Cinco anos atras
Em seu apartamento, um lugar que deveria ser seu refúgio, mas que agora parecia mais uma prisão confortável Elore Krainer está sozinha, cercada por livros empilhados em desordem com a luz fraca do fim da tarde atravessando as cortinas empoeiradas. A sensação de vazio a envolve, mas não é um vazio tranquilo—é sufocante, carregado de tristeza e memórias dolorosas.
Sentada no chão, encostada na parede, olhando para o teto, Elore está fisicamente e emocionalmente exausta, ainda sentindo o peso do término recente com Marcus. Ela pensa sobre como seu relacionamento foi se deteriorando, relembrando as insinuações de Marcus que a diminuíam e em como isso foi transformando Elore em uma garota manipulável, culminando em um controle emocional completo. Ela se lembra também de como a mãe dele a tratava com desdém, e como isso afetou sua autoestima.
Seu namoro com Marcus começou durante os anos de faculdade. No início, o relacionamento parecia promissor; Marcus era carismático, ambicioso e sabia como encantá-la. No entanto, as coisas começaram a mudar quando ela foi apresentada à mãe dele, Cecília.
Cecília era uma mulher controladora, extremamente crítica, e não via Elore como alguém digna de seu filho. Desde o início, Cecília tentou minar o relacionamento deles, fazendo comentários cruéis sobre Elore, comparando-a constantemente com outras mulheres que ela considerava mais "adequadas" para Marcus. Cecília também exercia uma influência emocional sobre o filho, manipulando-o para que ele priorizasse os desejos dela acima dos de Elore. Ela se lembra de como isso era perturbador, e mais perturbador ainda era em como Elore aceitava esse tipo de tratamento. Com as desculpas de Marcus que sempre vinham carregadas de palavras doces e carinhosas. Uma fachada para manipular Elore. Hoje ela enxerga isso.
A situação se agravou quando Elore e Marcus decidiram morar juntos. Cecília frequentemente se intrometia na vida do casal, criticando as decisões de Elore e pressionando Marcus para terminar o relacionamento. Essa pressão e a constante desvalorização afetaram profundamente a autoestima de Elore. Ela começou a duvidar de si mesma, se isolando dos amigos e se tornando cada vez mais dependente de Marcus, mesmo sabendo que o relacionamento não era saudável.
Depois de um tempo, Marcus começou a adotar o comportamento crítico de sua mãe, tornando-se distante, frio e manipulador. Ele justificava suas ações dizendo que era apenas "realista" e que Elore precisava "crescer". Elore ja não conseguia mais trabalhar em paz sem receber mensagens possessivas de Marcus querendo controlar tudo o que ela fazia. Ate seus horários de almoço eram cronometrados. Mas quando era Elore que ligava perguntando algo, ou se ao menos ousasse perguntar onde ele estava ou com quem... Ela não gostava nem se lembrar desses momentos. Realmente um poço de toxidade que Elore não queria enxergar.
Apos uma discussão acolarada entre Elore e sua unica amiga - que permaneceu ao seu lado mesmo apos Elore ter mudado por influencia de Marcus - Sofi confronta Elore a respeito de Marcus e em como esse relacionamento estava matando-a aos poucos. pela primeira vez na vida, sofi gritou e berrou com Elore. Sua ultima tentativa de tentar salvar a amiga do caminho que estava seguindo.
Nessa noite em particular, apos berra para sofi que não se metesse em sua vida e a deixasse em paz, Elore teve uma crise de ansiedade horrível, e foi parar no hospital. Tentou contato com Marcus -Ele somete deixava Elore de lado quando sua mãe o chamava para algo- Ligou ate mesmo para Cecilia, mas ela também não atendeu. Ja no hospital esperando o retorno do medico, Elore tenta mais uma vez ligar para Marcus, Ela segurou o telefone com mãos trêmulas, o eco da última discussão com Sofi ainda retumbando em sua mente. Respirou fundo, tentando manter a calma, enquanto o telefone chamava insistentemente. Finalmente, Marcus atendeu.
"O que foi? Estou ocupado agora," ele disse, a voz fria e irritada, sem sequer perguntar por que ela estava ligando.
"Marcus... eu preciso de você," ela sussurrou, sentindo a garganta apertar, tentando não deixar o choro escapar. Estava sozinha, num hospital, e precisava dele mais do que nunca.
"Elore, eu já não disse que estou ocupado? Não começa com seu drama hoje." A voz dele era ríspida, impaciente, como se ela fosse apenas um incômodo em sua noite.
"Marcus... eu estou no hospital," ela conseguiu dizer, mas a voz saiu quase inaudível. "Eu... eu não consegui respirar, foi horrível. Pensei que fosse—"
Ele interrompeu, sem qualquer traço de preocupação. "Olha, se não consegue se controlar, talvez devesse pensar em terapia, não em ficar me ligando toda hora. Eu tenho coisas pra fazer."
A frieza dele atravessou como uma faca o peito de Elore. Ela tentou responder, explicar o quanto estava machucada, o quanto sentia falta de quem ela pensava que ele poderia ser, mas as palavras travaram na garganta.
"Eu só... queria que você estivesse aqui," ela murmurou, a voz cheia de um misto de dor e vergonha.
"Estivesse aí? Elore, você se ouve? Eu não posso ficar correndo atrás dos seus problemas o tempo todo. E, sinceramente, esse lance de ficar chamando minha atenção assim, como se fosse meu dever... cansa, sabia?"
Ela sentiu uma fraqueza nas pernas, e nos braços, uma espécie de vazio que parecia engolir o pouco de força que ainda tinha. Tudo o que desejava era um mínimo de compreensão, um sinal de que ele realmente se importava. Mas não houve nada além de uma barreira gelada, que ele erguia com orgulho.
"Marcus, eu... não sei se aguento mais."
Ele riu, sem qualquer traço de empatia. "Drama de novo, Elore? Vamos encerrar essa ligação antes que você comece a fazer mais cenas."
Ela ficou em silêncio, a respiração curta, os olhos perdidos em algum ponto distante. Finalmente, ele suspirou, como se estivesse cansado da ligação.
"Tenho que desligar. Se cuida aí, sei lá." E a linha ficou muda.
Elore deixou o telefone deslizar de sua mão, sentindo-se mais sozinha do que nunca. Marcus a havia deixado não só naquele hospital, mas em um abismo de frieza e descaso que parecia não ter fim. Por mais doloroso que fosse, uma certeza começou a crescer dentro dela: algo precisava mudar.
Quando ninguém veio ao seu encontro, Elore percebeu que sofi tinha razão. Então se sentindo derrotada, alguém sem valor nenhum e com muita, muita vergonha, Elore com o ultimo resquício de coragem que tinha, ligou pra sofi. Elore segurou o celular por alguns segundos, o peso da vergonha sufocando sua voz. Ela sabia que, ao ligar para Sofi, estaria admitindo que tinha se enganado, que tudo o que Sofi havia dito era verdade. No entanto, naquele hospital vazio e frio, onde até o som distante de passos parecia abafado, não havia ninguém para ela a não ser Sofi.
Reunindo o que restava de sua coragem, discou o número, cada toque demorando mais que o anterior. No terceiro toque, Sofi atendeu, e ao ouvir sua voz, Elore sentiu um nó apertar em sua garganta.
"Elore?" A voz dela era suave, mas carregada de preocupação. "Aconteceu alguma coisa?"
Elore respirou fundo, tentando manter o pouco de compostura que ainda tinha. "Sofi... eu... eu tô no hospital."
Um silêncio pesado se seguiu, e ela imaginou o quanto Sofi deveria estar se contendo para não perguntar "Por que você não ligou antes?". Mas, ao invés disso, Sofi apenas respirou fundo e disse: "Qual o endereço? Me espera, estou indo para aí agora."
"Obrigada... e me desculpa," Elore murmurou, quase incapaz de acreditar que Sofi ainda estava disposta a ajudá-la depois de tudo. Mas Sofi respondeu de imediato, com uma gentileza que aqueceu um pouco o vazio que se espalhava dentro dela.
"Não precisa pedir desculpas. Vou estar aí em quinze minutos, tá?"
Assim que desligou, Elore finalmente sentiu as lágrimas correrem, uma mistura de vergonha e alívio, mas também uma semente de esperança, que talvez, com Sofi ao seu lado, ela pudesse, enfim, encontrar forças para mudar sua vida. E ali sozinha naquele hospital Elore decidiu que não iria mais continuar com Marcus. Sua decisão estava tomada.
O relacionamento terminou de forma tumultuada, humilhante e sufocante, com Elore finalmente conseguindo sair da influência tóxica de Marcus e Cecilia, mas não sem cicatrizes emocionais profundas.
A voz de Elore é marcada por uma mistura de sarcasmo e dor, enquanto ela tenta encontrar humor nas situações mais difíceis. Ela pensa em como, até mesmo agora, ela está sentada no chão, o lugar onde Marcus costumava dizer que ela "pertencia" quando discutiam. Esse pensamento a faz rir de forma amarga.
Enquanto ela se perde em seus pensamentos, o telefone toca. É Sofi.
"Ei, Elore... Como você está?"
Tentando disfarçar a tristeza Elore diz "Ah, você sabe... Estou sobrevivendo. Hoje foi um daqueles dias."
"Eu imaginei. Terminar com Marcus não foi fácil para você. Quer falar sobre isso?" Sofi fala com uma voz doce e preocupada.
Elore hesitou, sentindo um nó na garganta. Cada palavra sobre Marcus parecia puxar um fio solto dentro dela, desfiando-a por completo. Mas ela sabia que precisava falar. Precisava começar a se libertar.
Respirando fundo Elore começa de vagar "Foi... foi horrível, Sofi. Eu pensei que estivesse preparada, sabe? Mas quando finalmente aconteceu, parecia que eu estava sendo arrancada de mim mesma. Ele... Ele me fazia sentir como se tudo fosse minha culpa, como se eu nunca fosse boa o suficiente."
"Elore, você sabe que isso não é verdade, certo? Marcus sempre teve uma maneira de manipular as coisas para que você se sentisse assim. Ele queria controlar você. Eu nunca gostei dele e você sabe disso. Nunca escondi meu descontentamento"
Com a voz quebrada Elore fala "Eu sei... Eu sei disso agora. Mas na hora... Eu acreditei em tudo o que ele dizia. Tudo o que ele disse... sobre mim. Eu me afastei de tanta gente, me perdi em tantas coisas, porque eu acreditava que ele sabia o que era melhor para mim. E, Deus, a mãe dele... Ela sempre fazia questão de me lembrar do quanto eu era inadequada."
Enquanto falava, Elore sentia uma mistura de alívio e dor. Era como se cada palavra fosse um passo para fora de uma prisão emocional, mas cada passo trazia consigo o peso dos anos passados ao lado de Marcus. Anos perdidos que não irão voltar.
Com uma voz firme Sofi diz "Ela estava errada, Elore. Você é uma mulher incrível, e a única coisa que você não fez foi se proteger. Você se entregou de coração, Porque sempre foi sincera com o que sente, mas eles não mereciam isso."
Tentando não chorar Elore fala;
"Eu só queria ser amada, sabe? Queria que alguém me visse e me aceitasse pelo que sou. Mas o que eu consegui foi ser quebrada em pedaços."
A dor de Elore transparecia em cada palavra. Ela se via novamente naquela casa, sentindo os olhares de reprovação, as palavras cortantes disfarçadas de conselhos, e a constante sensação de que estava sempre um passo atrás do que se esperava dela.
"Você foi quebrada, sim. Mas você também está se reconstruindo. E dessa vez, você pode se construir de uma forma que ninguém poderá destruir El."
"Eu estou tentando, Sofi. De verdade. Hoje, eu consegui levantar e tomar um banho sem sentir que era um esforço sobre-humano. Pequenos passos, né?"
Sorrindo através da ligação Sofi fala"Esses pequenos passos vão se transformar em grandes saltos, você vai ver. E quando menos esperar, você vai olhar para trás e perceber o quão longe chegou."
Elore sentiu o peso da conversa aliviar um pouco de sua alma. A voz de Sofi era uma âncora, uma lembrança de que ela não estava sozinha, mesmo que às vezes se sentisse assim.
"Obrigada por estar aqui, Sofi. Eu realmente não sei o que faria sem você."
"Você não vai ter que descobrir, porque eu vou estar sempre por perto. E a propósito... Eu sei que os livros têm sido seus melhores amigos a muitos anos. Que tal você voltar a dar uma atençãozinha para seus queridinhos hun?
"Talvez eu devesse. Eu vou desligar agora. Se cuida. bjos."
Embora Sofi tente animá-la, Elore não consegue esconder o peso que carrega.
Pensar que estava vivendo um relacionamento abusivo a assusta mais do que podia imaginar. seu coração doí descontrolavelmente. O choro vem logo em seguida. As lagrimas carregadas de soluços e gemidos de dor por ter se permitido passar por tudo isso. As lembranças das palavras de Marcus ainda possuem um peso enorme em Elore, e ela teme que isso talvez nunca mude.
Então Elore chorou durante a noite toda.
***
Alguns dias depois...
O apartamento de Elore era um reflexo perfeito de seu estado interno: desorganizado, desolado e sombrio. As cortinas permaneciam fechadas, deixando apenas algumas faixas de luz entrarem. Pilhas de livros e papéis espalhados pelo chão, pratos sujos na pia e roupas jogadas pelo sofá, formavam o cenário de um caos emocional e físico. Elore, uma jovem que antes era vibrante e cheia de vida, agora estava afundada em melancolia, amargura e dor.
Ela passava horas sentada no chão, encostada na parede da sala, olhando para o teto. A sensação de vazio a envolvia, e cada minuto parecia um esforço gigantesco. As vezes era difícil ate mesmo respirar. As memórias das palavras de Marcus estavam sempre presentes, como fantasmas que a assombravam dia e noite. Ela lembrava de como ele e, especialmente, a mãe dele a tratavam com desprezo, diminuindo sua aparência, escolaridade e educação a cada comentário cruel. Essas lembranças faziam com que a dor parecesse insuportável.
Uma vez por dia, seu telefone tocava. Era sempre Sofi, sua melhor amiga, tentando animá-la. Mas nada parecia funcionar. Cada tentativa de Sofi de trazer algum brilho para a vida de Elore era recebida com respostas monossilábicas ou com longos suspiros. Elore sentia que estava se afogando e não conseguia encontrar um caminho para a superfície. Não sabia como sair daquele lugar sombrio.
Numa dessas ligações, a conversa foi particularmente difícil. Sofi, com sua voz suave e cheia de preocupação, tentou mais uma vez alcançar Elore.
"Elore, você precisa sair desse ciclo. Eu sei que é difícil, mas você precisa se levantar, fazer algo por você mesma, mas fazer algo. Qualquer coisa, por favor"
"Eu não sei, Sofi. Parece que nada faz sentido. Eu só... estou cansada. Exausta"
"Você é uma das pessoas mais fortes que conheço El. E você tem que se lembrar disso. Faz um esforço por mim por favor.
A ligação terminou com Sofi ainda tentando animar Elore, mas a escuridão dentro do apartamento parecia invencível. Após a ligação, Elore passou mais algumas semanas afundada em sua melancolia. Os dias se misturavam, sem que ela percebesse a passagem do tempo. Cada manhã era igual à anterior, com a mesma sensação de desespero a consumindo lentamente.
Elore não sabia mais o que fazer. Se entregar a essa escuridão não parecia uma má ideia afinal.
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Atualizado até capítulo 69
Comments
Kamila Castro
Só quem viveu um relacionamento tóxico sabe o quanto é difícil se livrar dele
2024-11-25
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