Marina narrando ..
Passei o resto do dia tentando escapar de mim mesma.
Voltei pra casa, preparei o almoço pro meu pai, organizei os medicamentos, coloquei uma música leve pra tocar na sala. Fiz tudo que pude para fingir que estava bem.
Mas não estava.
Desde que vi Lucas, era como se algo dentro de mim estivesse quebrando de novo.
A voz dele, firme.
O jeito como ele me olhou como quem ainda sangra, mas se recusa a deixar transparecer.
E a forma como ele disse “bem-vinda de volta”…
Não havia um pingo de doçura naquilo. Só contenção.Como se, por dentro, ele estivesse se segurando pra não gritar tudo o que nunca pôde dizer.
Mais tarde, Clarice chegou sem avisar como sempre.
Clarice- Tava na cara que vocês iam se esbarrar — disse, jogando a bolsa no sofá.
Clarice- Você tá pálida. E ele? Como estava?
Marina- Igual… só que mais intenso. — murmurei.
Clarice- Vocês trocaram farpas?
Marina- Só frases educadas. Mas foi pior. A indiferença dele doeu mais do que qualquer grito.
Clarice- Lucas nunca foi de gritar. Ele é do tipo que guarda tudo. Guarda tanto que um dia explode. E você… bem, você foi a única coisa que ele não soube enterrar.
Fechei os olhos e suspirei. Clarice sabia de tudo. Até o que eu queria esconder de mim mesma.
Marina- Eu nunca quis machucar ele.
Clarice- Mas machucou. — ela respondeu, sem julgar. Apenas dizendo a verdade.
Silêncio.
Ficamos ali por alguns minutos, ouvindo a música baixa e o som da chaleira no fogão. Até que ouvimos a buzina do lado de fora.
Marina- Tá esperando alguém? — perguntei.
Clarice- Não… você?
Neguei.
Fui até a janela. Um carro militar estava estacionado em frente. Meu coração disparou.
Marina- Não pode ser…
E era.
Lucas desceu do carro com passos firmes, a expressão inalterada, mas os olhos… os olhos não escondiam o conflito. Ele segurava algo na mão uma pasta, talvez.
Clarice- Ele vai entrar? — Clarice perguntou, tensa.
Marina- Eu não sei. Mas se entrar, não vou fugir. Não dessa vez.
A campainha tocou.
Meu coração quase saiu pela boca. Caminhei até a porta, respirei fundo… e abri.
Lá estava ele. Tão perto que senti seu perfume. Tão presente que me tirou o ar.
Lucas- Oi. — ele disse, sério.
Marina- Lucas… o que tá fazendo aqui?
Ele levantou a pasta em mãos.
Lucas - Preciso conversar com seu pai. Questões sobre um programa de veteranos que ele participou. Tarefa do quartel. Coincidência.
Mas eu sabia que não era só isso.
Os olhos dele diziam que havia mais.
E talvez essa fosse a nossa chance de, enfim, parar de fingir.
Marina- Claro… pode entrar.
Lucas cruzou a soleira com passos calmos, mas senti o peso em cada movimento. Clarice fez um gesto rápido, como quem entendia que precisava nos dar espaço, e foi para a cozinha.
Ficamos a sós na sala.
Ele pousou a pasta sobre a mesinha de centro, mas não se sentou. Nem eu. Havia um abismo invisível entre nós.
Lucas- Então… você voltou de vez? — ele perguntou, sem me encarar.
Marina- Não sei. Depende do meu pai. Depende de mim também.
Lucas assentiu, os olhos fixos num ponto qualquer da parede.
Lucas- Você sumiu. Ninguém soube de você por anos.
Marina- Eu precisava fugir, Lucas.
Lucas - De mim?
A pergunta veio seca. Sem rodeios.
Me atingiu como um soco no peito.
Marina- Eu não fui embora de você. Eu fui embora por mim.
Ele riu um riso curto, cínico, doído.
Lucas- Então foi fácil assim? Jogar fora tudo o que vivemos?
Marina- Nada foi fácil. Você não sabe de nada do que aconteceu.
Lucas- Porque você não deixou eu saber! — ele explodiu, num tom mais alto. Pela primeira vez, sem máscara.
Lucas- Um dia estávamos fazendo planos, e no outro… você sumiu. Nenhuma carta. Nenhuma mensagem. Nada.
Senti as lágrimas ameaçando.
Marina- Eu escrevi uma carta. — sussurrei.
Marina- Uma longa carta. Mas você nunca recebeu.
Ele franziu a testa.
Lucas- Que carta?
Marina- Eu deixei com sua mãe. No dia em que fui embora. Pedi pra ela te entregar. Nela, eu explicava tudo.
Lucas ficou imóvel. Por um instante, pensei que ele não respirava.
Lucas- Minha mãe nunca me deu nada.
O silêncio que se formou entre nós foi quase ensurdecedor. E então, os olhos dele endureceram.
Lucas- Claro. Faz sentido.
Marina - Eu juro que escrevi, Lucas. Eu não queria que você pensasse que eu tinha te abandonado.
Ele passou a mão no rosto, frustrado.
Lucas - Já é tarde demais pra isso?
Marina- Eu não sei… — sussurrei.
Antes que qualquer um de nós pudesse dizer mais alguma coisa, ouvimos a voz fraca do meu pai vindo do corredor:
Joaquim - Marina?
Engoli o nó na garganta.
Marina- Ele está acordado. Quer vê-lo?
Lucas assentiu devagar. Quando passou por mim, nossos braços se tocaram de leve — e aquele toque simples foi como um raio atravessando meu corpo.
Caminhamos juntos até o quarto. Abri a porta devagar.
Marina- Pai… o Lucas veio te visitar. Disse que é algo relacionado a um programa de veteranos.
Joaquim sorriu com a força que tinha.
Joaquim - Lucas… meu menino. Que bom te ver.
Lucas se aproximou da cama, agora usando uma expressão diferente respeitosa, cuidadosa.
Lucas- É bom te ver também, senhor Joaquim. Vim conversar com o senhor sobre um projeto do Exército. Sabemos do seu histórico como combatente. Queremos ouvir suas histórias, registrar sua trajetória…
Joaquim - História é o que mais tenho… — ele sorriu, com os olhos brilhando.
Lucas sentou na cadeira ao lado da cama, e por alguns minutos, parecia outro homem. Atento, interessado, generoso. Vi nele o garoto que amei e o homem que talvez eu nunca tenha deixado de amar.
Enquanto escutava meu pai contando histórias de guerra, percebi que havia algo ali que nenhuma dor do passado podia apagar.
E que, talvez, ainda houvesse um caminho de volta.Mas só se ambos tivéssemos coragem de atravessar tudo o que ficou entre nós.
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Atualizado até capítulo 38
Comments
Dulci Oliveira
curiosa pra saber porque ela foi embora
2025-06-14
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Mareli Machado Marques
o que será que houve autora kkkkkkclaro que vai contar mas só no desenrolar do seu livro kkk adorando gratidão autora 🌻🌻🌻🍁🍁🍁⚘️⚘️⚘️🍀🍀🍀🌿🌿🌿💙💙💙
2025-06-13
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