Darkify: O Peso da Coroa {Vol.2}

Darkify: O Peso da Coroa {Vol.2}

Lacrima sanguinis

"Havia uma rainha

Que em seu pequeno reino jazia

Um legado de paz criou, com gentileza e empatia

Reinando abaixo do sol, violência ela não queria

Seus semelhantes amavam a graça nela

Chamavam-na de Everly, Eve ou, para os mais íntimos, Eva."

Com elegância, o bardo franzino com cabelos pingando se apoiou em seu bandolim em um formato de gota. Ele estava em uma situação engraçada por sua camisa pesada, assim como suas bragas já que as calças estavam secando sobre uma pedra rechonchuda. A voz do jovem atraía as crianças tal qual a história que contava. Uma das crianças estava hipnotizada, afinal seu nome era o mesmo da mulher citada na história.

"Sobre seu sonho, alguns não gostavam

A princesa e o companheiro da dama, vulgo o rei, contra ela estavam

Certa vez a paz naquele pequeno reino acabou

Ao amanhecer, a princesa e o rei, agora juntos, o povo governou

Em seus últimos suspiros ao ver a paz destruída, sangue a rainha chorou."

Os dedos do bardo afundaram uma última vez nas cordas do bandolim ao fim da canção. As crianças aplaudiram alegremente. A pequena garota com um vestido surrado e cabelos tão pretos quanto ébano e olhos lindos tal qual uma esmeralda se aproximou do jovem.

— Aconteceu mesmo? — a menina juntou as mãos em frente ao pequeno corpo.

— Sim — respondeu o bardo olhando por cima dela, parecia surpreso por ser a única a se aproximar enquanto seus amigos discutiam entre si. — Aposto todas as minhas moedas que aconteceu. Como se chama?

— Eva. — A menina sorriu, seu melhor sorriso, os olhos se apertaram e marcas apareceram em sua bochecha. — Meu nome é Eva.

Surpreso com a coincidência, ele pegou sua calça e a torceu, havia certamente tomado banho no lago mais próximo.

— É uma história que aconteceu há muito tempo, pequena Eva — o bardo pegou o bandolim em uma das mãos e a calça na outra. — As pessoas que vieram antes de nós dois fugiram daquele reino feio e escolheram este lugar.

Ela não conseguia fechar a boca, nunca lhe contaram aquela história. Se sentiu triste pela rainha traída. Queria perguntar ao bardo como era possível alguém chorar sangue, mas ele já estava se afastando. Eva correu atrás dele.

— Pode me contar mais? — ela dava pulinhos de alegria, absorvida pela curiosidade.

— Amanhã cantarei novamente, agora preciso comer um saboroso guisado — o jovem bardo ergueu um saquinho de moedas.

A pequena Eva ficou levemente decepcionada, queria saber os detalhes do que aconteceu e não gostaria de ter que esperar até o outro dia. Retornou para sua casa um pouco emburrada. Havia um velho homenzinho na porta de sua morada, a mãe dela oferecia pão e água para ele enquanto o pai tomava distância observando a cena. Ela chegou perto o suficiente para chamar atenção.

— Pensei que perderia o almoço, princesa. — Seu pai pousou a enorme mão dele sobre a cabeça dela.

— Mamãe está dando pão para o estranho — Eva se agarrou à perna de seu pai. — Por quê?

A mãe limpou o farelo das mãos enquanto o homenzinho grisalho agradecia com a boca cheia. Ela sorriu para a filha chamando-a, Eva sentiu o pequeno coração se aquecer ao se lembrar da rainha gentil. Foi carregada, seus pés balançaram no ar, envolveu a nuca da mão com os braços curtos.

— Ajude os outros sempre que puder — a mulher beijou a ponta do nariz dela. — Porque um dia você precisará de ajuda também.

— Meu nome é assim por causa da rainha Everly, mamãe?

— O bardo linguarudo cantou para vocês?

— Cantou, sim.

— Muitos conhecem a história de Everly, a rainha tola — o velhinho virou a água quase se engasgando no processo. — Ao menos é assim que chamam.

— O que é tola? — Eva tombou a cabeça para o lado, confusa.

— Buscar a paz não é tolice — seu pai se juntou a conversa. — Provocar guerras que é.

— Temos uma visão semelhante — o velho limpou os cantos da boca agradecendo mais uma vez.

Eva ficou quieta sentindo-se miúda entre os adultos que trocavam palavras com olhares sérios e vozes pesadas.

— A violência predomina o mundo ao qual conhecemos, isso é triste. — A mãe apertou a garotinha em seus braços.

— Gostaríamos de ser governados por alguém como Everly — disse o pai com os braços cruzados. — Como as pessoas podem chama-la de tola?

O homenzinho curvado pôs a mão sobre o ombro do pai de Eva com muito pesar em sua expressão.

— Sou um viajante, meu caro amigo, passei por cidades e vilarejos, a violência sempre estará um passo a frente de qualquer outra ideia. Recentemente ouvi relatos de um grupo de pessoas desconhecidas que traz o caos onde quer que pisem deixando apenas morte para trás.

— Saqueadores fazem esse papel muito bem — O pai deu de ombros. — Ladrões já tentaram invadir nosso vilarejo antes e soubemos reagir.

O velho assentiu um pouco sombrio.

— Eles são diferentes, até um exército de homens armados foram dizimados por eles.

— Fiquei com medo, mamãe — Eva enterrou o rosto nos cabelos da mãe.

— Oh, me desculpe, florzinha — o velho bagunçava o cabelo de uma forma engraçada. — Foi descuido meu tocar no assunto. Nada vai acontecer com este lindo lugar.

— Promete? — Eva fez um biquinho engolindo seu choro.

— Estamos seguros, minha princesa. — O pai abraçou a mãe e a filha trazendo conforto.

Ao pôr do sol, seus braços estavam erguidos balançando se despedindo do homenzinho grisalho que se afastava para ir embora. Eva nunca mais o veria novamente, mas desejava coisas boas e a partir daquele dia ajudaria todas as pessoas que pudesse ajudar com um sorriso gentil, assim como Everly faria. Naquele mesmo fim de tarde, os aldeões se reuniram na entrada do vilarejo decorado com um arco de madeira, as pessoas cochichavam o tempo todo. Os pais de Eva também queriam saber o que tanto chamava a atenção de todos. A pequena Eva não entendia o motivo dos mais velhos estarem cobrindo os olhos das crianças. Rapidamente, ela largou a mão da mãe e se esgueirou entre todos até que pudesse ver.

Ela bloqueou a boca, os olhos se encheram de água, as pernas ficaram moles. Diante da multidão estava o velho viajante bonzinho. Seus braços e pernas estavam em uma posição desconfortável, seu corpo parecia ter sido esmagado numa poça de sangue. A pergunta que mais se repetia entre os moradores era quem fora o responsável por uma cena tão horrorosa. Então, para respondê-los, das sombras das árvores, no instante em que o sol havia morrido, três figuras encapuzadas se aproximaram do vilarejo. Havia um homem enorme, muito grande mesmo, e uma criança que aparentemente nunca soltava a mão da última figura que devido a suas curvas podia se deduzir ser uma mulher. O pai empurrou as outras pessoas puxando Eva para longe da cena. A pele dele ficou vermelha com o tanto de raiva que se acumulara.

— Foram vocês? — ele gritou com os estranhos misteriosos. — Vocês mataram este homem?

A mulher encapuzada deu um passo a frente, ela era consideravelmente alta para o tamanho de uma mulher normal. O cheiro exalando dela era indescritível, Eva não poderia dizer que era algo cheiroso, mas também não era algo fedido. Não havia partes visíveis de seu corpo, era apenas um tecido preto arrastando pelo chão. Quando a mulher falou, sua voz era doce e agradável, diferentemente de suas palavras.

— Este pobre homem tentou ir embora, e daqui em diante nenhuma existência sairá ou entrará neste vilarejo, pois tudo pertence a mim.

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