O Alfa Desperta
Acordar com dor já era esperado. Cael estava acostumado ao sangue, ao estalo de ossos se quebrando, às batalhas silenciosas onde o menor erro significava a morte.
Mas acordar com um cheiro doce ainda pairando em seu instinto... isso era novo.
Ele abriu os olhos lentamente. A luz tênue do alojamento médico banhava as paredes brancas. Seus músculos doíam, os pontos em sua lateral latejavam, e sua cabeça ainda girava — mas o foco dele estava em outra coisa.
Aquele cheiro.
Fraco, delicado, quase imperceptível… como uma flor que cresce escondida entre as pedras. Era diferente de tudo que já havia sentido. Não tinha a intensidade de um cio comum. Era mais sutil. Raro.
E, por algum motivo, aquilo o deixava em alerta. Em fome. Em fúria.
— Enfermeira — rosnou baixo, sua voz ainda rouca da sedação.
A mulher que o atendia tremeu. Sabia exatamente quem estava na maca.
— O ômega que estava aqui antes — disse ele, encarando-a com intensidade. — Nome. Registro. Alcateia.
— M-me desculpe, Alfa… eu… não sei… eles trocam de plantão muito rápido…
— Minta de novo e vai sair daqui em pedaços — murmurou Cael, sentando-se com dificuldade, ignorando os pontos recém-feitos em seu abdômen. — Diga. O nome dele.
A enfermeira engoliu seco.
— Elyan… só isso que sei. Trabalha nos turnos da madrugada. Não fala muito com ninguém…
Cael repetiu o nome mentalmente, como se cada sílaba tivesse um sabor que ele não podia esquecer.
Elyan.
Do outro lado do hospital, Elyan andava rápido pelos corredores estreitos, encolhido dentro do jaleco branco. Evitava todos os olhares, fingia não ouvir as conversas sussurradas sobre o “Alfa Supremo que havia despertado”.
Seu peito ainda ardia.
Seu cheiro… estava ficando mais doce. Mais perceptível.
"Não agora. Por favor, não agora."
Passara a noite trancado no armário de suprimentos, com toalhas molhadas e calmantes, tentando conter o que parecia ser o seu primeiro cio real. O corpo estava quente, os sentidos bagunçados, e o medo latejava nas veias.
— Idiota. Você é um defeito, lembra? Um omega quebrado… ele só te confundiu com outra coisa.
Mas uma parte dele… uma parte suja e secreta… queria que aquele Alfa o encontrasse.
Elyan odiava essa parte.
No centro médico, Cael estava de pé.
— Você não pode levantar! — protestou um dos enfermeiros. — Seus pontos vão abrir!
Cael o ignorou.
— Onde ele está?
— Quem?
— Meu ômega.
As palavras saíram rasgadas, possessivas. Ele nem percebeu o que disse — só sabia que precisava ver aquele rosto de novo. Ouvir aquela voz tímida. Ver aqueles olhos grandes se encolhendo ao sentir seu cheiro.
O vínculo… mesmo incompleto… já o corroía por dentro.
Elyan escutou os passos pesados. Estavam vindo. Instinto.
Entrou na sala de arquivos e se encolheu atrás de uma pilha de caixas, cobrindo o nariz com a manga do jaleco. Tentando esconder seu cheiro, tentando desaparecer.
O coração batia alto demais.
A porta se abriu.
— Sei que está aqui. — A voz de Cael entrou antes do corpo. — Você está tentando esconder de mim… mas eu posso sentir você.
Elyan apertou os olhos, prendendo a respiração.
“Vai embora. Vai embora. Por favor…”
Mas os passos vieram, lentos, firmes. E então… silêncio.
Até que uma respiração quente bateu contra sua orelha.
— Você acha mesmo que consegue se esconder do Alfa que o sentiu?
Elyan soltou um soluço. Estava tremendo.
— Eu… não sou forte… não sou como os outros… — sussurrou, quase implorando. — Por favor… me deixa em paz…
Cael ajoelhou-se na frente dele.
Os olhos âmbar agora estavam mais escuros. Com fome. Mas não era apenas desejo carnal.
Era algo pior.
Era vínculo.
— Eu lutei guerras inteiras para manter minha liberdade. — Ele tocou de leve o queixo de Elyan. — Nunca aceitei nenhum ômega. Nunca quis nenhum.
— Então por que…? — a voz de Elyan falhou.
— Porque você é meu. E mesmo se tentar correr… vai estar só fugindo de algo que já é parte de você.
Cael se aproximou mais, o nariz roçando o pescoço sensível de Elyan.
— E pela primeira vez… meu lobo está uivando.
Elyan mordeu o lábio, olhos marejados, coração em colapso.
Ele queria correr. Mas uma parte dele… queria ficar.
Era só o começo.
E nem um deles sairia ileso.
Elyan mal conseguia respirar.
O calor que subia por seu corpo era diferente de qualquer coisa que já sentira. Não era febre. Não era medo. Era algo profundo, biológico. Como se finalmente o que existia adormecido dentro dele — o que ele sempre achou defeituoso — começasse a se mover. A florescer.
Mas florescer doía.
— Não… — ele sussurrou, o rosto ainda virado, sem conseguir encarar Cael. — Não faz isso comigo…
Cael não tocava. Só estava perto. Perto demais. O calor do corpo dele o envolvia como um cobertor que queimava. O cheiro do Alfa fazia sua pele arrepiar, os pelos do pescoço se eriçarem.
— Você está tremendo — disse Cael, a voz baixa, quase num rosnado contido. — Está começando, não está?
Elyan fechou os olhos com força, tentando negar.
Mas o cheiro dele… agora era perceptível.
O cio estava ali.
Pela primeira vez, depois de tantos anos sendo invisível, apagado, medicado… seu corpo estava se preparando para algo que ele não queria.
Não assim. Não com um Alfa como ele.
— Você não entende… — disse Elyan, com a voz falha. — Eu não sou como os outros ômegas. Nunca tive um ciclo completo. Nunca tive ninguém… Meu corpo não é bonito, meu cheiro não é forte, eu…
Cael o interrompeu.
— Cale a boca.
O comando não foi cruel. Foi firme. Carregado de uma autoridade que fazia o ar ao redor estremecer.
E então o Alfa se aproximou um pouco mais, apenas o suficiente para que Elyan sentisse a respiração dele contra sua pele.
— Você não sabe nada sobre o que me atrai — murmurou. — Eu não quero um ômega de vitrine. Nunca quis. E o seu cheiro fraco? Está me deixando louco.
Elyan tentou virar o rosto, mas Cael segurou seu queixo com uma delicadeza que parecia não combinar com suas mãos grandes e marcadas por cicatrizes.
— Você acha que é fraco, Elyan. Mas está lutando contra o próprio corpo, contra o instinto, e ainda está de pé. Isso é mais força do que qualquer um dos ômegas que rastejam atrás de mim.
Elyan sentiu uma lágrima escorrer.
Não porque acreditava. Mas porque queria acreditar.
Longe dali, os sensores do hospital começaram a disparar alertas silenciosos. Técnicos betas observavam os dados de feromônios sendo liberados em níveis crescentes na ala sul.
— Temos um Ômega entrando em cio… — murmurou um deles, franzindo o cenho.
— Nessa ala? Mas lá só tem… espera. — Ele olhou o registro e arregalou os olhos. — É ele. O recessivo. Elyan.
Cael percebeu o corpo do ômega amolecer de leve, como se o instinto estivesse vencendo a luta. A respiração de Elyan estava ofegante. A pele, quente. Os olhos, marejados, mas brilhando.
— Preciso de espaço… — sussurrou ele, com esforço. — Eu não quero… que isso aconteça aqui… com você…
— Eu não vou tocar em você — disse Cael, ainda rosnando por dentro, o autocontrole no limite. — Não enquanto estiver lutando contra si mesmo. Mas vou ficar aqui. Não vou te deixar sozinho.
Elyan engoliu seco.
— Você devia… me odiar. Sou um erro genético.
Cael chegou mais perto, até suas testas quase se tocarem.
— Você é a única coisa que me faz sentir alguma coisa depois de anos. E isso me assusta mais do que qualquer guerra.
Um silêncio pesado caiu entre os dois.
Então, Elyan se moveu.
Apenas deitou a cabeça contra o peito de Cael.
Não como um pedido. Mas como uma rendição temporária. Um “por agora”.
E o Alfa o envolveu com os braços fortes, como se o mundo inteiro pudesse esperar lá fora.
Ali, em meio ao cheiro do cio crescente e ao desespero silencioso de alguém que nunca foi amado… nascia algo entre eles.
Não era amor ainda.
Era instinto.
Era caos.
Era o começo.
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Atualizado até capítulo 41
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