O primeiro suspiro da manhã, aquele resquício de um sono pesado, foi interrompido pelo som do despertador. O ritmo da minha respiração ainda estava descompassado, os olhos pesados de quem dorme, mas não descansa. A luz que vinha da janela ainda estava tímida, mas eu sabia que seria mais um dia de calor. Mais um dia para tentar esquecer o que me acompanhava no silêncio da noite anterior.
Levantei da cama, os pés tocando o frio do piso de madeira. A rotina, como sempre, começava com o café. Eu gostava de manter as coisas simples. Era o meu refúgio, meu pequeno mundinho controlado. A cada movimento, me permitia esquecer o que acontecia em minha cabeça.
Mas então, o som. O som que vinha do corredor, distante, mas nítido. Algo arrastando... ou alguém. Meu corpo se estremeceu. Era como um grito abafado que se formava dentro de mim. Não era a primeira vez que ouvia algo assim. Mas era a primeira vez que fazia questão de parar e prestar atenção.
Olhei para a porta, que estava entreaberta, como sempre. Minha casa sempre foi minha fortaleza, mas agora… agora ela parecia me espreitar. O silêncio parecia ter se distorcido. Fiquei parada, os sentidos aguçados, tentando ouvir o que era. O que vinha de fora. O que estava tentando me alcançar.
Tentei ignorar, como fiz tantas vezes antes. A xícara de café estava esperando. O trabalho também. Mas esse desconforto, essa sensação de ser observada, estava crescendo. Eu podia sentir. Era palpável. Cada fibra do meu ser gritava em silêncio, tentando negar a evidência, mas a sensação não se afastava. Eu estava sendo seguida. E isso não era coisa da minha cabeça. Eu sabia.
Na cozinha, as lâmpadas fluorescentes acima da bancada piscavam de maneira irregular. Outra coisa simples, mas inquietante. Eu sempre ficava atenta a esses detalhes. Como se qualquer alteração no normal fosse um sinal de algo maior que estava se aproximando. E, de alguma forma, eu sabia: não havia como escapar.
Sentei à mesa, o café agora morno, e olhei pela janela. O prédio à minha frente parecia tão distante, tão inofensivo. Mas eu sabia que a realidade se disfarçava. O que parecia ser um dia normal, um prédio comum, escondia mais do que aparentava.
E foi ali, naquele instante, que meu olhar caiu sobre a janela do vizinho. A cortina estava parcialmente aberta, e por um momento, achei que vi algo. Uma figura. Algo que desapareceu tão rapidamente que eu pensei ter me enganado.
Tentei desviar os pensamentos. “Imagina, Isabela. Você está apenas cansada. O trabalho está pesando. O sono...” Mas eu sabia que não era isso. Não era paranoia.
Me levantei e fui até o banheiro. O reflexo no espelho estava diferente. Meus olhos, cansados demais para serem os mesmos, pareciam mais sombrios. Mais vazios.
Pensei no que poderia fazer para tentar voltar ao normal. Mandar uma mensagem para minha mãe. Sair de casa. Ter uma conversa. Mas a verdade é que, ao longo dos anos, fui me tornando mais reclusa, cada vez mais distante das pessoas. O mundo lá fora parecia ameaçador, caótico demais para alguém como eu. Eu me sentia mais segura na minha própria companhia, no silêncio da minha casa. Ou pelo menos, pensava que sim.
O tempo foi passando, e aquele desconforto se intensificava. As pequenas coisas começaram a acontecer com mais frequência. A xícara que sempre estava em outro lugar. O barulho na porta. O cheiro estranho que ficava na casa depois de eu chegar de um dia de trabalho. Um perfume. Não era o meu, nem o de ninguém que eu conhecesse.
Naquela tarde, quando a luz do sol se inclinava pela janela, mais uma mudança, mais uma mudança estranha. O bilhete. O primeiro bilhete. Simples. Claro.
“Você é mais bonita quando não percebe.”
Senti um calafrio na espinha ao ler aquelas palavras. Um estalo seco no meu peito. A princípio, pensei que era alguma piada idiota. Alguma coisa que um vizinho maluco poderia ter deixado. Mas o que me pegou foi o sentimento que acompanhava aquelas palavras. O medo. O conhecimento de que alguém, alguém sabia de mim de uma forma que ninguém deveria saber. Alguém estava me observando.
Eu tentei ser racional. Tentei racionalizar tudo. Não podia ser nada. Não era nada. Eu estava apenas ficando paranoica. O trabalho, a vida solitária, as noites insones... Tudo contribuía para esse estado de alerta constante. Então, eu rasguei o bilhete e joguei fora.
Mas, dois dias depois, o bilhete estava lá de novo.
“Você dorme com os lábios entreabertos. Sonha com o quê?”
A ansiedade subiu como um balão prestes a estourar. Dessa vez, não consegui mais ignorar. Eu sabia que não era uma coincidência. Eu sabia que estava sendo observada, vigiada. E isso me corroía por dentro.
Tentei fazer o que me disseram. Tranquei todas as portas. Verifiquei as janelas. Coloquei fita adesiva nas câmeras. Fui cuidadosa. Mas o problema não estava lá fora. O problema estava dentro de mim, dentro de casa, onde a presença invisível fazia meu sangue correr mais rápido, onde o silêncio era meu único companheiro.
Eu tinha medo, mas ninguém acreditava em mim. A polícia deu de ombros. Os amigos, se é que podia chamá-los assim, não entenderam a gravidade da situação. Como se fosse apenas mais uma mulher “ansiosa”, “exagerada”.
Eu não queria ser louca. Eu não queria estar vivendo aquilo. Mas a verdade, como sempre, estava lá. Não podia mais negar. Eu estava sendo perseguida. E eu não sabia o que fazer a respeito.
Esse foi o começo de tudo. A escalada da obsessão. Eu estava ciente de que estava presa, mas não sabia o quanto ainda ia perder antes de finalmente quebrar as correntes.
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Atualizado até capítulo 42
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