O silêncio da arena foi quebrado apenas pelo som de nossas respirações e pelo eco das palavras de César. Ele parecia mais sério do que nunca, seu olhar fixo em mim, mas carregado de algo que só agora eu entendia: preocupação.
— Bem, Lily, já que esta é nossa última aula antes de você partir para o Flame Archer, eu quero te dar alguns conselhos. — Sua voz era tão firme, mas havia uma ponta de emoção que ele tentava disfarçar.
Sentados no chão da arena, frente a frente, senti que aquele momento era mais do que uma lição; era uma despedida
— O primeiro conselho é: observar. Sempre. Analise seu adversário. Encontre seus pontos fortes e fracos e use isso a seu favor. — César pausa, olhando diretamente nos meus olhos. — O segundo: nunca subestime ninguém. Mesmo o adversário mais inofensivo pode ter truques inesperados. E, por último: não se deixe provocar. Reagir com emoção pode ser fatal. Pense com a cabeça, não com o coração.
Ele faz uma pausa, como se refletisse sobre cada palavra.
— Há muitos outros conselhos, mas esses são os mais importantes
— Obrigado. De verdade, sei que esses conselhos vão me ajudar quando eu precisar — Meu tom é sincero.
César nunca foi apenas um professor. Ele foi o primeiro a olhar para mim e ver algo além do reflexo de minha mãe. Ele me ensinou a lutar, mas também me ensinou a acreditar que, dentro de mim, havia mais do que o espelho frio de um império esperando pela próxima herdeira
Ele olhou, e pela primeira vez, parecia emocionado:
— Parece que foi ontem que você era uma garotinha de quatro anos tentando segurar uma espada que era quase maior que você. E agora… você está indo para o Flame Archer, enfrentando adversários de mais alto nível. Só espero que o que eu ensinei sirva de algo.
Levantei-me junto com ele e, impulsivamente, o abracei. César ficou visivelmente surpreso, mas retribuiu o gesto.
— Mais uma vez obrigado César. Você foi mais que um professor, foi como um pai, e um grande amigo. — Digo.
Seus olhos brilharam por um momento, antes que ele respondesse:
— Lily, você também foi muito mais do que uma aluna para mim. Eu nunca tive filhos, mas considero cada aluno meu como tal, especialmente você. Quando estiver na academia, escreva para mim. Sempre que precisar de conselhos, estarei aqui.
Seus olhos brilhavam com orgulho, algo que eu desejava ver nos olhos da minha mãe, mas nunca encontrei.
— Eu vou escrever, prometo. — Disse, sorrindo.
César foi mais que um professor. Ele foi meu pilar, meu apoio, alguém que enxergava em mim algo que eu mesma não via.
A lembrança de César me defendendo de minha mãe veio à tona. Eu tinha 12 anos na época, e minha mãe havia insistido para assistir a uma luta minha com outro aprendiz. Eu ainda era inexperiente, e a luta terminou com uma derrota humilhante.
— Você treina todos os dias desde os quatro anos e ainda consegue ser péssima! Uma decepção! — disse minha mãe, sua voz cortante e os olhos cheios de frieza.
Tentei me explicar, mas minha voz falhou. César interveio:
— Com todo o respeito, Vossa Majestade, Lily não é péssima. Ela tem talento, está aprendendo. Muitos na idade dela não chegariam tão longe. Ela é uma criança. Tem tempo.
Minha mãe o encarou com um olhar de desdém, mas nada respondeu. Apenas virou as costas e saiu. Foi César quem me consolou naquela noite, com um gesto simples: um carinho nos meus cabelos
Voltei ao presente ao ouvir a voz de um guarda se aproximando:
— Sua alteza Princesa Lily, a sua majestade a imperatriz Ivy solicita a sua presença no salão de visitas — O guarda avisa.
O nome dela foi como um balde de água fria. Soltei o abraço e me virei para César.
— Tenho que ir. Prometo escrever sempre que puder.
Ele concordou, mas antes que eu pudesse me afastar, disse:
— Lembre-se, Lily: você é mais forte do que imagina. Não deixe ninguém te convencer do contrário.
Essas palavras ecoaram na minha mente enquanto seguia o guarda.
Quando chego perto, escuto algumas vozes que parecem ser do Colin,da minha mãe e do meu irmão Carl.
— O que o professor disse filho? — Colin pergunta.
— Ele disse que sou muito inteligente, e que sou um _Pródigo_ — Carl diz com um tom orgulhoso.
Ele é bem fofinho, tem 12 anos, e Jack o caçula tem 4 anos.
— Prodígio, filho, você é um prodígio — Colin o corrige.
— Que orgulho do meu neném, a mamãe está orgulhosa de você — A voz de minha mãe soava doce, quase irreconhecível.
As palavras da minha mãe, doces como mel para Carl, soaram quase como um eco distante em meus ouvidos. Eu me queria, como sempre, por que nunca me pareceram para mim
Antes que eu pudesse pensar mais, o guarda anunciou minha presença
— Sua alteza real a princesa Lily
Entrei no salão, e o ambiente mudou instantaneamente. O momento de ternura familiar distante, e o olhar frio da minha mãe se voltou para mim. Ela estava sentada no sofá de couro, Carl em seu colo, seus olhos vazios mirando algo distante. Um olhar que, por um momento, me fez perguntar se ela me via como uma ameaça a seu próprio domínio.
— Já arrumou sua mala? — Sua voz era dura, sem nenhuma gentileza.
Nem um "oi".
— Já. — Respondi, mantendo uma postura.
— Verifique se está tudo lá. Não quero surpresas.
— Já fiz isso antes da aula de esgrima. — Minha paciência estava se esgotando, mas mantive o tom firme.
— Então faça novamente. Não quero desculpas. — Ela me olhou com aqueles olhos frios.
— Sim, senhora. — Respondi, tentando esconder a frustração. —É só isso?
Ela se levanta, entregando Carl a Colin, e gesticula para um jovem no canto da sala que eu só agora percebo.
— Quero te apresentar um Lalo. Ele será responsável por cuidar de você na Flame Archer. E eu me manterei informado sobre cada passo que você der e cada erro que cometer.
Um vigia. Claro que seria um vigia.
Ele não parecia muito mais velho do que eu, talvez uns dois ou três anos a mais. Mas seus olhos tinham algo de cansado, como se não quisessem estar ali.
— Entendido. — Tento parecer indiferentemente, mas a ideia de ser monitorada constantemente me enoja.
Minha mãe se aproxima, parando tão perto que sinto seu perfume: frio e opressivo como ela mesma.
— Não me decepcione, Lily. — Suas palavras saem como uma lâmina afiada.
— Não vou te decepcionar.
— Ótimo. Agora vá. E quase no quarto.
Claro. Sempre no quarto.
Saio da sala de visitas me questionando:
_Será que toda mãe é assim?_
Talvez o problema não estava em minha mãe. Talvez fosse eu. Sempre que eu tentava me encaixar em sua visão, eu me sentia menor, como se tivesse que lutar não só com os outros, mas comigo mesma para ser 'suficiente' . Eu me perguntava: será que sou capaz de ser mais do que o reflexo do que minha mãe espera?
Enquanto me afastava, senti o peso do olhar da minha mãe ainda cravado nas minhas costas. Seus olhos sempre me lembraram de aço: duros, inquebráveis, mas também impessoais.
César costumava dizer que eu tinha uma força que não sabia considerar. Mas como eu poderia me sentir forte quando parecia que tudo ao meu redor existia para me limitar?
Eu caminhava em direção ao meu quarto, mas minha mente estava longa. A Flame Archer seria o meu primeiro passo fora das muralhas do palácio, o meu primeiro contato com o mundo real. Um mundo onde não seria a princesa Lily, apenas Lily, mais uma entre muitos jovens com habilidades profissionais. A ideia me animava, mas também me aterrorizava.
Quando cheguei ao meu quarto, encontrei uma mala exatamente como a que havia deixado, impecavelmente organizada. Revirei cada canto, mais por hábito do que por necessidade. Talvez fosse uma forma de ocupar minha mente, de adiar o resultado: enfrentar uma nova etapa sob a sombra da minha mãe e o olhar atento de Lalo.
Lalo. Por que ele parecia tão deslocado? Havia algo em seus olhos, uma mistura de curiosidade e cautela, como se ele não quisesse estar ali tanto quanto eu não queria que ele estivesse. Será que ele vai ser apenas um informante da minha mãe, ou há algo mais nele?
Uma batida na porta me tirou dos pensamentos. Era Colin.
Colin é meu padrasto, meu pai morreu antes de eu nascer.
— Posso entrar? — Disse, com a voz gentil que contrastava com o tom de comando da minha mãe.
— Claro — respondi, abrindo mais a porta.
Ele entrou e sentou-se na poltrona ao lado da janela, o olhar calmo.
— Sei que sua mãe pode ser... exigente. — Ele parecia escolher cuidadosamente as palavras.
— Exigente é uma palavra educada para descrever isso. — Respondi com um toque de sarcasmo.
Ele sorrio de canto, mas logo ficou sério.
— Lily, você sabe que Flame Archer é mais do que uma escola, certo?
— Sei que é minha das academias mais prestigiadas do reino e que mãe espera que eu me destaque.
— É mais do que isso. É um lugar onde alianças são feitas, onde pessoas como você encontra quem realmente são, além dos títulos e dos deveres. — Ele fez uma pausa, parecendo ponderar se deveria continuar. — Você tem uma força que sua mãe talvez nunca veja, mas que é real. Não é um subestime.
Suas palavras ficaram ecoando na minha mente depois que ele saiu. Pela primeira vez, senti que alguém realmente acreditava que eu poderia ser mais do que apenas a sombra da minha mãe. Talvez ele estivesse certo. Talvez a Flame Archer fosse minha chance de descobrir quem eu era de verdade.
Na manhã seguinte, eu estava pronto para partir. César veio se despedir no portão principal e, como prometido, me entregou um pequeno envelope.
— É uma lista de lembretes e conselhos. Algo para você se lembrar de mim. — Ele pediu.
Enquanto a viagem me levava para longe do palácio, eu abri o envelope. Entre as palavras de encorajamento, uma frase chamou minha atenção:
"Às vezes, para descobrir quem somos, precisamos nos afastar do que nos disseram que deveríamos ser."
Eu encarei o horizonte. A Flame Archer não seria apenas um teste de habilidades ou uma chance de fazer minha mãe se orgulhar. Seria meu campo de batalha pessoal, onde eu enfrentaria não apenas outros jovens, mas também a versão de mim mesma que minha mãe havia moldado. E, no fundo, eu sabia que estava pronto. Ou, pelo menos, tinha que estar.
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Atualizado até capítulo 31
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