Sentei-me na poltrona do salão, sentindo o tecido do estofado ceder sob meu peso. Minha mãe postou-se diante de mim, as mãos entrelaçadas tão firmemente que seus dedos estavam brancos. O silêncio entre nós era espesso, como a névoa lá fora, e eu sabia que cada segundo de espera era uma estratégia dela para me fazer recuar.
— Helenora… — ela começou, chamando-me pelo nome que apenas usava quando estava verdadeiramente decepcionada. — O que passou pela sua cabeça para fazer isso?
Eu respirei fundo, preparando-me para a tempestade que viria.
— Mãe, eu apenas quis algo diferente. Algo que fosse meu.
Seus olhos brilharam com algo próximo da indignação.
— Seu cabelo loiro era lindo. Era um reflexo da nossa família, da sua criação. Você não percebe o que isso significa?
— Significa que eu preciso ser exatamente como todo mundo espera que eu seja? — Minha voz saiu mais firme do que eu planejava. — Significa que não posso escolher nem mesmo a cor do meu próprio cabelo?
Ela inspirou fundo, fechando os olhos por um momento, como se tentasse encontrar paciência.
— Hellie… — sua voz era baixa, quase suplicante. — Você acha que este mundo é gentil com mulheres que desafiam as regras? Acha que Londres é generosa com as que decidem ser diferentes?
Seu olhar encontrou o meu, e algo ali me fez hesitar. Minha mãe não estava apenas brava. Ela estava preocupada.
— Você não entende, filha. — Sua voz vacilou um pouco. — Ser mulher já é difícil. Ser uma mulher que se recusa a seguir as regras pode ser perigoso.
Eu queria rebatê-la, queria gritar que não tinha medo. Mas a verdade era que eu tinha.
Muito.
Mas o medo nunca havia sido suficiente para me parar antes.
— Eu não quero viver com medo, mãe.
Ela suspirou e passou a mão pelo rosto.
— Não é questão de querer, Hellie. É questão de precisar.
Ela me olhou por um longo momento, como se tentasse entender a filha que tinha diante de si. Então, balançou a cabeça e virou-se, caminhando até a porta do salão.
— O jantar será servido em breve. Você deve estar presente.
— E se eu não quiser? — perguntei, testando os limites.
Ela parou, mas não se virou.
— Então terei que aceitar que minha filha não é mais a mesma.
Quando a porta se fechou atrás dela, senti uma pontada de dor no peito.
Talvez eu realmente não fosse mais.
O silêncio que ficou no salão após a saída da minha mãe era ensurdecedor. Eu ainda sentia o peso das palavras dela, a preocupação disfarçada de frustração.
Meus olhos percorreram o ambiente, detendo-se na tapeçaria que cobria parte da parede, emoldurada por móveis pesados e imponentes. O salão sempre fora um lugar de regras rígidas, onde os adultos conversavam sobre política e negócios enquanto nós, crianças, éramos instruídas a ficar quietas, a sermos agradáveis, a não interferirmos.
Mas eu não era mais criança.
Aproximei-me da lareira, passando os dedos pela moldura dourada do espelho que a adornava. Meu reflexo me encarou, e pela primeira vez, vi alguém que não reconhecia completamente. Os cabelos negros caíam ao redor do meu rosto, criando um contraste quase gritante com a pele clara e as sardas que, por anos, tentei esconder com pós e cremes.
Minha mãe estava certa sobre uma coisa: eu não era mais a mesma.
Mas o que isso significava?
Suspirei e passei as mãos pelo vestido. Precisava sair daquele salão. O ar ali parecia pesado, como se as paredes absorvessem cada pensamento que eu tentava organizar.
Abri a porta devagar, espiando o corredor. A casa estava mergulhada em uma penumbra suave, e o som abafado dos criados se movendo ecoava pelos cômodos. O jantar estava próximo, mas eu não queria descer ainda.
Subi as escadas rapidamente, os pés deslizando sobre o tapete grosso. Assim que alcancei meu quarto, fechei a porta atrás de mim e encostei as costas nela, soltando um longo suspiro.
Precisei de alguns instantes antes de caminhar até a penteadeira. Meus dedos tocaram as escovas, os frascos de perfume, os grampos de cabelo. Tudo ali parecia pertencer a uma outra versão de mim, uma que eu havia deixado para trás.
Um bater discreto na porta me tirou dos pensamentos.
— Hellie? — A voz de Margaret, minha criada, soou do outro lado.
— Pode entrar.
Ela abriu a porta com cautela e, ao me ver, sua expressão se suavizou em um misto de curiosidade e preocupação.
— A senhora sua mãe pediu que eu ajudasse a senhorita a se preparar para o jantar.
Suspirei, sabendo que não havia como escapar.
Margaret aproximou-se e parou atrás de mim, analisando meu reflexo no espelho. Ela sempre fora mais do que uma criada — crescemos juntas, e, mesmo que as regras da casa a obrigassem a manter um certo distanciamento, sempre houve cumplicidade entre nós.
— O que acha? — perguntei, virando o rosto para encará-la.
Ela sorriu de leve.
— Acho que ficou lindo. Mas sei que isso vai dar o que falar.
Ri baixinho, sem humor.
— Já deu.
Ela pegou um pente e começou a arrumar meus cabelos com gestos cuidadosos, como fazia desde que eu era pequena.
— E o senhor Owen? Ele viu?
Desviei o olhar, lembrando-me do momento em que ele apareceu no portão.
— Viu.
— E o que disse?
Hesitei.
— Disse que não está surpreso. Mas também que o mundo não é gentil com quem escolhe ser diferente.
Margaret parou por um segundo antes de continuar a pentear meus fios.
— Ele tem razão.
— Eu sei.
O silêncio se instalou entre nós, e, por um momento, deixei-me relaxar sob o toque familiar da escova. Mas a tranquilidade durou pouco.
Um som vindo da rua chamou minha atenção. Algo como uma carruagem parando em frente à casa.
Fui até a janela e puxei levemente a cortina para espiar.
Lá embaixo, um coche negro, puxado por dois cavalos robustos, estava estacionado diante da nossa porta. Um lacaio vestido de casaca azul e botões dourados abriu a porta da carruagem, e um homem desceu.
O coração deu um leve salto.
— Quem é? — perguntou Margaret, aproximando-se.
— Acho que é o Sr. Pembroke.
Ela arregalou os olhos.
— O filho do Visconde Pembroke?
Assenti lentamente, sentindo um desconforto crescer dentro de mim. O Sr. James Pembroke era um jovem influente, pertencente a uma das famílias mais respeitadas de Londres. E minha mãe adorava mencioná-lo em conversas sobre “bons partidos”.
Isso só podia significar uma coisa.
— Parece que o jantar será mais interessante do que imaginei — murmurei, fechando a cortina.
Margaret me lançou um olhar de advertência.
— Isso pode ser um problema, Hellie.
Ela não precisava dizer. Eu já sabia.
E tinha um pressentimento de que aquela noite traria muito mais do que uma simples refeição formal.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Nene Fiennes
eu gostei muito da protagonista, ela é muinto corajosa.
2025-03-05
2
Dona Cida Oliveira
Peituda,......
2025-03-14
1