Minha sala era o único lugar da delegacia que ainda respeitava o silêncio.
As paredes, grossas e sóbrias, guardavam o cheiro do couro antigo da poltrona e o peso de decisões que ninguém queria tomar.
Eu fechei a porta com força controlada. Cole Jennings já estava lá dentro, sentado, braços cruzados e aquele sorriso torto de quem acha que tem a verdade nos punhos.
— Você devia ouvir isso, ele disse antes mesmo que eu perguntasse. — Tem gente dizendo que viu a garçonete brigando com a vítima. Evelyn Carter. No meio da rua. Ameaçando. Dando show.
Me encostei à mesa. Cruzei os braços.
— E você acredita nisso?
— Acredito em padrão. E o padrão é claro. Você viu o jeito dela. Nervosa, assustada... e mentiu desde o início. Eu diria que ela tem muito a esconder.
— Assustada não é o mesmo que culpada. E você tá forçando demais, Cole. Tá pessoal isso?
Ele riu, um som seco.
— Só tô dizendo... ela pode ter mais a ver com esse corpo no rio do que parece. Você vai ouvir as testemunhas. Eu mesmo trouxe.
Suspirei. Se não ouvisse, ele usaria isso como munição depois.
— Tudo bem. Manda entrar. Um por um.
A primeira foi uma moça jovem, expressão decidida demais pra alguém que dizia ter visto uma briga na rua por acaso.
— Vi sim. Elas discutiram do lado de fora do Bluebird. A garçonete tava alterada. Gritava com a outra. Chamou ela de ingrata, disse que ia se arrepender.
— Quando foi isso?
— Dois dias atrás. À noite. Eu tava passando por ali, indo para casa.
— O que ela vestia? A Evelyn.
Ela hesitou.
— Hã... acho que... uma blusa escura. E jeans.
— Escura como? Azul, preta, marrom?
— Não sei direito. Tava meio escuro.
Anotei. Não com tinta. Com dúvida.
A segunda testemunha entrou logo depois. Um homem de meia-idade, cabelo ensebado e olhar inquieto.
— As duas estavam discutindo. Evelyn empurrou a moça. Eu vi.
— De onde você viu?
— Da minha janela. Moro no prédio em frente. Terceiro andar.
— Então conseguiu ver bem quem empurrou quem?
— Com certeza. Foi Evelyn.
— Consegue descrever o rosto da outra mulher?
Ele franziu o cenho. Se atrapalhou.
— Tava de costas. Mas reconheci a voz. Era ela, a que morreu, ela andava ali.
— Mas você viu o empurrão. E reconheceu a vítima… de costas?
Silêncio. Ele murmurou algo sobre "vozes inconfundíveis".
Terceira testemunha, mesma música. Mudavam as palavras, mas o refrão era igual: Evelyn gritando, ameaçando, briga feia.
Só que nos detalhes... tudo desmoronava.
Roupas que não batiam com o dia da suposta briga.
Cores trocadas. Horários vagos.
Expressões ensaiadas demais.
Fechei a porta após a última.
Cole estava ali, esperando um “eu te disse”.
— Três pessoas contaram a mesma história, Hale. Quantas você precisa?
— Três histórias com o mesmo molde. Mas com detalhes que não se sustentam sob luz. Isso me cheira a armação.
Ele riu. Cético.
— Você quer acreditar que ela é inocente porque chora bonito. Mas a verdade não liga para lágrima, Marcus.
— Não. Mas eu ligo para a verdade. — caminhei até minha mesa. — E essa ainda não apareceu aqui hoje.
Cole bufou e saiu, sem disfarçar o desdém.
Fiquei só.
E o que restou foi uma sensação familiar:
Algo estava errado.
E o erro... não estava com Evelyn Carter.
A casa estava escura quando cheguei.
O som das chaves na fechadura foi abafado pelo leve ronco do aquecedor. Tudo quieto. Calmo. Como se o mundo lá fora, com seus cadáveres e mentiras, não existisse entre essas paredes.
Subi as escadas devagar, evitando os degraus que rangiam. A porta do quarto dela estava entreaberta.
Isla dormia.
Seus cabelos loiros espalhados no travesseiro, a respiração leve, o braço estendido como quem sonha em segurar o mundo.
Dei um passo para dentro.
O quarto tinha cheiro de sabão e bicho de pelúcia. A babá, Jenna, estava sentada no canto, cochilando com um livro no colo. Quando me viu, se levantou rápido.
— Pode ir, Jenna. Obrigado. Eu fico com ela.
Ela assentiu com um sorriso cansado e saiu. A porta se fechou com um clique sutil.
Sentei-me ao lado da cama. Passei os dedos na bochecha de Isla.
— Você é a única certeza que eu tenho...
Fiquei ali por alguns minutos antes de ir para o banho.
A água quente escorreu pelas costas, aliviando a tensão do dia. Mas minha mente... não desligava. Não daquela mulher.
Evelyn Carter.
Algo nela não fechava — mas não do jeito que Cole achava.
Era o contrário.
Ela parecia frágil demais para tanto ódio. Honesta demais no olhar. E ainda assim... estava cercada de mentiras.
Vesti uma camiseta simples, desci para cozinha, comi qualquer coisa que nem lembro o gosto. E fui para minha sala.
A luz do abajur piscou antes de estabilizar. Liguei o computador.
Arquivos abertos. Registros esquecidos. Casos arquivados.
Comecei a buscar por palavras-chave:
“Desaparecimento”, “jovem mulher”, “última vista”, “agência de modelos”, “Marlowe”.
No começo, nada. Mas depois... as coincidências começaram.
Clara D. — 22 anos. Última vista saindo de uma sessão de fotos em Redfield.
Emily T. — 24. Desaparecida há três meses. O boletim dizia “fuga voluntária”, mas a mãe insistia: “Ela tinha medo do agente. Algo estava errado.”
Sofia R. — 19. Sumida. Trabalhou por poucos dias com a Agência Marlowe.
Eram seis casos. Todos com algo em comum:
Mulheres jovens, bonitas, recém-chegadas à cidade. Sem família por perto.
Todas, em algum ponto, conectadas a Victor Marlowe.
Cliquei no nome dele. Poucas informações oficiais. Nenhuma ficha criminal. Mas onde há fumaça...
Peguei meu celular e deixei um recado de voz para um contato antigo no setor de investigações especiais:
— Preciso de tudo o que conseguir sobre Victor Marlowe. Qualquer coisa. Nome verdadeiro, sócios, imóveis, processos. Discrição total. Me devolve isso até amanhã.
Desliguei. Encostei-me na cadeira, olhando para a luz azulada da tela.
A sensação que Evelyn me causava... era a mesma que sentia quando algo estava podre bem debaixo da superfície.
E eu aprendi, com o tempo, que instinto não mente.
Voltei para o quarto mais tarde. Isla ainda dormia.
Me deitei ao lado dela. Mas aquela noite, como tantas outras na minha vida, o sono não veio fácil.
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Atualizado até capítulo 39
Comments
Cristiana Oliveira
acredito q esse cole ta envolvido nisso
2025-05-02
3
Maria Joana
Esse safado é o criminoso e ta arrumando essas testemunhas falsas
2025-05-03
1
Tania Cassia
acho que o cole é o criminoso
2025-05-03
1