Fiquei ali, parada na porta da varanda, encarando Leandro Morelli dormindo profundamente, ainda com o cabelo molhado, os cílios longos descansando sobre a pele pálida. A respiração dele era pesada, lenta, como se estivesse tentando dormir todas as dores do mundo. O quarto cheirava forte a álcool e cloro, então abri a porta de vidro só o suficiente para o ar fresco entrar.
Leandro estava irreconhecível. O homem que vi cambaleando até a piscina, que se deixou afundar como se não quisesse mais respirar, não era o mesmo que conheci nove anos atrás. O garoto arrogante e frio tinha voltado... mas quebrado. Um fantasma carregando seus próprios destroços.
Apaguei a luz do abajur, observei ele por mais alguns segundos e saí da suíte presidencial em silêncio.
O elevador me levou ao térreo e, no saguão, encontrei alguns colegas de trabalho. Ficamos conversando por alguns minutos assuntos banais, piadas de fim de expediente mas minha cabeça não estava ali. Olhei no relógio. Já estava na hora. Minha família devia estar me esperando.
Me despedi e fui em direção ao estacionamento. Meu Fiat Uno branco estava lá, encostado num canto, com uma lasca de tinta descascada na lateral da porta. Entrei, liguei o motor que respondeu com aquele ronco inconfundível de “gato engasgado” e suspirei.
Liguei o rádio.
A primeira música que tocou foi “Iris”, do Goo Goo Dolls.
Involuntariamente, comecei a cantar o refrão em voz alta:
“And I don't want the world to see me, 'cause I don't think that they'd understand...”
Senti o peito apertar.
Ver Leandro de novo... daquele jeito... tinha mexido comigo de um jeito que eu não queria admitir. Eu tinha seguido em frente, certo? Trabalhava, criava minha filha, sorria nas fotos. Mas, por dentro, parte de mim sempre esperou que ele voltasse. E ele voltou. Como um vulto. Uma lembrança distorcida.
Cheguei na frente da casa dos meus pais e estacionei. A casa era simples, de fachada clara e jardim com hibiscos vermelhos, ainda iguais aos da minha infância.
Assim que abri a porta do carro, uma vozinha gritou:
— MAMÃE!
Minha filha, Luisa, correu na minha direção com o cabelo cacheado voando e os olhos castanhos brilhando. Pulei do carro e a abracei forte, levantando-a no ar.
— Meu Deus, que saudade da minha princesa! — beijei sua bochecha.
— Você demorou! — disse ela com uma carinha emburrada, logo quebrada por um sorriso.
Na porta, minha irmã mais nova, Tati, estava encostada no batente, com os braços cruzados e um olhar desconfiado.
— Nossa, Thali... por que raios você tá toda molhada?
Olhei para ela. Depois para mim. Minha blusa estava encharcada, os jeans grudados nas pernas. E Luisa estava no meu colo.
— Meu Deus — sussurrei — nem me percebi que não troquei de roupa.
Coloquei a mão na testa, rindo sem graça.
— E a idade, né?
Tati riu.
— Que boba. O que aconteceu?
— Um imprevisto. Um bêbado caiu na piscina e eu fui salvar.
— Que romantismo aquático — murmurou, rindo enquanto entrávamos.
Meu pai estava na sala, assistindo ao jornal com o volume baixo. Quando me viu, acenou com a cabeça.
— Vai trocar de roupa, menina. Vai acabar pegando um resfriando.
— Já tô indo, pai.
Subi para o quarto da Tati, onde ainda deixava algumas peças de roupa. Desde que me mudei pro meu pequeno apartamento a menos de dez minutos dali só vinha aos fins de semana, mas a casa dos meus pais sempre foi meu abrigo.
Tomei um banho rápido, vesti uma calça de moletom e uma blusa de algodão e desci para a cozinha.
O cheiro de alho e cebola fritando invadiu meu nariz antes mesmo de eu entrar. Minha mãe estava em pé diante do fogão, mexendo uma panela de feijão enquanto outra panela com carne fervia ao lado. A cozinha era pequena, com armários brancos e uma toalha florida sobre a mesa.
Me aproximei por trás, abracei ela pela cintura e apoiei o rosto em suas costas.
— Que cheiro bom...
Ela parou de mexer a colher e passou a mão na minha.
— Você tá bem?
— Tô, mãe — Menti.
Ela se virou, me olhando com aqueles olhos castanhos firmes e doces ao mesmo tempo.
— Eu conheço você, minha filha. Isso tem a ver com o Leandro, né?
Arregalei os olhos.
— Como assim?
— Ué, esqueceu que eu trabalho no hotel também? É claro que todos os funcionários foram notificados que o novo dono chegou.
Engoli em seco. Fiquei calada, encarando as panelas borbulhando.
— Vai falar pra ele que é o pai da Luisa?
Virei o rosto pra ela, surpresa.
— Jamais, mãe.
— Mas, minha filha... — ela colocou a mão no meu braço com delicadeza — a Luisa precisa saber quem é o pai dela. E o Leandro tem o direito de saber que tem uma filha.
Suspirei. Olhei para o teto como se pedisse ajuda a alguma força divina.
— Mãe... por favor. Não começa.
Ela me fitou com mais seriedade.
— Até hoje eu não entendi como você engravidou do gêmeo errado.
Senti o estômago embrulhar. A verdade era confusa até pra mim.
— Sabe sim... eu já te falei.
Ela cruzou os braços e esperou.
— Eu e o Leonardo tínhamos um “relacionamento de mentira". Nunca nos beijamos, nunca dormimos juntos, nada. Ele só me usava pra esconder sua escolha sexual e para encobrir as escapadas. E eu aceitei... porque, no fundo, eu queria estar próxima do Leandro.
Fiz uma pausa, sentindo um gosto amargo na boca.
— Depois que o Leandro cresceu ficou distante. Frio. Criado como príncipe, manipulado pela Laura. Era difícil se aproximar dele. Então eu ficava por perto através do irmão.
— E na noite...
— Na noite em que tudo aconteceu, encontrei o Leandro no bar. Ele estava fingindo ser o Leonardo, falando com todo mundo como se fosse o irmão. E eu... eu sabia que era ele. Mas gostei do jeito leve, espontâneo... parecia finalmente acessível. E deixei acontecer. Passamos a noite juntos.
Minha mãe engoliu em seco.
— E no dia seguinte?
— No dia seguinte, ele disse que foi um erro. Que era o Leandro, não o Leonardo. Saiu do quarto sem olhar pra trás. Eu, desesperada, me enrolei no lençol e fui atrás... mas encontrei o Leonardo no corredor e ele pensou que o Leandro tivesse se aproveitado de mim e fui atrás do irmão furioso. E... e depois disso, nunca mais vi nenhum dos dois.
Minha voz falhou. Uma pontada de dor atravessou meu peito.
— E o Leonardo morreu.
— E eu nem pude me despedir — sussurrei.
Minha mãe se aproximou e me abraçou forte, afagando meu cabelo.
— Você não tem culpa, Thali. Mas precisa contar a verdade.
— Ele não está pronto pra ser pai.
Ela beijou minha testa.
— Mas talvez... talvez Luisa seja a única que pode salvá-lo disso.
Fechei os olhos, e pela primeira vez em anos... considerei essa possibilidade.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Celia Silva
eu comecei a interpretar a história direitinho agora essa menina vai salvar o Leandro do que a mãe dele fez dele vai ficar um homem diferente
2025-06-02
1
Ana Maria Rodrigues
babado se os irmãos tivesse conversado
pena que não deu tempo
2025-06-02
0
joana Almeida lima
Ela se jogou na piscina para salva-lo, não ficou toda molhada não?
2025-05-18
0