Era o inimigo.
E o inimigo não sabia que Cael com o Ômega dele seria possessivo ciumento, e destruiria todos quem tenta entra no seu caminho
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Atualizado até capítulo 41
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