Kael
Meu coração bate como um tambor de guerra. A respiração está pesada, os músculos tensos. O instinto, esse maldito instinto... ele ruge dentro de mim. Mas não estou sozinho nisso.
Olho para o lado. Dylan também está imóvel, olhos fixos na mesma direção que os meus. Seu maxilar trincado, os punhos cerrados. Ele também sente.
— Uma companheira... — sussurramos ao mesmo tempo. A palavra sai crua, ancestral. É um reconhecimento mais forte que a razão. Quase sagrado.
A garota de olhos quebrados e alma trincada vira uma esquina com a senhora de passos lentos. O calor que emanava dela ainda vibra em mim.
Neste instante um garoto qualquer passa por nós. Magro, óculos tortos, mochila pendurada em um ombro. E eu ajo.
Antes que a lógica fale mais alto, agarro o moleque pelo colarinho. Ele arregala os olhos e solta um som abafado de pavor. O cheiro dele é puro medo.
— Kael — rosna Dylan ao meu lado, a voz baixa, firme. — O que você pensa que está fazendo?
Ignoro.
Minha cabeça vira em direção à esquina onde a garota está quase desaparecendo. Aponto com o queixo.
— Aquela. Quem é? Fala.
O garoto pisca, engole seco. Seus óculos quase caem.
— A-aquela... é Mariá, senhor. Mas eu não a conheço bem... só de vista.
Dylan se move levemente, um passo à frente. Suave, elegante, mas a tensão está visível em sua expressão, enquanto pergunta:
— Como assim não a conhece? Vocês parecem ter a mesma idade. Ela não estuda com você?
O garoto sacode a cabeça, o colarinho ainda preso na minha mão.
— Temos sim, mas... ela nunca estudou na escola com a gente. Quase ninguém sabe nada sobre ela. Só que é filha do prefeito. E...
Ele hesita. Está suando. Os olhos pedem para eu soltar.
— E...? — incentivo, com um leve apertar de dedos.
— E... tem gente que diz que ela nem é humana. Que os pais a escondem porque ela é... diferente. Alguns dizem que ouviram gritos na casa dela. Mas ninguém sabe se é verdade. Só boatos... só boatos.
Eu o solto devagar. O garoto cambaleia um pouco, arruma a camiseta, sem encarar nossos olhos.
— Preciso ir — diz ele rápido, quase tropeçando nos próprios pés ao se afastar. — Se eu perder a primeira aula, meu pai me mata...
E lá vai ele. Correndo, olhando para trás, como se tivesse cruzado o caminho de dois predadores. E de fato cruzou.
Mas eu não o vejo mais. Tudo que resta é um nome queimando no fundo da minha mente, gravado com sangue e instinto:
Mariá.
Então, após este momento estranho e poderoso — como se o mundo tivesse parado por um segundo — nós dois entramos novamente no carro. O silêncio entre mim e Dylan é denso, quase elétrico.
Ainda posso sentir o rastro dela no ar… como se sua presença tivesse marcado o chão por onde passou.
Fecho a porta com um estalo seco, e antes mesmo que o motor ronque, meu irmão, com os olhos fixos no horizonte, deixa as palavras escaparem:
— Ela é minha, Kael.
Não é uma dúvida. É uma afirmação. Um aviso.
Viro lentamente o rosto para ele. O peso de suas palavras me arranca um sorriso torto, lento. Inclino um pouco o corpo em sua direção e deixo minha voz sair rouca, carregada de certeza:
— Sua? Ah, querido irmão… Ela é minha.
Meus olhos se perdem um segundo na calçada pela qual ela desapareceu. O eco do nome dela ainda martela em minha mente.
— A conexão aconteceu no instante em que meus olhos encontraram os dela. Foi como... fogo antigo reacendendo. E pode apostar, Dylan — eu não vou desistir.
Ele gargalha. Uma risada seca, afiada, cheia daquela arrogância típica dele, como se soubesse exatamente o jogo que está começando. Ele arranca com o carro com firmeza e lança:
— Eu sei que não irá desistir. Mas eu também não irei. Então... compartilhamos a mesma companheira, irmão.
As palavras pairam no ar entre nós. São perigosas. Carregam presságios.
Solto um longo suspiro, passando a mão pelos cabelos, tentando acalmar o turbilhão dentro de mim. O desejo. O chamado do instinto. Mas também... o alerta.
— Você não é um problema, Dylan — digo, sério. — O problema… O problema real eu senti quando olhei para aquele homem parado do outro lado da rua. A forma como ele olhava pra ela... Fria, sufocante, como se fosse um carcereiro. Será que é ele o tal prefeito? O pai dela?
Dylan mantém os olhos na estrada, mas seu maxilar se contrai. A luz do sol invade o carro pelas janelas, dourando o painel e pintando sombras nas bordas do seu rosto.
— Não sei — responde ele, com a voz baixa. — Mas se for, a gente vai descobrir logo. O prefeito dessa cidadezinha confirmou presença na inauguração da nossa oficina hoje à noite.
Assinto em silêncio. O motor ronrona, e a estrada diante de nós parece se abrir. Hoje à noite... os olhos da cidade estarão sobre nós. Mas os meus olhos... estarão sobre ela.
O silêncio que surge dentro do carro é quase meditativo, como se ambos estivéssemos digerindo o impacto de Mariá. O cheiro dela ainda parece impregnado no ar. Mas então, como sempre, Dylan é o primeiro a romper o clima:
— Só não vai meter os pés pelas mãos, Kael.
Sua voz vem firme, baixa, mas carregada de preocupação. Me viro para ele com uma sobrancelha arqueada, mas deixo que continue:
— Você é impulsivo. Sempre foi. E sabe que precisamos manter nossa verdadeira identidade oculta. Nosso pai nos deu carta branca para explorar esse território, mas sem causar alarde. E outra... — ele faz uma breve pausa, como se ponderasse o peso do que vai dizer. — Eu não me importo em compartilhar a mesma companheira com você. Claro... isso se ela nos aceitar.
Ele solta um leve suspiro e continua, agora com os olhos fixos no caminho à frente:
— Mas mantenha a cabeça no lugar. Precisamos entender melhor essa cidade antes de qualquer movimento. Mariá pode ter sido um choque para nós, mas... esse lugar inteiro exala algo estranho. Há tensão no ar. E você sentiu também. Sei que sentiu.
Eu sorrio devagar, quase saboreando a preocupação dele. Estico as pernas no espaço do carro, relaxando, e coloco os óculos escuros antes de responder com um deboche leve na voz:
— Relaxa, Dylan. Tá achando que eu sou burro, é? E... por falar em pai, você tá começando a falar igualzinho a ele. Vai ver é a idade.
Ele revira os olhos com um meio sorriso e freia suavemente no sinal vermelho, o sol pintando reflexos alaranjados em seu terno impecável.
— Bem... — diz, brevemente. — A forma como você agarrou aquele garoto magricela no meio da rua não pareceu lá muito “inteligente”.
Levo uma das mãos à nuca, coçando levemente como se estivesse pensando, e dou um leve sorriso de canto, malicioso:
— Ah, por favor... ali eu só estava coletando informações sobre o território. Você mesmo disse: precisamos conhecer o lugar. Estava fazendo o que qualquer bom lobo explorador faria. E, convenhamos, funcionou. Agora sabemos quem é a garota, e que ninguém sabe quase nada sobre ela.
Dylan balança a cabeça, lutando contra um sorriso. Mas eu não paro:
— E sobre ela nos aceitar... Bem, aí eu concordo em parte com você.
Me viro levemente em sua direção, abaixando os óculos escuros até a ponta do nariz, deixando que ele veja meu olhar direto, confiante.
— É mais fácil ela rejeitar você do que a mim. Afinal, sejamos honestos... eu sou mais bonito. Mais estiloso também. Temos que reconhecer os fatos, irmão.
Dylan solta uma risada seca, afundando o pé no acelerador quando o sinal abre. A cidade passa por nós como um borrão, mas algo muda. Algo vibra no ar.
Ele então me encara de relance, com aquele sorriso de desafio no rosto:
— Vamos ver então, Kael. Vamos ver qual lobo ela vai escolher primeiro.
E eu só penso: Mariá... você ainda nem imagina o que a espera.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 43
Comments
Jhujhu
eita eita vamos vê vamos vê kkkkk
2025-05-25
1