Capítulo 3 – Coisas que não se explicam
Pietra completou 10 anos com uma festa simples no quintal. Balões roxos, brigadeiro enrolado pela avó, bolo com cobertura de chocolate. Mas pra ela, o mais importante era que Isabela estivesse lá.
E ela estava. Com um presente embrulhado em papel azul claro e uma fita torta, feita pela mãe. Quando Pietra abriu, viu um caderninho com capa de glitter e uma caneta roxa com tinta que brilhava.
— Pra você escrever seus segredos — disse Isabela, sorrindo tímida. — Só seus. Ou… nossos.
Pietra abraçou forte. E foi ali, naquele abraço apertado, que a mãe de Pietra olhou de longe, emocionada, sussurrando pra si mesma: “Essas duas vão crescer juntas. Eu sei.”
O tempo passou mais um pouco, e aos 11 anos, Pietra começou a notar algumas mudanças. Não no corpo — isso vinha devagar. Mas no mundo à sua volta.
Algumas meninas começaram a falar de crushes, de “ficar”, de beijos roubados atrás do parquinho. Pietra ouvia e ria junto, mas sentia que tinha algo nela que ainda não encaixava ali. Quando perguntaram se ela gostava de algum menino, ela deu de ombros.
— Ah, sei lá. Ninguém em especial.
Mas era mentira. Tinha alguém. E esse alguém tinha o nome mas ela fingia.
Não que ela entendesse isso ainda. Só sabia que se Isabela falava demais com o Gustavo da turma de ciências, ela se irritava. Se Isabela ficava doente e não ia pra aula, Pietra sentia o dia mais vazio.
— Você sente ciúmes de mim? — perguntou Isabela um dia, sem aviso, enquanto brincavam com esmaltes coloridos na varanda.
— Não. Claro que não — respondeu Pietra rápido demais.
Isabela a encarou por um segundo, depois voltou a pintar suas unhas com cuidado.
— Porque às vezes parece.
Silêncio.
— Talvez um pouco — confessou Pietra, num fio de voz.
Isabela sorriu de canto. E disse algo que ficou ecoando por dias na cabeça da amiga:
— Que bom. Porque eu também sinto amiga.
Na semana seguinte, as mães decidiram fazer um “dia das meninas” só entre elas e as filhas. Foram ao cinema, comeram pipoca demais, tiraram fotos bobas e terminaram a noite com sorvete e risadas.
Na volta, no banco de trás do carro, Pietra e Isabela estavam cansadas, mas abraçadas. Deitadas uma na outra. E quando a mãe de Isabela olhou pelo retrovisor, viu as duas cochilando juntas, como se fossem parte da mesma alma.
— Elas ainda vão dar muito trabalho — murmurou.
— Ou muito orgulho — respondeu a mãe de Pietra, sorrindo.
E naquela noite, quando se despediram com um “até amanhã”, o beijo na bochecha demorou um segundinho a mais. Pequeno. Inocente. Mas cheio de um sentimento que nenhuma das duas ainda ousava nomear.
Porque havia coisas que não se explicavam.
Mas que, mesmo assim, faziam o coração bater diferente.
alguns mesas depois
A Primeira Fresta
O sexto ano chegou com carteiras maiores, matérias mais difíceis e professores que não sabiam os nomes de todo mundo. Pietra e Isabela continuavam inseparáveis, mas agora havia novos grupos, novas amizades, e com elas… uma nova distância. Pequena. Quase imperceptível. Mas ali.
Isabela começou a andar com Júlia e Carol nos intervalos. Riam alto, faziam vídeos bobos no celular, usavam pulseirinhas coloridas combinando. Pietra não se incomodava — ou pelo menos fingia que não. Mas era como se, de repente, estivesse de fora de uma brincadeira que antes era só delas.
Na aula de artes, quando a professora pediu um trabalho em dupla, Pietra se virou para chamar Isabela… mas ela já estava com Carol.
— Desculpa — disse Isabela, hesitando. — A gente combinou ontem…
Pietra forçou um sorriso.
— Tudo bem. Eu faço com a Bia.
Mas não estava tudo bem.
Pela primeira vez, ela sentiu uma coisa dura no peito. Não era raiva, nem tristeza. Era uma espécie de vazio — como se uma parte do dia tivesse apagado. Como se a casa da árvore estivesse trancada, e ela tivesse esquecido a senha.
No fim de semana, Isabela foi dormir na casa de Pietra. Fazia tempo que não faziam isso. Levaram travesseiros pro chão do quarto, pipoca pra dentro do edredom e riram de um filme antigo até o sono chegar.
— Você tá estranha — disse Isabela, deitada de lado, encarando a amiga na penumbra.
— Não tô, não.
— Tá sim. Tá quieta.
Pietra respirou fundo.
— Você mudou. Anda com outras pessoas. Nem me conta mais as coisas.
Isabela ficou em silêncio por um tempo. Depois, se aproximou devagar, encostando a testa na de Pietra.
— Você ainda é minha pessoa favorita. Só… às vezes fico com medo que você canse de mim.
— Como assim?
— Sei lá. Você é boa em tudo. E eu fico tentando ser legal com todo mundo pra não parecer… sei lá, pequena.
Pietra segurou sua mão, firme.
— Eu gosto de você exatamente do jeito que você é. Você não precisa ser mais nada.
Elas ficaram assim, de mãos dadas, com os corações se acalmando juntos. E, naquela noite, dormiram de novo como parte da mesma alma, mesmo com a fresta do mundo começando a se abrir.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Patricia Rafaela Ribeiro Mendes
♥️♥️♥️♥️
2025-05-31
0
A.Maysa
❤️❤️❤️
2025-05-08
0
Maria Andrade
que história fofa 🤩❤️
2025-05-06
0