Ameaças e a boa testemunha.

A cela era pequena, sufocante, com cheiro de desinfetante barato e de histórias tristes que ninguém queria ouvir.

As barras pareciam mais grossas do lado de dentro. A luz piscava lá em cima, como se debochasse de mim — eu, sentada num banco de concreto frio, tentando entender como minha vida tinha desmoronado em três dias.

Me encolhi no canto, as mãos apertando os joelhos, como se isso pudesse me manter inteira. Eu queria desaparecer.

Queria voltar pro dia em que Amélia entrou no café e fingir que não vi os olhos dela pedindo ajuda.

— Você não parece do tipo que costuma parar aqui — disse uma mulher de voz rouca, se aproximando.

Levantei o rosto. Ela era mais velha, cabelo crespo, rosto duro. Experiente nesse lugar.

Tentei forçar um sorriso.

— Foi um engano... eu só ajudei alguém. Só isso.

Ela deu uma risada baixa, sem humor.

— Ah, querida... aqui, todas são inocentes.

Outras riram também. Riso seco, descrente.

Antes que eu dissesse mais alguma coisa, a porta se abriu com força. O barulho ecoou nas paredes e no meu peito.

Cole Jennings. Ele entrou com passos pesados e apontou direto para mim.

— Carter. Vamos. Agora.

Me levantei devagar, mas arrisquei:

— O delegado Hale... eu posso falar com ele?

— Cala a boca. Levanta.

As outras mulheres silenciaram. Algumas até viraram o rosto. O medo dele era visível ali, até nos olhos mais acostumados com o terror.

Fui puxada para fora como se fosse lixo. Nem tive tempo de respirar direito.

Ele me jogou dentro da sala de interrogatório como se eu não fosse gente. Só uma suspeita qualquer.

A sala era gelada. Vazia.

Uma cadeira, uma lâmpada amarela. Eu me sentei, tentando conter as lágrimas.

Ele jogou uma pasta na mesa.

— Três testemunhas disseram que você brigou com Amélia. Uma delas viu você ameaçá-la. Isso aqui é sua sentença. E sabe o que ela diz? Que você vai apodrecer na cadeia.

Eu balancei a cabeça, tentando dizer que não, que não era assim.

— Eu... eu não fiz nada disso...

— Cala a boca! — ele bateu na mesa, e meu corpo se encolheu. — Acha que alguém vai acreditar em você? Uma garçonete qualquer? Uma vadia de bar? Quem vai ouvir você, hein?

As lágrimas já caíam.

Minha voz estava presa, sufocada pela angústia.

— Eu só quis ajudar... só quis ajudar...

Ele se inclinou, os olhos tão perto dos meus que eu sentia o hálito dele.

— Confessa. Ninguém se importa com você. Nem o delegado. Ele tá te deixando aqui só para você se quebrar. E eu vou adorar assistir.

A porta se abriu com um estrondo.

Marcus Hale.

Eu não sei explicar o que vi no olhar dele. Mas foi como se, pela primeira vez desde que tudo começou, alguém me enxergasse.

— Fora. Agora.

Cole hesitou.

— Marcus, ela vai confessar. Mais dois minutos e...

— Eu disse: fora. Ou vai responder por abuso de autoridade.

Cole cerrou os dentes, me lançou um último olhar de raiva e saiu.

Eu fiquei sozinha.

Minhas mãos tremiam. Minha alma também.

Olhei para a cadeira onde ele esteve segundos atrás.

— Eu não posso lidar com isso... — murmurei. — Nunca mataria ninguém...

A porta se fechou com um clique baixo.

Alguns minutos depois, ela se abriu de novo.

Marcus entrou. Dessa vez, sem fúria, mas ainda com os olhos daquele gelo que queimava.

Ele puxou a cadeira e sentou de frente para mim. O silêncio dele era pesado, mas não doía como o de Cole.

Era o tipo de silêncio que escuta.

— Eu sei que você está com medo, Evelyn — ele começou, e meu nome na voz dele soou mais humano do que em qualquer outro lugar desde que fui presa. — Mas a verdade vai aparecer. Mais cedo ou mais tarde, ela sempre aparece.

Eu abaixei os olhos.

— Então... diga a verdade — ele continuou. — Por você. Porque, se tem alguém disposto a descobrir tudo, sou eu. Mas para isso... preciso saber com quem estou lidando.

Eu apenas assenti. Sem promessas, sem forças. Mas ele viu.

Ele se levantou e saiu sem dizer mais nada.

Eu fiquei ali por mais algumas horas, até que um guarda apareceu.

— Carter. Alguém veio te ver.

— Quem? — perguntei, surpresa.

— O dono do café. Disse que é urgente.

A sala de investigação ainda tinha o cheiro de tensão. Eu sentia o suor escorrendo nas costas, e não era só pelo calor. Era o medo. O medo de ser engolida por algo que eu não causei. De pagar por um erro que nem sequer entendi.

Quando a porta se abriu, meu coração disparou — por um segundo achei que Cole tivesse voltado. Mas não.

Era George, o dono do Café Bluebird. Terno amarrotado, cabelo desgrenhado, mas os olhos bons. Ele parecia cansado. Ou talvez preocupado. Aquele jeito de quem quer dar um abraço, mas não pode porque tem uma parede invisível entre nós.

— Evelyn... — ele entrou e se sentou, os cotovelos apoiados na mesa. — Como você tá?

— Como acha que eu tô? — minha voz saiu mais fraca do que eu queria. — Me colocaram aqui como se eu fosse um monstro.

Ele respirou fundo.

— Eu sei. E por isso eu vim. Porque sei que você não faria isso. Eu te conheço, Evelyn. Você é a única que fica depois do expediente para limpar tudo, que leva torta para os velhos na praça, que chora por causa de criança doente em matéria de jornal. Isso aqui... isso não é você.

As lágrimas estavam ali de novo. Sempre à espreita.

— Eu juro que não toquei na Amélia... Ela era alguém que precisava de um socorro. Eu só queria ajudar...

George olhou em volta, se inclinou para frente e baixou o tom:

— Tem gente grande envolvida nisso. Gente que não quer que certas verdades venham à tona. Eu ouvi umas conversas... Tem nomes, Evelyn. Homens que a Amélia incomodava. Você tá no meio de algo que vai muito além de café e favores.

Minha voz falhou, mas eu forcei:

— A Amélia me disse... que estava juntando provas. Que tinha levado tudo com ela. Que ia guardar na minha casa, na bolsa dela. Disse que se algo acontecesse, era para procurar ali.

Ele arregalou os olhos.

— Você tem certeza disso?

Assenti.

— E eu... eu sinto que posso confiar no delegado. No Marcus. Ele parece querer descobrir a verdade. Mas ninguém mais me ouve. Eles só veem o que querem ver.

Antes que George pudesse responder, a porta se abriu mais uma vez.

Marcus Hale.

O olhar dele varreu a sala, firme. Sem pressa, mas com aquela autoridade natural que calava todo o resto.

— A visita acabou — disse, sem tirar os olhos de mim. — Ela vai ser levada de volta para cela. Agora eu preciso conversar com você, senhor Bennett.

Dois policiais surgiram atrás dele. Eu me levantei devagar, a garganta apertada.

George me lançou um olhar rápido, como quem diz “fica firme”.

Mas eu já estava cansada de ser firme.

Deixei a sala com os olhos presos nos de Marcus. E, por mais que ele mantivesse o rosto impassível, havia algo ali. Um traço de dúvida... ou de certeza?

Só não sabia ainda se era a meu favor.

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Comments

Tania Cassia

Tania Cassia

Coitada tomará que o chefe dela consiga ajudar

2025-05-04

1

Andrea Freire

Andrea Freire

Tadinha dela,estou gostando da história, comecei ler hj04/05/25

2025-05-05

0

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