O amanhecer no palácio chegou devagar, como um suspiro cauteloso, com a luz filtrando-se pelas cortinas pesadas que cobriam as janelas do quarto de Natrix. O ar estava fresco, ainda carregando a umidade da noite. Os primeiros raios de sol se espalhavam pelo piso de madeira polida, criando longas sombras que dançavam lentamente, como se o próprio tempo estivesse hesitando.
Natrix acordou antes de seu criado pessoal, a mente ainda pesada com os eventos da noite anterior. A biblioteca e o que haviam descoberto sobre a possível conspiração tinham a perturbado profundamente. As imagens do homem morto no salão subterrâneo ainda pairavam diante de seus olhos, como um presságio de algo sombrio prestes a acontecer.
Com o corpo ligeiramente rígido, ela se levantou da cama. Seu cabelo dourado estava um pouco desalinhado, caindo em ondas suaves ao redor de seu rosto, e ela passou os dedos pela mecha, tentando organizar os fios. Seus olhos dourados pareciam ainda mais intensos sob a luz suave da manhã, e a linha fina de suas sobrancelhas indicava a inquietação que tomava conta de seus pensamentos.
O vestido simples que usava, em tom esmeralda, contrastava com a riqueza das vestimentas que normalmente usava como princesa. Estava longe de ser algo modesto, mas era a roupa que usava quando queria passar despercebida. Natrix não gostava de ser vista como uma princesa. A palavra a aprisionava de uma maneira que ela não conseguia explicar. Ela preferia a liberdade dos campos, a simplicidade dos tempos antigos antes do Império. Naqueles dias, ela podia ser quem realmente era.
Ao lado da cama, o espelho refletia sua imagem: uma jovem mulher de estatura média, corpo esguio, com uma postura elegante, mas firme. Seu rosto era oval, com traços suaves, e sua pele, ainda jovem, tinha a tonalidade pálida de alguém que raramente saía ao ar livre. Seus olhos, como já dito, eram dourados, mas brilhavam com uma intensidade rara, uma chama interna que nunca passava despercebida.
O que a tornava mais fascinante, no entanto, era a maneira como ela se movia — de forma decidida, como uma caçadora. Não havia suavidade nos seus gestos. Cada movimento seu parecia um comando, um reflexo da força interior que ela tentava esconder sob sua aparência serena. Quando estava sozinha, como agora, ela podia ser quem realmente era.
No corredor, o som dos passos de Atlas se aproximando fez com que ela se virasse rapidamente. Atlas, sempre pontual e silencioso, jamais a surpreendia, mas sua presença fazia o ar ao redor dela mudar. Ele havia se tornado parte do cenário palaciano, uma sombra que ela não podia afastar, mas que também não queria afastar.
Ele entrou no quarto sem pedir permissão, como sempre fazia, com sua postura impassível e os olhos atentos, como se estivesse sempre em guarda. Atlas, mesmo após meses juntos, ainda parecia uma incógnita para Natrix. Ele era um homem que possuía a aparência de um guerreiro endurecido pela vida, mas havia algo em seus olhos que o tornava diferente dos outros soldados. Havia uma profundidade neles, algo que ela mal podia tocar, mas que despertava uma curiosidade crescente.
Ele era alto, imponente, com cabelos negros que caíam sobre sua testa de forma desordenada. O rosto forte, com mandíbula bem definida, era marcado por uma cicatriz fina que descia da sobrancelha esquerda até a bochecha. Seus olhos, de um azul profundo, eram como um oceano tempestuoso — frios, calculistas, mas ao mesmo tempo, imbuídos de uma força que parecia não ter fim. Sua pele era bronzeada pela exposição ao sol e os músculos de seu corpo estavam bem definidos, resultado de anos de treinamento e batalhas. Apesar de sua aparência de guerreiro, havia algo de melancólico em seu olhar. Ele era uma fortaleza, mas uma fortaleza que escondia suas próprias feridas.
— Princesa, é melhor começarmos a nos preparar. O dia não vai esperar — disse ele, com uma voz grave e tranquila.
Ela acenou com a cabeça, ainda não pronta para se expor à formalidade do mundo exterior. O peso das palavras de Seraphine a havia tocado, e ela sabia que não podia mais ignorar a realidade ao seu redor. Algo estava prestes a acontecer — algo grande. Natrix sentiu isso como uma pressão constante em sua garganta.
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Mais tarde, ao descerem os corredores grandiosos do palácio, Atlas e Natrix eram como duas figuras solitárias em um mundo que parecia estar desmoronando ao seu redor. O palácio, com seus mármores brancos e dourados, parecia irreal diante das sombras que começavam a tomar conta dos corações dos que ali viviam.
Os passos de Atlas ecoavam no chão de pedra, e o tilintar da armadura dele parecia contrastar com o silêncio crescente que envolvia o ambiente. Natrix, em silêncio, sentia o peso da responsabilidade pesar sobre seus ombros. Embora fosse filha de um nobre, ela sempre se sentiu desconectada da verdadeira natureza do Império. Nunca desejou se tornar uma marionete das convenções e jogos de poder que governavam o palácio.
Ao chegarem à biblioteca, Natrix sentiu o ar gelado e pesado, como se o espaço estivesse guardando segredos indecifráveis. O lugar estava mais silencioso do que o normal, e a sensação de que estavam sendo observados parecia mais forte do que nunca. Atlas ficou parado, com os olhos atentos, enquanto Natrix se dirigia para a mesa onde o livro e os mapas estavam. Eles haviam se tornado suas únicas fontes de verdade em meio ao mar de mentiras que inundava o palácio.
— Precisamos falar com Seraphine — disse Atlas, interrompendo o silêncio. Ele havia notado a mudança no comportamento de Natrix desde a última vez que haviam encontrado a dama de companhia.
Natrix levantou os olhos do livro, parecendo distante por um momento. — Sim. Precisamos encontrar respostas. A trama está mais profunda do que imaginávamos.
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Mais tarde, quando Seraphine entrou na biblioteca, Natrix percebeu que a jovem dama estava nervosa, seus olhos inquietos. Seu vestido de seda azul celeste balançava suavemente enquanto ela caminhava até elas. O rosto de Seraphine era delicado, com feições finas e um olhar caloroso, mas a tensão em seus ombros denunciava que algo não estava certo. O cabelo loiro preso em um coque desfeito no final da tarde mostrava sinais de apuro.
— Alteza, Atlas, eu encontrei algo — disse Seraphine, a voz trêmula. Ela entregou um pedaço de papel dobrado com uma expressão grave.
Natrix pegou o papel, o coração batendo mais rápido. Ela sabia que aquilo seria o que faltava para finalmente desvelar o segredo que havia pairado sobre ela. Quando abriu, as palavras escritas ali fizeram seu sangue gelar.
Era um bilhete, simples, mas com um significado poderoso.
"O plano começa hoje. Não podemos mais esperar."
O coração de Natrix disparou enquanto ela lia e relia as palavras, sabendo que o momento decisivo havia chegado.
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Atualizado até capítulo 35
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