IV

Entrando no meu quarto, vou direto para a janela, observando o movimento do lado de fora. Se Omar, minha mãe e Zayn achavam que eu iria concordar com toda aquela insanidade, estavam muito enganos, pois os faria enxergar que apesar da situação que me encontrava, ainda podia decidir o que era bom ou não para mim.

- Raya - digo me virando para ela, notando que se assusta parcialmente com a minha abordagem, arregalando um poucos os olhos.

- Princesa - diz curvando um pouco a cabeça para frente.

- Preciso que me ajude a fugir.

Franzindo levemente o cenho, ergue por um instante o olhar, o abaixando no mesmo instante.

- Tem certeza disso, princesa? - Olho novamente pela janela, confiante de que era algo temporário. Só precisava chegar até o hotel mais próximo.

- Absoluta - digo com a voz firme - Só preciso de poucas roupas e de um jeito de sair daqui sem me notarem. E sei que você deve saber de um jeito - Ela engole em seco, mantendo o olhar no chão.

-...eu não sei se deveria...

- Você é a minha dama de companhia, deve me auxiliar em tudo que eu precisar - Olho para ela em busca de algo que fosse contraditório a isso - Lembra?

- Estou lembrada sim, princesa.

- Ótimo - Soltando o ar pelos lábios entre abertos, me viro para a janela, ouvindo Raya se movimentar em minhas costas, arrumando a pequena mala.

Não queria que ficasse visível o meu medo, nem para mim mesma. Omar havia mencionado algo sobre as consequências dos meus atos dali para frente, mas duvidava que ele teria coragem de fazer algo diretamente para mim. Eu continuava sendo princesa, mesmo com a morte do meu pai e ele assim como todos, ainda deviam respeito à mim.

Diferente de mim, Raya não sabia disfarçar seus sentimentos, principalmente seu medo. Segurando a minha mala de mão, ela me guia para do quarto, após se certificar de que não havia ninguém no corredor. Em passos largos e rápidos, ela anda na minha frente, atenta a todos os movimentos ao nosso redor, assim como eu, temendo que a minha mãe aparecesse de repente e meu plano fosse por água a baixo. Mas não encontramos ninguém além dos guardas em seus postos, já que as mulheres deveriam estar no harém.

Raya me leva para uma parte do palácio até então nunca visitada por mim antes: a cozinha. Era ampla, com mais de seis pessoas transitando de um lado para o outro, com nossa língua materna predominando entre eles; Mesmo com os que claramente não eram nativos do nosso país. Alguns deles me olham, não por muito tempo, pois quase que de imediato desviam o olhar para o que estavam fazendo, enquanto Raya se adianta em me tirar dali por uma porta na lateral na cozinha, que simplesmente dava nos fundos do palácio, uma parte não tão bonita quanto o palácio em si, já que a impressão que tinha era que estávamos no subsolo e todo o palácio estava acima de nós.

- Por aqui, princesa - diz Raya baixo, andando para os portões de ferro não muito longe de onde estávamos, mais alguns passos e estaria bem longe da catástrofe que estava se instalando no palácio.

Quando Raya para de repente, demoro alguns instantes para perceber o que estava acontecendo, graças a distração com meus pensamentos e aquele cenário diferente do qual estava acostumada desde sempre.

Ao erguer o olhar para a nossa frente, percebo o motivo pelo qual ela parou. Havia meia dúzia de guardas em nossa frente e junto com eles estava Omar.

Olho para ele surpresa e incrédula ao mesmo tempo. Não conseguia acreditar que ele havia me encontrado tão rápido, ainda mais sem a ajuda de ninguém, principalmente de Raya, pois a mesma havia ficado comigo o tempo todo e não havia conversado com ninguém. O que a descarta de ter contado meu plano para ele.

- Princesa Amira - diz ele estreitando os olhos, ao fixá-los em mim - Estava indo em algum lugar?

- Isso não é da sua conta, Omar - digo com a minha voz trêmula.

- Mas é do emir e até onde sei, as mulheres do palácio não podem sair sem a autorização dele.

- Não sou mulher do emir - Afrouxo a pressão que estava colocando nas minhas mãos fechadas, ao sentir que estava úmidas - Agora, saia da minha frente e me deixe passar.

Ele dá um sorriso cruel, sem mover um músculo, trazendo um arrepio pelo meu corpo.

- Eu lhe avisei, como um bom conselheiro, que se tentasse alguma coisa, teria consequências.

- Você não pode fazer nada comigo.

Ele mantém o sorriso, deixando a tensão no ar ainda mais tensa.

- Guardas - diz de repente e como cães, avançam sobre mim, ignorando Raya no caminho.

- Não - Dou alguns passos para trás - Não! Me solta - Grito quando dois deles, seguram meu braço, praticamente me arrastando de volta para o palácio - Me solta!! Eu sou a princesa! - Tento plantar meus pés no chão e impedir que continuem me arrastando, mas é em vão, são mais fortes do que eu e naquele momento não era um fardo pesado para eles.

Por um momento, quando olho para trás, percebo Raya na mesma situação, mas não estavam sendo “gentis” com ela, como estavam sendo comigo. E ao contrário do que estava pensando, não me levam expecifícamente para o interior do palácio, tomam uma direção diferente e que eu não conhecia.

- Pra onde vocês estão me levando?! - pergunto ainda aos gritos, lutando contra as mãos fortes que me seguravam, sentindo minhas forças se extinguirem lentamente do meu corpo.

Os guardas não respondem, continuam me arrastando, entrando por fim numa parte do subsolo, após descer alguns degraus de uma escada velha. O lugar era escuro, úmido e cheirava a mofo e,  mesmo não tendo visitado aquele lugar antes, deduzi em questão de poucos segundos de que se tratava do calabouço. Eu estava no calabouço.

A conclusão fez com que respirar ficasse difícil, assim como meu coração com batidas irregulares e quase dolorosas. O pânico logo se alastrou dentro do meu corpo, principalmente pelo fato de estar entrando cada vez mais naquele lugar fétido e escuro, sendo levada para algum lugar ainda mais pior do que já estava vendo.

Uma cela em frente é aberta e lá sou colocada, sem ter chance alguma de tentar fugir. Raya não é colocada na mesma cela que eu, pelo contrário, a deixam numa cela longe de mim.

Omar anda despreocupadamente até mim, parecendo estar se divertindo com toda aquela situação.

- Me tira daqui - digo baixo, entre dentes, segurando as barras gélidas em minha frente e com ondulações, causadas pelo ferrugem - Agora, Omar.

- Quando aceitar seu destino, sairá daí.

Meu queixo treme, enquanto as lágrimas embaçam minha visão.

- Você não pode fazer isso! - grito - Pode ter certeza que meu... - Me detenho, esquecendo por um momento que não tinha mais a proteção do meu pai, o que para mim naquele momento, não era nada bom. Eu não tinha a proteção de ninguém e não podia nem contar com a minha mãe.

- O quê, princesa? - Ele pergunta com desdém, dando um passo na minha direção - Se você fosse homem, não estaria nessa situação, não acha? Teria sido coroada emir e se casaria com quem quisesse. Mas, nasceu mulher, um vaso não muito útil e que só está nesta Terra com a função de procriar, nada mais - Sustento o olhar dele, sentindo uma lágrima escorrer pelo meu rosto - Então faça o melhor para si mesma e aceite seu papel em tudo isso. Nada que fará ou dizer, vai mudar isso - Sustento seu olhar por mais alguns segundos, até ele se afastar e se dirigir para um dos guardas que estavam presentes ali - Castiguem a criada.

Arregalo os olhos, abrindo ainda mais a boca.

- Não... - digo segurando com mais força as barras - Não faz isso! - Mas ele me ignora, continua andando para fora daquele lugar, me deixando completamente destruída para trás.

Por um segundo, fiquei atônita demais para reagir. Notei algumas manchas vermelhas no amarelo do abaya rasgado de Raya.

Uma fúria quente explodiu no meu peito, apagando todos os resquícios de cautela.

— Solte-a! — gritei, sacudindo com força as grades, esperando que as mesmas se soltassem em minha mão. Claro que isso não aconteceu, apesar de velhas, eram resistentes e isso me deu ainda mais raiva. Assustado, o guarda saiu de cima de

Raya e, como se lembrasse do ato vil que pretendia fazer, agarrou-a pelos cabelos e bateu minha cabeça contra as grades.

— Princesa! — Raya gritou histericamente, tentando vir na minha direção, sendo impedida por outro guarda.

Horrorizada, tropeço para trás desnorteada mas foi tarde demais.

As lágrimas que surgiram pareciam sangue saindo diretamente da minha alma. Cada gota queimou meus olhos e os sons que saíram da garganta foram horríveis. Meu novo mundo não era apenas sombrio, era negro, sem esperança alguma.

Fechando os olhos com força, tentei enrolar o corpo em uma bola, ficar o menor possível para impedir que a dor explodisse, mas algo não deixou.

— Não! — gritei, percebendo o que ele pretendia fazer. — Não toque nela! — Eu tentei me soltar, mas as barras que me prendiam estavam presas no lugar demais. Não havia nada que eu pudesse fazer além de assistir impotente quando ele colocou as mãos em volta do pescoço de Raya e começou a apertar. — Não toque nela! Vou mandar matar você por isso! Vão matar você...

Ignorando meus gritos, ele gritou uma ordem em árabe. Um homem se aproximou e cortou as cordas que estavam em Raya com uma faca afiada. Vi o olhar aterrorizado dela. Eles a jogaram de bruços no chão. Ele colocou o joelho sobre as costas dela e puxou-a pelos cabelos, forçando-lhe a cabeça para trás.

Vi as pernas dela batendo inutilmente no chão e meus gritos ficaram mais altos quando Terno pegou uma faca curta e começou a cortar a bochecha de Raya.

Ela gritou, contorcendo-se, e vi sangue espirrando para todo lado quando ele cortou o rosto dela, deixando uma ferida profunda. Eu engasguei, sentindo o estômago se contrair, mas ele estava longe de terminar. A outra bochecha de Raya foi a próxima e, em seguida, ele cortou uma tira de carne do braço dela.

Os gritos de agonia dela ecoaram pelo calabouço, junto com meus gritos histéricos. Eu senti a dor dela como se fosse em mim mesma e não consegui aguentar.

— Deixe-a em paz! — gritei. — Deixe-a em paz! Deixe-a em paz!

Obviamente, ele não deixou. Continuou cortando-a, com os olhos escuros brilhando de empolgação. Ele estava gostando daquilo, percebi com um horror doentio. Não estava fazendo aquilo só para a mim. Os esforços de Raya para lutar ficaram mais fracos e os gritos se transformaram em gemidos soluçantes. Havia sangue por toda parte. Beth estava praticamente afogando-se nele. Eu não sabia se ela conseguiria permanecer consciente. Surgiram pontos

pretos na minha visão e senti como se as paredes estivessem fechando-se sobre mim. As costelas pareceram espremer os pulmões e mal consegui respirar.

Subitamente, o corpo de Raya se contraiu e ela emitiu um ruído estranho, ficando em silêncio logo depois. Só o que eu ouvia era o som dos meus próprios soluços. Beth estava deitada imóvel, com uma poça de sangue espalhando-se da área do pescoço. O guarda se levantou, limpando a faca na calça, e olhou diretamente para mim, o olhar cruel, assim como o de Omar.

Senti quando exatamente minhas pernas fraquejaram e cai de joelhos no chão imundo, sem me importar nem um pouco com toda a sujeira que havia ali. Ele sustenta meu olhar com um meio sorriso sádico no rosto, se afastando da cela em que estava conversando e rindo com os demais guardas, que arrastavam Raya para algum lugar.

Eu queria gritar perguntando para onde estavam levando ela, mas não conseguia, não tinha forças, me sentia completamente exaurida, tanto fisicamente, quando emocionalmente. Queria acreditar que estava dormindo, que era apenas um pesadelo, que logo eu iria acordar e estava na minha vida normal.

Mas apesar de eu fazer um grande esforço mental para acordar, não conseguia, estava realmente muito bem acordada e vivenciar um verdadeiro pesadelo.

O silêncio recaiu rapidamente, sobrando apenas uma pingueira em algum lugar. Eu queria saber se a minha mãe sabia aonde sua filha estava naquele exato momento, eu duvidava que ela tinha conhecimento, mas conhecendo Omar, ele deveria ter inventado algo bastante convincente, com a ajuda do novo emir Zayn e ela acabaria aceitando tudo.

Desta vez, não consegui me controlar. Um jato de vômito quente subiu pela minha garganta e mal consegui virar a cabeça para o lado antes de esvaziar o que tinha no estômago no chão, me deixando pior do que eu já estava. Se sobrevivesse aquele episódio, com certeza eu acabaria pegando alguma doença naquele lugar, praticamente incurável mas, não era com isso que estava muito preocupada naquele momento. Na verdade, nem já mais sabia o que mais estava me preocupando, não sabia se era Raya, que tudo indicava que estava morta, eu naquele lugar ou a tirania de Zayn, já que tudo que acontecia naquele palácio, era com a autorização do emir, o que deixava mais do que claro que ele estava por trás daquela barbaridade.

Depois que o corpo de Raya, foi arrastado para longe e limparam o chão de forma descuidada, deixando várias manchas vermelhas. Eu olhei para eles, com a mente lenta e amortecida, como se estivesse em um estupor. Eu não estava mais tremendo, apesar de um estremecimento ocasional sacudir o corpo. Minhas mãos doíam bastante por causa do esforço que fiz, tentando fazer com que as barras resistentes de metal cedessem com simples puxões. Chegava a ser até engraçado, achar que eu conseguiria tirá-las do meu caminho com uma força que não era nem muito suficiente para isso, mesmo elas estando claramente enferrujadas.

Um pouco depois, eles me deram um pouco de água. Bebi avidamente o copo inteiro, fazendo com que alguns homens rissem e dissessem algo em árabe, enquanto esfregavam a virilha sugestivamente. Quase achei que torciam para que Omar me deixar ali por mais tempo, tempo suficiente para que se aproveitassem de alguém da família real, já que nunca estiveram tão próximos de mim como naquele momento, com direito até de me tocar e nada acontecer com eles.

Eu queria acreditar que não fariam isso, que não me machucariam, como fizeram com Raya, mas estava óbvio que ali eu só era um objeto agora, que poderia ser movido de um lado para o outro e usado como bem queriam, como Zayn. Não tinha dúvida mais alguma que a minha raiva por ele, havia aumentado de 100% para 150% e ele podia ter certeza que aquilo não ficaria por isso mesmo, eu faria pagar, sentir na pele tudo que eu estava passando, tudo que Raya passou, mesmo que eu fosse condenada a morte mas, ele pagaria, assim como Omar e os que estavam do lado dele.

Se era uma esposa que o novo emir coroado queria, seria uma esposa que ele teria, mas não uma convencional, pois faria aquele casamento um verdadeiro inferno e ele se arrependeria mil vezes à Alá por um dia ter pensado em se casar comigo, justamente com a pessoa que o odiava com todas as forças.

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