Autora narrando, e ó… presta atenção que agora o caldo começa a esquentar.
O morro tem dessas coisas: parece calmo, mas vive sussurrando perigo nas frestas das janelas. É tipo coração partido — finge que tá de boa, mas pulsa com revolta. E Davi, o novo técnico, tava achando que tava se misturando bem.
Mal sabia ele que no morro, quem sorri demais é anotado. Quem pergunta muito é marcado. E quem acha que tá no controle… tá só jogando no modo fácil de um jogo que nunca é justo.
Ele continuava fazendo o papel certinho: ajeitava antena, desarmava criança chorando com sorriso, carregava galão d’água pra véia do 23. Tudo pra parecer o bom samaritano do alto da favela.
Mas o morro… o morro tem olhos. E língua solta.
— Tá ligado que tão dizendo que vai dar merda, né? — cochichou Jefinho pro comparsa, enquanto olhavam Davi do outro lado da quadra.
— Por quê?
— Porque tem gente estranha demais por aqui. E quando começa assim, sempre tem dedo do governo.
— Ih… será que é aquele papo de policial infiltrado?
Jefinho deu de ombros.
— Só sei que a Arlequina precisa saber.
Agora, segura esse nome: Arlequina.
Ninguém sabe quem é. Só sabe o que ela faz. E o que ela faz, meu amigo… é mandar. Manda em tudo, mas sem aparecer. Sem mostrar a cara, sem subir o tom. E ainda assim, nego obedece.
Davi ouviu o nome pela primeira vez na boca de um moleque com o chinelo virado:
— A Arlequina resolve, fi. Quando o bagulho fica doido, ela manda o papo. E todo mundo abaixa a cabeça.
— Quem é ela? — Davi perguntou, com o olhar meio curioso, meio cínico.
— Ninguém sabe. Dizem que é bonita. Inteligente. Fria. Tipo uma sombra, tá ligado? Quando tu vê… já foi.
Davi deu risada, achando graça. “Mais um mito do morro”, ele pensou. O povo adora criar vilã bonita pra dar emoção pro corre.
Enquanto isso, em outra laje da vida, Camila tava esticada numa rede, de shortinho e camiseta velha, tomando uma Coca gelada. O celular vibrando sem parar no peito.
— Chegou mais um relato. Tão dizendo que tem alguém perguntando demais sobre você — avisou a mensagem codificada.
Ela sorriu, mas foi aquele sorriso que tem veneno no canto da boca.
— Engraçado… justo agora que chegou o moço do Wi-Fi.
E antes que você ache que ela ligou os pontos, calma. Camila era sagaz demais pra acusar sem prova. Mas desconfiar? Ah, isso ela fazia com classe. Tava jogando a dela, igual dama de copas num baralho cheio de ladrão.
Ela nem imaginava que Davi tava ali por ela. Ele nem cogitava que ela era ela.
Era tipo novela das nove, mas sem trilha sonora: dois personagens se encarando sem saber que a história toda girava em torno deles.
Na cabeça de Davi, Camila era só uma moradora marrenta, cheia de charme e língua afiada. Alguém que fazia o coração dele acelerar mais do que devia. Ele até comentou com um colega da “missão” num ponto cego do morro:
— Se a Arlequina for metade do que falam, não tem nada a ver com a Camila. Aquela mulher ali tem mais cara de poesia do que de pistola.
E a gente ri, né? Porque ele não faz ideia da verdade.
Mas Camila… Camila sentia no osso quando o perigo tava chegando. E Davi, com aquele sorrisinho sem malícia e o jeitinho prestativo, era bom demais pra ser só técnico.
— Ele é educado, bonito e anda com postura. Vai ver que é casado — comentou Lívia, uma das poucas amigas da Camila, enquanto penteava o cabelo.
— Ou é espião — Camila respondeu, rindo debochada.
— Ai, Camila, tu é doida.
— Sou nada. Só jogo xadrez enquanto geral brinca de dama.
E jogava mesmo. Porque naquela noite, depois de muito pensar, ela mandou chamar um dos meninos de confiança. O tipo que atravessava a favela com o corpo mole e os olhos vivos.
— Segue o cara do Wi-Fi. Quero saber onde dorme, com quem fala e se o relógio dele é original.
O menino deu risada, achando exagero.
— Tá apaixonada, é?
— Tô atenta, que é pior.
E com essa frase, ela selava o início da perseguição mais perigosa e romântica que o morro já viu.
Davi, por sua vez, tava deitado em seu colchão fino, encarando o teto com o barulho de tiro ao longe. Tinha ouvido falar da tal Arlequina, tinha visto Camila de short jeans e sorriso torto, e agora a mente tava misturando os dois como quem faz receita errada.
— Arlequina… deve ser nome inventado de alguma bandida maluca — murmurou, fechando os olhos.
Se ele soubesse.
Se ele soubesse que a tal mulher fria, calculista, que mandava e desmandava… era a mesma que tinha deixado ele sem fala com um olhar de canto de olho.
Mas por enquanto, o jogo tava bem jogado. Cada um com sua peça no tabuleiro. Davi tentando não se apaixonar. Camila tentando não confiar.
E o morro… ah, o morro só observava, rindo pelas frestas e sussurrando:
— O nome dela é perigo. Mas ele ainda não sabe.
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Atualizado até capítulo 41
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