Capítulo 2 - A volta ao passado. (Leandro)

Narrado Por Leandro.

Não me despedi de ninguém.

Joguei as últimas peças de roupa na mala de couro preta e fechei o zíper com força. A mansão Morelli estava silenciosa, como sempre esteve nos últimos nove anos. Fria. Intocável. Aquela casa me deu tudo, menos o que importava de verdade.

Ao atravessar o saguão de mármore, passei os olhos pelas colunas douradas, pelos quadros antigos que decoravam as paredes como lembranças de uma linhagem arrogante e falida de afeto. Não deixei nenhuma palavra para trás. Nada que valesse a pena.

Meu avô já havia providenciado o helicóptero.

O piloto me esperava no heliporto ao lado da aeronave preta com o brasão da família estampado na lateral. Quando entrei e me acomodei no banco de couro, o motor rugiu e, em poucos minutos, o céu cinzento de São Paulo ficou para trás.

A viagem pareceu ser mais curta do que eu lembrava.

O Hotel Passione surgiu entre os recortes verdes da paisagem de Florianópolis, imponente como sempre foi. De cima, as piscinas azul-turquesa reluziam sob o sol da tarde, e a fachada branca, com varandas envidraçadas e colunas coloniais, se destacava com elegância à beira-mar.

Ao aterrissar no heliponto, um funcionário correu até mim e abriu a porta do helicóptero.

— Seja bem-vindo, senhor Morelli — disse, com um sorriso profissional nos lábios.

A brisa do litoral soprou forte quando desci. Inspirei o cheiro salgado do mar misturado ao perfume familiar da madeira envernizada que vinha do hotel. Era estranho estar ali novamente. Como pisar num cenário que existia apenas nas lembranças. Lembranças que eu preferia enterrar.

Logo percebi a fileira de funcionários em frente à entrada principal. Homens e mulheres bem vestidos, alinhados como peças de xadrez, me observando com expectativa. Um deles se adiantou.

— Boa tarde, senhor Morelli. Sou Carlos Monteiro, gerente geral do Passione — disse o homem, de cabelos grisalhos impecavelmente penteados para trás. Sua voz era firme, segura, como a de quem comanda sem hesitação. — É uma honra tê-lo conosco.

— Obrigado — murmurei, ajeitando o paletó.

— E esta — ele se virou para a mulher ao seu lado — é Thalita Sodré, sua secretária executiva. Ela o acompanhará neste primeiro tour pelo hotel.

A visão dela me tirou o ar por um instante.

Thalita.

Ou como eu e Leonardo costumávamos chamá-la, Thali. A menina de sorriso largo, que passava os verões com a gente correndo pelos corredores, fugindo dos adultos, fazendo guerras de travesseiro.

Ela tinha os cabelos castanhos escuros ondulados e solto. Os olhos cor de mel, que antes carregavam uma doçura inocente, agora tinham o peso da maturidade. A saia lápis preta marcava suas curvas com discrição, e a blusa branca de mangas bufantes dava um ar profissional sem apagar sua feminilidade. Ela estava mais linda do que eu me lembrava e mais distante também.

— Senhor Morelli — ela disse com um leve aceno de cabeça. A voz era firme, sem emoção.

— Senhorita Sodré — respondi, no mesmo tom.

Foi isso. Nada de abraço. Nenhum vestígio do passado. Só formalidade.

— Podemos começar a apresentação do hotel? — ela perguntou, com os olhos fixos nos meus.

Assenti.

Entramos no saguão principal, e a grandiosidade do Passione me atingiu em cheio muitas coisas havia mudado.

O teto alto com vitrais coloridos deixava a luz do sol pintar o chão de mármore com tons vibrantes. No centro, um lustre de cristal gigantesco pendia com majestade. Ao redor, colunas brancas com detalhes em dourado davam um ar clássico e sofisticado. O cheiro de flores frescas vinha dos arranjos espalhados pelas mesas e balcões, e ao fundo, uma música ambiente suave preenchia o ar.

— O hotel conta com cento e trinta suítes, incluindo duas presidenciais e cinco master. Temos três restaurantes, um spa premiado, academia completa, salas de conferência e uma área de lazer com vista para o mar — começou Thalita, enquanto caminhávamos pelo saguão.

Fazia anos que não pisava naquele lugar. E cada canto parecia gritar meu nome e o dele.

Ali perto da recepção, eu e Leonardo costumávamos nos esconder para espionar os hóspedes famosos. Nos corredores, brigávamos por quem pegaria o elevador primeiro. No terraço, trocávamos confidências que nunca deveriam ter sido ditas.

Eu estava perdendo o foco.

— Podemos pular o resto do tour? — interrompi. — Prefiro ir direto para a minha suíte.

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Claro, senhor. Carlos providenciou que a suíte presidencial norte estivesse pronta para sua chegada. Já mandei deixar seus pertences lá.

Seguimos pelo elevador panorâmico. O vidro permitia ver o mar ao longe, brilhando sob o sol da tarde. Mas nem o mar me acalmava.

Dentro do elevador, o silêncio era denso.

— Achei que você não voltaria nunca mais — disse ela de repente, ainda olhando para frente.

— Nem eu achei.

— E por que voltou?

— Porque não tive escolha.

Ela virou o rosto, me encarando.

— Sempre tem uma escolha, Leandro.

— Algumas a gente faz... outras, a gente paga.

O elevador apitou. Chegamos ao último andar. Caminhamos até a porta dupla da suíte presidencial. Ela abriu com a chave-cartão e me deu passagem.

O quarto era enorme, com piso de madeira clara, paredes em tom creme e uma varanda de vidro com vista para o oceano. Uma cama king-size com lençóis brancos impecáveis dominava o centro do ambiente. Ao lado, um sofá de couro bege, uma lareira apagada e prateleiras com livros de design e arquitetura.

— Está tudo conforme o padrão. Se quiser fazer alterações, posso repassar seus pedidos à equipe — disse ela, profissional até o último fio de cabelo.

— Está ótimo.

Ela me entregou uma pasta.

— Aqui está o planejamento da semana, reuniões, contratos e uma breve apresentação sobre os principais departamentos do hotel. O senhor também tem uma reunião com os coordenadores às dez amanhã.

Peguei a pasta, mas continuei olhando para ela.

— Está diferente, Thalita.

Ela cruzou os braços.

— Nove anos fazem isso com uma pessoa.

— Achei que não ia me olhar nos olhos.

— Achei que você não merecia.

Engoli em seco.

— Você tem razão.

Ela hesitou. Por um instante, o brilho de antes apareceu em seus olhos.

— Adeus senhor Moretti, precisar se algo e só chamar na recepção.

— O quê?

— Tchau.

Ela se virou para sair, mas eu falei antes que alcançasse a porta:

— Thalita...

Ela parou.

— Nada, pode ir.

Ela acenou com a cabeça virou o rosto, e partiu. Fiquei ali parado. Sozinho outra vez. Como sempre.

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Comments

Jessica Ferreira Borges

Jessica Ferreira Borges

Sabe o que to achando, que o avó dele sempre soube de tudo que rolou entre os irmãos. Como ele disse e a última oportunidade de rendição.

2025-05-25

2

Aldeci Marinho

Aldeci Marinho

Ah Leandro você vai amolecer esse coração ah se vai. Só quero você todo apaixonadinho kkkk

2025-05-17

1

Helena

Helena

esse avó é um grande homem.sabio.nao foi por acaso que mandou o Leandro de volta.

2025-05-26

0

Ver todos
Capítulos
1 Prólogo
2 Capítulo 1 - O Começo do fim. (Leandro)
3 Capítulo 2 - A volta ao passado. (Leandro)
4 Capítulo 3 - Afundar (Leandro)
5 Capítulo 4 - Um fantasma no espelho. (Thalita)
6 Capítulo 5 - Humorista Luisa. (Thalita)
7 Capítulo 6 - Palavras ditas. (Thalita)
8 Capítulo 7 - Catando os cacos (Leandro)
9 Capítulo 8 - O último dia que chamei de mãe (Leandro)
10 Capítulo 9 - A verdade que mudou tudo. (Leandro)
11 Capítulo 10 - A filha e o Pai. (Thalita)
12 Capítulo 11 - Milagre silêncio. (Thalita)
13 Capítulo 12 - Nossa Filha. (Thalita)
14 Capítulo 13 - Tutuca e o Reinos das crianças suadas. (Leandro)
15 Capítulo 14 - Thalita e a terrorista. (Leandro).
16 Capítulo 15 - O dia mais esperado. (Leandro)
17 Capítulo 16 - Almoço em família. (Thalita)
18 Capítulo 17 - Dorminhoca. (Thalita)
19 Capítulo 18 - Eu preciso de você. (Thalita)
20 Capítulo 19 - Um lugar chamado Lar. (Leandro)
21 Capítulo 20 - Em busca de pai (Leandro)
22 Capítulo 21 - A vida é curta. (Leandro)
23 Capítulo 22 - Fotos do passado. (Thalita)
24 Capítulo 23 - Chalé (Thalita)
25 Capítulo 24 - Melhor dia da minha vida. (Thalita)
26 Capítulo 25 - As Luzes. (Leandro)
27 Capítulo 26 - O despertar. (Leandro)
28 Capítulo 27 - Ou você me ajuda, ou vai junto! (Leandro)
29 Capítulo 28 - O silêncio. (Thalita)
30 Capítulo 29 - A última palavra. (Thalita)
31 Capítulo 30 - Quente e fria
Capítulos

Atualizado até capítulo 31

1
Prólogo
2
Capítulo 1 - O Começo do fim. (Leandro)
3
Capítulo 2 - A volta ao passado. (Leandro)
4
Capítulo 3 - Afundar (Leandro)
5
Capítulo 4 - Um fantasma no espelho. (Thalita)
6
Capítulo 5 - Humorista Luisa. (Thalita)
7
Capítulo 6 - Palavras ditas. (Thalita)
8
Capítulo 7 - Catando os cacos (Leandro)
9
Capítulo 8 - O último dia que chamei de mãe (Leandro)
10
Capítulo 9 - A verdade que mudou tudo. (Leandro)
11
Capítulo 10 - A filha e o Pai. (Thalita)
12
Capítulo 11 - Milagre silêncio. (Thalita)
13
Capítulo 12 - Nossa Filha. (Thalita)
14
Capítulo 13 - Tutuca e o Reinos das crianças suadas. (Leandro)
15
Capítulo 14 - Thalita e a terrorista. (Leandro).
16
Capítulo 15 - O dia mais esperado. (Leandro)
17
Capítulo 16 - Almoço em família. (Thalita)
18
Capítulo 17 - Dorminhoca. (Thalita)
19
Capítulo 18 - Eu preciso de você. (Thalita)
20
Capítulo 19 - Um lugar chamado Lar. (Leandro)
21
Capítulo 20 - Em busca de pai (Leandro)
22
Capítulo 21 - A vida é curta. (Leandro)
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Capítulo 22 - Fotos do passado. (Thalita)
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Capítulo 23 - Chalé (Thalita)
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26
Capítulo 25 - As Luzes. (Leandro)
27
Capítulo 26 - O despertar. (Leandro)
28
Capítulo 27 - Ou você me ajuda, ou vai junto! (Leandro)
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Capítulo 30 - Quente e fria

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