Dois dias se passaram desde que voltei.
E cada esquina parecia sussurrar o nome dele.
Lucas.
Eu tentei evitá-lo. Saía de casa em horários alternados, evitava lugares óbvios, ignorava qualquer rumor de onde ele poderia estar. Mas na manhã daquela quinta-feira, o universo decidiu que fugir não era mais uma opção.
Entrei na padaria do centro distraída, com o cabelo preso de qualquer jeito, usando uma calça jeans e uma camiseta que tinha o cheiro da infância. Precisava de café. Urgente.
— Bom dia, dona Marina! — o padeiro me cumprimentou com um sorriso largo. — Ainda lembra do nosso pão de queijo?
Marina- Como esquecer? — retribuí o sorriso, mas algo no ar mudou.
A porta da padaria se abriu. Senti antes de ver.
Um arrepio percorreu minha nuca como um aviso silencioso. Virei devagar… e ali estava ele.
Lucas.
Vestindo o uniforme verde-oliva do Exército, a jaqueta entreaberta, os ombros largos ainda mais imponentes do que eu lembrava. O rosto mais maduro, barba por fazer, cabelos raspados dos lados. E os olhos… aqueles olhos cinzentos, frios e profundos, cravados em mim como se o tempo tivesse congelado.
O mundo pareceu silenciar por um instante.
Só havia nós dois.
Ele caminhou até o balcão sem dizer nada. Pediu um café preto, sem açúcar. A mesma coisa de sempre.
Lucas- Marina — ele disse, por fim. A voz grave, firme, mas carregada de uma tensão que me travou por dentro.
Marina- Lucas — respondi, tentando manter a compostura. Meu coração batia tão forte que temi que ele pudesse ouvir.
Lucas- Você voltou — ele não perguntou. Afirmou.
Assenti com a cabeça, engolindo seco.
Marina- Meu pai está doente. Vim ficar um tempo.
Ele permaneceu em silêncio por um momento, observando cada traço do meu rosto, como se procurasse algo — talvez uma explicação. Talvez arrependimento.
Lucas- Achei que não voltaria mais. — A frase caiu entre nós como um golpe seco.
Marina- Eu também achei. — abaixei o olhar.
O café dele ficou pronto. Ele pegou o copo e virou de leve a cabeça, como se fosse dizer mais alguma coisa. Mas não disse.
Ele só me olhou de novo. E nesse olhar, havia um milhão de perguntas e nenhuma ele parecia disposto a fazer.
Lucas- Bem-vinda de volta. — disse por fim, com a voz baixa. Depois virou as costas… e saiu.
Fiquei ali, parada, com o peito apertado. Não chorei. Ainda não. Mas senti uma dor tão antiga que quase esqueci como era viver sem ela.
Ele tinha ido embora… mas o impacto da presença dele ficou comigo.
Como se o tempo não tivesse passado.
Como se fôssemos ainda nós dois.
Lucas narrando
O café estava quente, mas eu não sentia o gosto.
Saí da padaria sem olhar pra trás, como se isso fosse suficiente pra enterrar o que aquele reencontro trouxe à tona.
Mas não era.
A cada passo, o som da voz dela ecoava nos meus ouvidos.
“Meu pai está doente. Vim ficar um tempo.”
Como se fosse só isso. Como se ela não tivesse levado metade de mim quando foi embora.
Subi na moto e fiquei ali, parado por alguns segundos. O motor ligado, o capacete nas mãos… e o coração na garganta.
Marina.
Dez anos. Dez malditos anos desde que ela sumiu.Sem explicações, sem adeus. Só uma carta que por algum motivo nunca chegou até mim. E mesmo assim, eu esperei. Por meses. Depois, por anos, mesmo fingindo que não.
Ela dizia tanto com aquele olhar azul e ao mesmo tempo, não dizia nada.
Lembro da última noite antes de tudo desmoronar. Ela estava nervosa, agitada. Me abraçou mais forte do que o normal.
Marina - Se eu for embora um dia, você vai me odiar? — ela perguntou.
Lucas- Eu nunca seria capaz de te odiar. — eu disse. Idiota.
No dia seguinte, ela desapareceu.
Foram semanas procurando respostas. Clarice dizia que ela precisava de espaço, mas eu sabia que tinha algo errado. Cheguei a ir até a rodoviária, até a casa do tio dela em São Paulo. Nada.
E quando finalmente aceitei que ela não voltaria… entrei para o Exército. Porque doía menos estar no meio do fogo cruzado do que dormir na cidade onde tudo me lembrava dela.
E agora, ela estava ali.
Com os mesmos olhos. O mesmo cheiro que me perseguiu em sonhos. O mesmo jeito de morder o lábio quando estava nervosa.
Maldição.
Joguei o copo de café no lixo, subi na moto e acelerei pela estrada vazia. O vento cortava meu rosto, mas não levava embora as lembranças. Pelo contrário: parecia espalhá-las no ar.
Eu deveria esquecê-la.
Mas quando ela me olhou hoje…
Eu soube.Nada em mim esqueceu.E essa guerra que achei ter vencido… estava apenas começando.
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Atualizado até capítulo 38
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