Fuga

O retorno às aulas, uma semana após os eventos perturbadores que marcaram minha vida, parecia uma jornada através de um território inexplorado. Cada passo era uma lembrança dolorosa dos horrores recentes, enquanto a rotina escolar se desenrolava como um espetáculo de fachada, mascarando o caos interno que consumia minha existência.

Meu pai, um policial cuja autoridade pairava sobre mim como uma sombra sombria, deixou claro que não toleraria qualquer desvio de comportamento. Suas palavras eram carregadas de ameaças veladas, e o peso de suas expectativas pairava como uma nuvem opressora.

A sala de aula tornou-se um palco estranho onde eu, um ator desgastado pelas experiências traumáticas, tentava desempenhar o papel de um estudante comum. Cada olhar, cada palavra, parecia uma pontada de julgamento, como se todos ao meu redor soubessem dos horrores que eu enfrentava em segredo.

Aprendi a camuflar a dor por trás de um sorriso falso, a disfarçar a angústia sob a máscara de normalidade. As interações com colegas e professores tornaram-se um jogo de aparências, onde eu lutava para esconder as cicatrizes visíveis e invisíveis que marcavam meu ser.

Enquanto as aulas avançavam, a promessa de meu pai pairava como uma ameaça constante sobre minha cabeça. Cada tarefa, cada interação social, tornava-se um campo minado de potenciais deslizes que poderiam desencadear a ira de um homem cuja autoridade dominava todos os aspectos da minha vida.

O resquício de normalidade oferecido pela escola era uma fachada frágil, incapaz de proteger-me das sombras que se estendiam sobre minha existência. À medida que os dias se desdobravam, a dolorosa rotina de aulas e a presença sufocante de meu pai conspiravam para transformar meu mundo em uma espiral claustrofóbica de medo e desespero.

Enquanto eu me movia pelos corredores da escola, um fantasma de mim mesmo, a sensação de estar à beira de um precipício nunca me abandonava. Cada olhar, cada palavra, alimentava a ansiedade que se enroscava em torno do meu ser como uma serpente venenosa.

A promessa de não "fazer besteira" tornou-se uma sentença que pairava sobre minha cabeça, enquanto eu tentava equilibrar a corda bamba da normalidade, sem revelar os horrores que se escondiam nos recessos da minha existência.

E assim, entre a falsa normalidade da escola e a sombra opressiva do controle de meu pai, eu continuava minha jornada, uma marionete cujos fios estavam nas mãos cruéis de um destino que parecia não ter compaixão.

Até que um dia, depois de uma longa noite com um amigo do meu pai, eu estava devastado e ao invés de ficar na aula, pulei o muro e comecei andar sem rumo pelas vielas. Achei um lugar e fiquei. Era tanta coisa acumulada que achei que iria morrer chorando. Foi quando um cara de vinte e poucos anos se aproximou.

- Tem algum trocado, garoto?

Eu não parava de chorar e tremer. Acho que ele ficou com pena de mim e se sentou ao meu lado.

- Não está fácil a vida, né?

Depois que me acalmei, começamos conversar. Descobri que o nome dele era Henrique. Conversamos por cerca de uma hora e ele me aconselhou a voltar para a escola e no outro dia podíamos conversar mais.

No dia seguinte conversamos mais. E ao final daquela primeira semana ele já sabia tudo o que acontecia comigo.

Henrique, percebendo minha vulnerabilidade e sofrimento, tornou-se um improvável confidente. À medida que compartilhava os horrores dos abusos que enfrentava em casa, Henrique escutava com uma empatia rara. Sua presença trouxe um lampejo de compreensão a um mundo que parecia, até então, totalmente indiferente ao meu sofrimento.

Conversávamos por horas, compartilhando nossas histórias de vida e angústias. Henrique, ao conhecer a gravidade da minha situação, ofereceu algo que, naquele momento, parecia ser uma fuga tentadora: a heroína. Ele mencionou que poderia aliviar a dor, pelo menos temporariamente, proporcionando uma sensação de euforia e escapismo.

Com olhos cansados e cheios de desespero, eu ouvi Henrique falar sobre a heroína como uma espécie de elixir capaz de anestesiar a dor emocional e física. A curiosidade e a busca por qualquer coisa que pudesse amortecer a avalanche de dor me levaram a aceitar a oferta de Henrique.

A heroína, com sua promessa de alívio imediato, tornou-se uma tentação irresistível. Sob a tutela de Henrique, mergulhei naquela experiência que prometia um esquecimento temporário, uma pausa nos horrores que me assombravam.

A agulha penetrou minha pele, injetando uma ilusória sensação de paz e tranquilidade. Naquele instante efêmero, o mundo exterior desapareceu, e a dor física e emocional foi substituída por uma névoa de prazer. Por um breve momento, a heroína transformou-se em uma muleta, suportando o peso esmagador da minha existência. A heroína, como um pacto sombrio, tornou-se um acordo ambíguo com o destino, um refúgio fugaz em um mundo que se desintegrava rapidamente.

Henrique, talvez sem perceber, abriu a porta para um novo capítulo de autodestruição em minha vida. O ciclo vicioso da dependência começava a tecer suas garras, enquanto eu me afundava mais profundamente nas sombras, em busca de uma fuga que, no final, apenas intensificaria o abismo que ameaçava engolir-me por completo.

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corrinha

corrinha

e a coisa só piora

2024-05-31

1

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Capítulos
1 E fim...
2 Uma escolha injusta
3 Aniversário infeliz
4 Mais um dia ou seria menos um dia?
5 Fuga
6 Indenização
7 Rotina
8 O relógio
9 Declaração
10 Moleque insolente
11 Quando a casa caiu
12 Prisioneiro
13 Descontrole
14 Minha maior culpa
15 Cooperação forçada
16 Sonho x Realidade
17 Na sombra da dor
18 Entre algemas e grades
19 Um dia após o outro
20 Injustiça
21 Desprezado por quem mais amo
22 Alucinação e Realidade
23 *Renato narrando
24 Teia de desespero e desesperança
25 Mudança de rotina
26 A vez que quase consegui
27 E o cativo regressa ao cativeiro...
28 Degradação
29 Infelizes anos...
30 Esperança
31 Esperança: ter ou não ter? Eis a questão...
32 Pessoa comprometida
33 Atrevimento
34 Brincadeiras indecentes
35 Carinho de mãe
36 Uma âncora
37 Uma canção
38 *Raul narrando
39 Tudo por um chocolate
40 Véspera
41 Maldito dia!
42 Assinatura
43 O disparo
44 Vazio
45 Inferno, amargo, inferno!
46 Determinação ferida
47 Dilema
48 Delírio
49 Cuidados
50 Sobreviver
51 Resultados
52 Possível recomeço
53 Proximidade
54 *Raul narrando
55 Intimidade
56 Refúgio e desamparo
57 Passeio
58 Jogos
59 Machas
60 Horizonte fugaz
61 Raiva, nojo, ódio e revolta
62 Luz tênue
63 Seja forte!
64 24 de janeiro de 2022
65 Lembrete
Capítulos

Atualizado até capítulo 65

1
E fim...
2
Uma escolha injusta
3
Aniversário infeliz
4
Mais um dia ou seria menos um dia?
5
Fuga
6
Indenização
7
Rotina
8
O relógio
9
Declaração
10
Moleque insolente
11
Quando a casa caiu
12
Prisioneiro
13
Descontrole
14
Minha maior culpa
15
Cooperação forçada
16
Sonho x Realidade
17
Na sombra da dor
18
Entre algemas e grades
19
Um dia após o outro
20
Injustiça
21
Desprezado por quem mais amo
22
Alucinação e Realidade
23
*Renato narrando
24
Teia de desespero e desesperança
25
Mudança de rotina
26
A vez que quase consegui
27
E o cativo regressa ao cativeiro...
28
Degradação
29
Infelizes anos...
30
Esperança
31
Esperança: ter ou não ter? Eis a questão...
32
Pessoa comprometida
33
Atrevimento
34
Brincadeiras indecentes
35
Carinho de mãe
36
Uma âncora
37
Uma canção
38
*Raul narrando
39
Tudo por um chocolate
40
Véspera
41
Maldito dia!
42
Assinatura
43
O disparo
44
Vazio
45
Inferno, amargo, inferno!
46
Determinação ferida
47
Dilema
48
Delírio
49
Cuidados
50
Sobreviver
51
Resultados
52
Possível recomeço
53
Proximidade
54
*Raul narrando
55
Intimidade
56
Refúgio e desamparo
57
Passeio
58
Jogos
59
Machas
60
Horizonte fugaz
61
Raiva, nojo, ódio e revolta
62
Luz tênue
63
Seja forte!
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24 de janeiro de 2022
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Lembrete

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