Um novo dia a seguir

Acordei com a luz filtrada pelas cortinas, suave, mas incômoda depois da noite que tive. Meu corpo ainda carregava ecos daquele momento. Não era só o prazer – era a presença dele em mim, ainda viva, pulsante. O Sr. Dalí. Meus pensamentos se embaralhavam ao tentar entender por que um homem que eu só vi por alguns minutos tinha me deixado assim, completamente envolvida.

Tomei café em silêncio. Alex apareceu pela porta da cozinha com uma caneca de chá, o cabelo preso de qualquer jeito e aquele olhar dela que sempre atravessava tudo.

— Tá com uma cara... — ela comentou, sentando à minha frente. — Teve sonhos picantes?

Fiquei vermelha. Alex me conhecia demais. Suspirei, tentando disfarçar.

— Eu não consigo parar de pensar naquele homem… o Sr. Dalí.

— O milionário bonitão de ontem? — Ela ergueu a sobrancelha, já interessada.

Assenti, empurrando o celular pela mesa.

— Olha isso. Passei a manhã fuçando redes sociais. Ele é CEO de uma indústria farmacêutica gigantesca. Saiu na Veja, na Exame... fez doações milionárias pro SUS na pandemia. Um verdadeiro filantropo. E olha esses olhos, Alex...

Ela pegou o celular e deu um assobio.

— Caramba... esses olhos azuis parecem photoshopados. O cara é um deus grego. E você ficou frente a frente com ele. Me diz que rolou alguma tensão!

— Eu... senti uma coisa estranha — admiti. — Como se o ar tivesse mudado. Mas pode ter sido só coisa da minha cabeça. Ele foi educado, gentil… mas sei lá. Acho que sou só mais uma atendente de aeroporto pra ele.

— Anne! — Alex se levantou com um pulo teatral. — Ele olhou nos seus olhos, te tocou na assinatura... você mesma me disse que sentiu alguma coisa! E olha pra você — ela me encarou, séria —, não é como se você fosse invisível. Você é linda, esperta. Qualquer homem de verdade notaria isso.

Sorri de canto, um pouco sem graça.

— Mas ele é de outro mundo, Alex. Olha a vida que ele leva. Eu moro em Congonhas, pego três conduções pra chegar no trabalho. Ele deve viajar de helicóptero só pra mudar de humor.

Ela riu, mas seu olhar suavizou.

— Talvez... mas às vezes os mundos se cruzam por algum motivo. E se ele reparar em você de novo? E se for mais do que coincidência?

As palavras dela ficaram na minha cabeça como uma faísca prestes a virar fogo. Passei o resto da tarde tentando não olhar de novo as fotos dele, mas era impossível. Aqueles olhos azuis pareciam me chamar da tela. Sentia meu corpo esquentar só de lembrar do jeito como ele agradeceu, da voz rouca dizendo meu nome — ou foi minha mente que preencheu isso depois?

Alex não largava do meu pé. Sentou-se ao meu lado no sofá, cruzando as pernas com aquele jeito casual de quem já tinha o discurso pronto.

— Anne, olha pra mim — ela disse, pousando a mão no meu joelho. — Você passa o dia inteiro correndo, ouvindo bronca de passageiro, segurando pepino dos outros... e agora tá aí, morrendo de tesão por um homem que claramente te mexeu por dentro. E vai deixar isso passar?

Suspirei. — Não é tão simples assim.

— Claro que é — ela rebateu. — Você tem o celular. Tem o nome completo dele. Sabe onde trabalha, sabe onde ele costuma ir. Não tô dizendo pra você invadir a casa do cara com um buquê na mão. Mas, sei lá… segue no Insta, comenta alguma coisa, aparece mais confiante da próxima vez. Não é errado querer mais da vida, Anne.

— Eu nem sei se quero mais… — murmurei, olhando pro chão. — Às vezes, acho que tô tão presa na rotina que nem sei por onde começar.

Alex bufou.

— É exatamente por isso que você precisa sair dela! Você vive pra trabalhar, chega em casa morta, dorme mal e acorda de novo no piloto automático. Acorda, mulher! Vai viver! Se esse cara despertou algo em você, então usa isso a seu favor.

Eu a encarei, meio sem saber o que dizer. Ela estava certa, de um jeito que doía. Eu vinha vivendo em círculos, esperando que a vida mudasse sozinha. E agora, que alguma coisa tinha finalmente mexido comigo de verdade, minha reação era fugir.

— Tá bom — falei, meio sem firmeza. — Mas... o que exatamente você acha que eu deveria fazer?

Ela sorriu com aquele brilho nos olhos que sempre me dava um pouco de medo.

— Primeiro, se arruma. Como se fosse esbarrar com ele a qualquer momento. Se sentir gostosa já muda tudo. Segundo, para de pensar que ele tá fora do seu alcance. Você não sabe nada sobre o que ele viu em você. Talvez ele esteja pensando em você agora mesmo, do mesmo jeito que você pensou nele a semana inteira.

Soltei um riso fraco, mas algo dentro de mim se acendeu. E se ela estivesse certa? E se não fosse só um capricho da minha mente solitária?

— E terceiro — Alex finalizou — se o destino quiser te dar um presente, o mínimo que você pode fazer é estender a mão pra receber.

Fiquei ali, calada, olhando pro teto da sala. A voz dela ecoava nas paredes da minha cabeça. Estava já bem na hora de se arrumar e seguir viagem para o Aeroporto e lá se vai eu novamente caindo na rotina corri para o banheiro e fui tomar um banho estava mais que na hora de sair e ir trabalhar.Afinal não sou milionária tenho que correr atrás dos meus objetivos e seguir viagem me levantei da cadeira e disse ;

— Vou tomar um banho… ver se essa água morna me ajuda a me organizar por dentro.

Alex assentiu com um meio sorriso, e se acomodou melhor no sofá, puxando o celular. Quando entrei no banheiro e liguei o chuveiro, a água começou a cair pesada, como se lavasse o peso da minha cabeça. Deixei que escorresse pelo meu corpo, que ainda sentia ecos do toque imaginado, da presença inventada dele. Era estranho… parecia real demais.

Do lado de fora, começou a tocar uma música familiar. Djavan. “Oceano.” Alex devia ter colocado na caixinha de som da sala, como sempre fazia nas manhãs calmas. A voz dele chegou abafada, mas reconfortante. Aquela canção era como um abraço. Tinha ternura e desejo nas entrelinhas, como o que eu sentia.

“Amar é um deserto e seus temores…”

Encostei a testa na parede fria do boxe e respirei fundo. O dia tinha amanhecido frio, mas com um toque morno no ar. Aquele tipo de clima que me fazia lembrar de Salvador. Céu nublado, mas com promessas de luz por trás. A água quente batia nas costas, e por um instante, desejei estar em outro lugar… ou talvez com outra pessoa.

Sr. Dalí. Por que ainda não saía da minha cabeça?

Lavei o cabelo devagar, tentando silenciar a mente, mas era difícil. Ele aparecia mesmo com os olhos fechados. Os olhos dele. A voz. O jeito contido, o magnetismo no gesto simples de assinar um papel. Era como se meu corpo tivesse reconhecido algo antes mesmo de eu entender.

Terminei de me banhar me vesti e sai para o trabalho. Ainda cantarolando a música de Djavan na cabeça coloco novamente a mesma música no Spotify pego meus fones de ouvido enquanto estou seguindo minhas conduções no ônibus da empresa em direção ao trabalho.

Cheguei no aeroporto como de costume, ainda com o gosto do café preto na boca e o fone pendurado num dos ouvidos. O céu estava mais limpo do que eu esperava, e o frio da manhã me fez apertar os braços contra o corpo enquanto atravessava a área de embarque rumo à sala da equipe.

O supervisor já nos esperava, alinhado, com aquele ar de quem dorme e acorda dentro do uniforme. Assim que todos chegaram, ele começou o briefing, com a mesma voz firme e pausada de sempre:

— Bom dia, equipe. Antes de começarmos o dia, gostaria de agradecer o empenho de todos na última operação. Em especial ao caso do passageiro do voo 307, o senhor idoso que se recusou a permitir a inspeção da bagagem. Sabemos que lidar com essas situações exige tato, paciência e firmeza. Vocês agiram com profissionalismo, e a situação foi resolvida sem danos.

Assenti em silêncio, lembrando do momento. Foi tenso, sim, mas conseguimos manter o controle. O senhor parecia mais assustado do que hostil, e no fim, tudo se resolveu com cuidado e uma boa dose de empatia.

— Reforço que, apesar das exceções, a segurança do voo é inegociável — ele continuou. — Sigam o protocolo, sempre. E sobre nossas metas: vamos lembrar da campanha dos assentos Confort+, certo? Quem conseguir mais upgrades até sexta-feira tem um bônus na meta mensal.

Alguns colegas se entreolharam com sorrisos cúmplices. Eu apenas anotei mentalmente. Não era muito de competição, mas sabia que dava conta.

E então, ele parou, olhou para o canto da sala e sorriu.

— E agora, um momento especial. Helen... venha até aqui, por favor.

Helen, com seu coque impecável e seu jeito discreto, levantou meio sem jeito. O supervisor retirou uma pequena plaquinha dourada de uma caixa preta e a entregou com uma salva de palmas de todos nós.

— Dez anos de empresa, de dedicação, de profissionalismo. Helen, você é um exemplo.

— Obrigada… — ela murmurou, visivelmente emocionada, com os olhos úmidos. Eu bati palmas com força, feliz por ela. Helen era dessas mulheres sólidas, sempre disposta a ajudar, e com um senso de justiça que admirava muito.

O briefing terminou com um "bom trabalho, equipe" e cada um seguiu para seu posto. O meu dia começou com o check-in do voo internacional para Lisboa, e logo depois, um casal com excesso de bagagem tentou negociar centímetro por centímetro.

— Senhora, infelizmente, esse modelo de mala excede as medidas permitidas... — expliquei pela terceira vez, mantendo o tom paciente, mesmo com a voz dela subindo o tom.

Fora isso, nada muito fora do normal. Um grupo de executivos pediu para mudar de assentos para ficarem juntos, uma senhora me agradeceu com lágrimas nos olhos porque consegui embarcá-la mesmo depois de um atraso no voo de conexão. E teve uma criança que me entregou um pirulito, dizendo que eu era “mais legal que a moça do outro balcão”.

Entre uma solicitação e outra, minha mente ainda escapava. Uma imagem insistente: os olhos azuis do Sr. Dalí. Era estranho como ele aparecia entre um passaporte e outro, como se minha cabeça estivesse brincando comigo.

Mas deixei isso pra depois. Ali, no balcão, eu era apenas Anne, agente aeroportuária. E aquele era só mais um dia comum.

Pelo menos por enquanto.

E o dia foi assim entre um corre e outro pequenas pausas para conversas mais os colegas de trabalho, situações equivocadas em trocas de bagagens em outros quiches.Gente gritando com atendentes de outras companhias por perderem o vôo mesmo sabendo que a regra e clara que o vôo se encerra 1 hora antes da decolagem. Gente com documentação incompleta e por aí vai era só mais um dia comum no meu dia a dia monótono e com pequenos acontecimentos trabalhistas nada fora de especial aconteceu e assim continuei a trabalhar. E a fazer meu serviço com maestria quem sabe um dia ganho uma placa de reconhecimento como a Helen ganhou também e é incrível como ela ainda não veio aqui fofocar algum assunto interessante pelo menos pra me distrair um pouco no horário de serviço e assim aliviar essa sensação de tédio que acabará de sentir naquele exato momento.

O relógio digital acima do balcão marcava 11h42. O movimento tinha dado uma leve acalmada, e o zumbido das esteiras de bagagem era o som mais presente por um instante. Eu me encostei levemente no balcão, girando a caneta entre os dedos, tentando não bocejar.

— Se bocejar mais uma vez, vou jogar uma água gelada em você — ouvi a voz da Helen atrás de mim, com aquele tom brincalhão que ela usava pra me tirar do modo automático.

Olhei pra ela com um sorriso preguiçoso.

— Me dá um motivo pra continuar acordada, então... esse turno tá mais parado que domingo de novela repetida.

Helen sorriu, ajeitando o crachá no peito.

— Quer um motivo bom? Eu tenho! E envolve homem bonito, pista de dança, e uma suíte de hotel com cama king size.

Me endireitei imediatamente.

— O quê?

— Isso mesmo que você ouviu — ela piscou. — Sábado à noite, fui com umas amigas naquela balada ali perto da Augusta, sabe? Ambiente meio dark, meio chique, cheio de cara cheiroso de camisa de linho e calça justa.

— Tá... continua — falei, já mais viva do que minutos antes.

— Então... eu tô dançando ali de boa, com uma taça de espumante na mão, quando me esbarro — literalmente — num cara alto, moreno, sorriso torto. Tipo assim... sorriso que derruba calcinha.

— Helen! — ri, quase tampando a boca com a mão. — Você tá impossível.

— Ué, tô viva, né? — Ela deu de ombros. — Enfim, o cara era paulista mesmo, publicitário. Nome dele... Gustavo, acho. A gente dançou, ele me puxou pela cintura, e menina, parecia que ele sabia cada movimento que meu corpo queria fazer. A química bateu forte.

— E aí?

— E aí que ele sussurrou no meu ouvido que tinha reservado uma suíte num hotel ali perto, “caso a noite ficasse interessante”. E eu, como uma mulher madura e experiente de 10 anos de empresa...

— ...aceitou o convite — completei, rindo.

— Claro! — ela gargalhou. — E vou te dizer... que homem! Beija bem, pega forte, mas com carinho, sabe? Nada apressado. Me despiu devagar, elogiou cada parte do meu corpo, e quando eu dei por mim, já tava deitada com ele me olhando como se eu fosse uma escultura.

— Nossa, Helen... assim, sem filtro?

— Anne, minha filha, se você tivesse vivido o que eu vivi naquela suíte, tava fazendo coraçãozinho até pro moço da limpeza agora. A gente transou por horas, e ele ainda fez café da manhã no quarto. Quase me apaixono!

Eu ri alto, atraindo um olhar curioso de um colega no balcão ao lado.

— E você me julga por ter me tocado pensando num homem misterioso com olhos azuis...

— Eu julgo nada! Só acho que você tem que viver, mulher. Vai que esse Dalí aí te puxa pra dançar num dia desses?

— Ah, para. Ele nem deve lembrar que eu existo.

— Duvido. Ele tinha aquela cara de quem grava cada detalhe. Aposto que até hoje ele lembra do jeito que você carimbou o formulário dele.

— Helen!

Ela piscou de novo, rindo, e ajeitou a postura ao ver uma nova passageira se aproximando com mala de mão e passaporte na mão.

— Depois te conto mais... — sussurrou. — Inclusive a parte do espelho na parede do quarto.

Eu balancei a cabeça, rindo baixinho, e voltei à minha função. O dia seguiu, mas confesso: a cabeça ficou entre o balcão e a suíte da Helen na Augusta. E por fim assim se seguiu o dia bati meu ponto e estava pronta para voltar para casa. O dia estava quase se findando pra mim.

Mais populares

Comments

Kaylin

Kaylin

Adorei essa história, continua rápido! 📖💕

2025-05-06

2

A.

A.

/Determined//Determined//Determined/

2025-05-07

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!