A Última Chance

A noite caiu cedo naquele sábado. O céu escuro era denso como um segredo não revelado, e a lua, pálida e distante, parecia observar tudo de cima — indiferente, quase cruel. Kelly andava pela calçada molhada com o capuz do casaco cobrindo metade do rosto. Ela sentia que algo estava por vir. O tipo de pressentimento que não se explica, mas que pesa no estômago como uma pedra.

Erik havia mandado uma mensagem simples: “Te espero onde tudo começou.”

Era o lugar onde tinham trocado o primeiro beijo, meses atrás — um terraço esquecido da escola, acima da biblioteca, onde o tempo parecia desacelerar. Ela hesitou por alguns minutos antes de ir. Algo nela dizia para fugir, mas outra parte... aquela que ainda batia por ele, precisava ouvir o que ele tinha a dizer.

Quando ela chegou, ele já estava lá. Encostado na grade de ferro enferrujado, com as mãos no bolso do moletom preto e os olhos perdidos no horizonte. A iluminação fraca deixava sombras em seu rosto, e por um momento, Kelly não soube dizer se era o mesmo garoto que um dia sorriu pra ela como se fosse tudo o que ele tinha.

— Você veio — disse ele, sem virar o rosto.

— Achei que devia.

Erik se virou devagar, o olhar escuro e intenso como a noite. Não havia mais doçura ali. Havia algo mais cru. Mais real.

— Desde que você me contou aquela parte... — ele começou, com a voz firme, porém baixa — eu não consegui dormir direito. E não foi por raiva, Kelly. Foi por medo. Medo de que, mesmo depois de tudo, a gente ainda esteja tentando construir algo sobre areia.

Ela apertou as mãos contra o casaco. Sentia a respiração presa no peito.

— Eu pensei em ir embora. De vez. Cortar tudo. Sumir — ele continuou, dando um passo em direção a ela. — Mas por algum motivo idiota, toda vez que eu tento te apagar, alguma parte de mim grita teu nome.

Ela mordeu o lábio, tentando segurar as lágrimas. Mas ele não parou.

— Então... eu quero te perguntar uma coisa. Uma vez. Só uma. E se você disser que não, eu juro que vou embora e não olho mais pra trás.

Erik parou a poucos passos dela. A respiração dele era densa. As mãos tremiam, mesmo que ele tentasse esconder.

— Kelly... você quer tentar de novo? De verdade. Sem mentiras. Sem metades. Você quer tentar algo sério comigo?

O mundo pareceu parar por um segundo. Não havia mais som de carros, nem de vento. Só os dois. Ela viu a vulnerabilidade nos olhos dele — a mesma que ela carregava, escondida por trás de todas as escolhas erradas que fez.

Kelly sentiu o coração disparar, mas junto com ele, a sombra do que ainda não tinha sido dito crescia dentro dela. Aquela verdade suja. O segredo escondido desde a noite em que tudo desmoronou. O detalhe que poderia transformar aquele pedido em tragédia.

Mas mesmo assim, ela disse:

— Sim.

E ao dizer, sentiu o gosto agridoce da culpa misturado com o calor do reencontro. Erik a puxou para perto, segurando-a como se ela fosse a única âncora num mar revolto. Beijou-a com força, com urgência. Como se o tempo estivesse contra eles. Como se o amanhã fosse incerto.

Mas o amanhã viria. E com ele, a verdade que Kelly ainda escondia — aquela que não apenas podia destruir Erik... mas transformá-lo para sempre.

Porque algumas verdades não curam. Algumas verdades queimam.

E esse era o tipo de amor deles: sombrio, doentio, intenso demais para ser seguro. Mas impossível de evitar.

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Comments

Miu miu

Miu miu

Adoro esse começo! 😍

2025-06-15

0

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