Capítulo 2

Ela estava na cidade, estava sem dúvidas nenhuma querendo comprar tudo oque restara de Grace. Sentia repulsa só de imaginar um mundo sem ter que se sentar em sua cama e sentir a presença de minha esposa que um dia tinha sido tão real quanto.

 

 Só de tentar pensar que pudesse seguir em frente, sentia que estava a abandonando naquele lugar sozinha com uma total estranha de cidade grande. 

 

Entrei na sala rapidamente, ignorando os homens conversando com a idosa de espírito de jovem e subi até minha sala. Mike já estava lá, com papéis sobre o rosto e lendo como um bibliotecário nerd. O homem com o cabelo cacheado levantou o olhar e observou minha expressão séria, que estava tão mórbida desde a última vez.

 

— A reunião já irá começar. — disse rapidamente, quase como um grito de guerra.

 

— Não era mais tarde? — Mike perguntou curioso encarando o relógio de pulso.

 

— “Era”. — Repeti e caminhei até o outro lado da sala, abrindo a primeira gaveta e pegando a pasta marrom onde continha todas as anotações tão decoradas como a canção dos Beatles, Something.

 

Mike me seguiu de imediato. Caminhando pelo corredor central  da corporação Bullock Tec., garantindo antes de acontecer mais uma vitória da semana. Estava cansado de mandar naquilo tudo, herdei de meu pai tudo oque não queria. Por mais que amo toda a evolução que garantiu todos esses anos, estava farto de ter uma rotina tão repetida como esta.

 

Enquanto entravamos na sala de reunião, senti meu celular vibrar no bolso esquerdo da calça social e enfiei a mão direita o pegando. Talvez seja a mulher, Nora Olsen novamente. Não havia um nome salvo, mas sabia que era aquela mulher. Rejeitei no mesmo instante, mas antes de colocar no bolso novamente começou a vibrar outra vez.

 

Mike me olhou desconfiado e virei as costas levando o celular até o ouvido e atendendo de uma vez.

 

 

 

— O que você quer? — Perguntei num sobressalto, irritado e impaciente.

 

— Sou uma mulher insistente, Sr. Bullock. — Explicou-se do outro lado da linha com a mesma voz calma e fina como da última vez. — Tenho uma proposta para você e já devo informar que sempre consigo oque quero.

 

— Estou ocupado no momento.

 

— Eu sei que anda muito ocupado nos últimos quatro anos. — Indagou. — Mas creio que precisa me ouvir antes de fazer uma grande besteira.

 

— Do que está falando? — Perguntei ainda mais irritado.

 

— As ações dos Gunter não é a mesma. Rejeitou muitas reuniões para quem ganhava tão bem numa cidade pequena.

 

Impulsionei o corpo para trás e pude ouvir a risada dela do outro lado da linha, num tom ainda calmo e raso. Me irritava demais, uma calmaria desnecessária. Me virei para meu amigo que passava os dedos no bigode e enrolava as pontas, Mike deu de ombros se levantando quando ouviu as três batidas na porta grande da sala.

 

Impaciente, virei-me para as cortinas brancas do prédio e respirei fundo.

 

— Como sabe de meus negócios? — Questionei para o telefone num tom mais bruto, nada amigável de minha parte. — Vá embora imediatamente desta cidade, não irei assinar nenhum papel...

 

A porta foi aberta e desligo o celular guardando no bolso e soltando a respiração que havia prendido. Respirei mais algumas vezes, controlando a raiva que sentia inexplicável por alguém que mal conhecia. Uma estranha com a oportunidade de entrar na cidade que tanto amo e se infiltrar junto a meu povo.

 

Lembrava de cada nome que andava por essas ruas. Sabia muito mais que o Prefeito Adam e o novo, a quem não tive a oportunidade de uma bela conversa a sós para resolver os assuntos da empresa com um filho que nunca havia visto na vida, um cara que viaja tanto e que parecia manter a cidade da mesma forma que encontrou, um lado que eu não reclamaria dado as circunstâncias. Mas esta mulher, em si, não parecia confiável e muito menos compatível com o restante do pessoal. Um queixo reto sempre seria um problema para mim e o povo das regiões.

 

— Creio que isso não seja possível. —  A voz fina de Nora ecoou pela sala de reunião que me fez virar num sobressalto observando a moça dos olhos azuis e o cabelo negro jogados para trás.

 

Cerrei as mãos com a raiva se intensificando por minhas veias, sentindo a obrigação de jogá-la pelas paredes de vidro. Se não fosse tão leal com sua humanidade, ou se ela não fosse uma dama, talvez isso não passasse de uma imaginação insana e faria de uma só vez.

 

— O que...

 

— Onde está Brad Gunter? — Mike perguntou tudo oque eu queria saber, mas que não iria abrir a boca para questionar.

 

— Talvez fumando um charuto e lendo uma revistinha para homens na nova instalação arquitetada por mim, no centro de Califórnia. — Nora respondeu e percebi que tinha orgulho do que estava pronunciando. Independente do que significava.

 

— Brad não é mais o dono da empresa Gunter? — Mike voltou a perguntar encarando os homens em sua frente e fiquei feliz com as perguntas feitas sem eu mesmo ter que questioná-las. — Sentem-se, por favor.

 

Mike virou apontando para as cadeiras nas laterais das mesas e os homens se acomodaram em seus lugares, enquanto Nora sentou-se ao lado da cadeira frontal que seria o lugar do homem de uma bigode tão grande quando a de Charlie Chaplin, mas com dois montes de cabelo dos lados.

 

Eu, em meio a esse encontro desagradável, estava na mesma posição claramente alarmado pela surpresa desse segundo.

 

— Comprei suas ações faz algumas semanas, não foi difícil convencê-lo já que estavam falindo. — Nora explicou se acomodando ao meu lado que me sentei sem querer dizer nada sobre o lugar me meu amigo, que agora era entre outros homens que sorriu causando dúvida na moça ao seu lado.

 

— Imagino. — Bufei levantando os ombros e abrindo a pasta marrom.

 

— Convença-me a vender e assinar o contrato que dura tão pouco quanto os lucros associados a esta empresa. — Nora aumentou a voz quando percebeu o tom de deboche de minha palavra.

 

— Se eu usasse uma cintura mais fina e os olhos mais bonitos, também teria conseguido a compra. — Bradei baixo sem olhar para ela.

 

— Obrigada pelo elogio. — Ela disse. — Mas está insinuando o quê, Sr. Bullock?

 

Mike limpou a garganta desconfortável e eu, junto a Nora, olhamos para ele assentindo. Inquieto, mas sabia oque tinha que fazer como todas as vezes que fiz durante oito anos completos. 

 

Não seria uma mulher de uma cidade grande que iria estragar meus planos, por mais que ela tente.

 

Então, observando todos da sala me encarar esperando alguma coisa sair, levantou-me passando as mãos no terno e limpando a garganta. Antes de dizer, olhei de canto para a mulher com cheiro horrivelmente bom e voltei a atenção para o restante.

 

As veias pularam para fora como vírus.

 

Não sei o motivo, mas foi a primeira vez que não tinha ideia de como começar a reunião que fiz quase todos os dias durante tantos anos. Fiquei encarando o homem, de olhos puxados e de origem japonesa, que fazia o mesmo.

 

Era este o futuro que escolhi a viver para o resto de minha vida? Ter que suportar pessoas fúteis?

 

Levantei os ombros e pisquei duas vezes antes de tentar começar.

 

— Bom, bom... — Respirei fundo sem querer olhar para Nora e observar seu sorriso satisfeito por minha pequena tentativa de falar, que tinha a certeza que ela estaria.— Então, são integrantes novos em meus negócios e fico feliz em dizer que estão fazendo uma ótima escolha. Meu pai, Johan Bullock, ao contrário de mim, chutaria cada um daqui já que ele odeia a Califórnia. É como ouvir a gritaria daqui.

 

Antes de continuar, olhei para Nora que prestava atenção em minhas palavras e com um sorriso nos lábios por minha colocação da história de meu pai, mas ainda não pareceu atingi-la do modo que desejei.

 

— Venho propor 15% dos lucros desta tecnologia nova que projetamos nos últimos anos. Serão efetuados assim que adquiridos nas primeiras semanas. O intuito desse projeto é a liberdade mais ampla da assessoria dos aparelhos celulares, que vem ganhando mais visibilidade nessa nova geração...

 

— Sabe o percentual dos lucros adquiridos nesse período? — Um homem, de pele negra, perguntou ao lado do japonês que escrevia algo em seu tablete e observava meu discurso com atenção, e sabia que pelo olhar entusiasmado parecia estar gostando.

 

— Calculei o triplo do que investi mensalmente. — Respondi. — Por mais que Hill Valley seja pequena, tenho outras empresas em outro país e suponho que o lucro irá se expandir muito mais que o triplo.

 

— Vamos colocar nossas chances num simples “Suponho”, então? — Nora perguntou e soltei a respiração sem querer se virar e olhá-la.

 

— Creio que ganharemos muito mais do que gastaríamos. — Aumentei a voz mesmo tentando manter a calma.

 

— Não somos uma paróquia para crenças, Sr. Bullock. — Ela falou convicta de suas palavras. — Não vou dar um salto no escuro jogando fora minha única ação empresarial. Gosto de fechar negócios com fatos concretos, não suposições. E espero que entenda meu lado, pois não quero investir em algo que não irá me beneficiar, no fim das contas.

 

Não iria admitir em voz alta, mas a entendia. Não concordava com sua atitude, mas compreendia o medo de se jogar em algo que não conhecia. Então fiquei em silêncio tentando ultrapassar os limites e descobrir oque aquela mulher de uma cidade grande estaria fazendo naquela cidade pequena, querendo comprar uma propriedade e fazer parte de um lugar tão longe e distante de tudo oque ela conhece.

 

Por um lado penso numa parte em que ela queira mais tranquilidade, mas apenas de encará-la de perto percebia que não era isso seus planos. Imagino também que poderia estar fugindo de alguma coisa que quer deixar para trás de uma vez por todas, algo mais aplausível que outra situação. Mas oque esta mulher iria querer deixar para trás? Não parecia também ser o tipo de pessoa que abandona algo ou desiste de enfrentar algum tipo de problema. Então estava pensando em varias possibilidades e nenhuma delas estava combinando com Nora Olsen.

 

Quem era Nora Olsen e oque ela estava fazendo aqui realmente?

 

— Sou bom no que faço, Olsen. — Bradei cortando o silêncio, abaixando o corpo e apoiando minhas duas mãos sobre a mesa, segurando o peso de minha massa muscular. Nora ficou em silêncio me encarando e continuei sem pudor: — Não é a primeira vez que fecho contrato com alguém e nunca falhei, em hipótese nenhuma.

 

Permaneci na mesma posição, com o corpo virado para ela que estava sentada quase ao meu lado, no canto direito da mesa. Não pisquei e Nora fez o mesmo, se manteve reta quase como um confronto entre nós.

 

Tensa. 

 

Vaga.

 

— Comprou os negócios de Brad para negar as melhores de suas propostas? — Perguntei quase num tom ofensivo, sem querer se arrepender do que estava dizendo. — Seu pai ficaria melhor no seu lugar.

 

— Eric! — Mike me advertiu no mesmo instante que minha frase foi terminada.

 

Por um momento, apenas um momento, senti que fui longe demais. Não me dei o trabalho de olhar para Mike quando gritou como uma reprovação, não olhei porque vi os olhos de Nora Olsen lacrimejarem nos primeiros segundos que se passaram. Não consegui dizer nada, nem mesmo para mim mesmo. 

 

O que diria a ela, afinal?

 

Nora se levantou, cortando o olhar que estava fixo em mim e a observei passando as mãos sobre os papéis e a mesma empurrou a pilha de folhas para o alcance das minhas mãos. As folhas tocaram as pontas de meus dedos enquanto ainda não tirava os olhos dela, curioso e talvez até arrependido de suas últimas palavras.

 

Precisava dizer alguma coisa, mas não conseguia nem mesmo abrir a boca. Não gostava de magoar pessoas, muito menos mulheres. E sabia que a magoei de alguma maneira misteriosa e me sentia culpado por isso terrivelmente. Era como se ela esperasse que eu dissesse algo, sentia isso na forma como me olhava desapontada.

 

— Irei assinar o contrato. — Ela disse logo, sem advertências. — Vinte. Vinte por cento das partes distribuídas para Califórnia e todas as empresas envolvidas. Tem exatamente trinta dias para preparar o contrato, eu investi nisso. Passei anos trabalhando e preciso que haja evolução, não suposições.

 

Ela tinha garras nas mãos. Admito isso, mas ainda assim me sentia culpado por tê-la magoado de alguma forma que não conseguia entender nos minutos em silêncio. Tudo oque fiz foi assentir para sua proposta, então ela chamou os outros e virou as costas caminhando para longe. Talvez redenção por minhas palavras, mas precisava disso.

 

— Vinte... vinte por cento? — Mike andou até meu lado rapidamente enquanto os homens de negócios se organizavam para sair e Nora esperando na porta, me encarando com o rosto fechado. — Eric! Eric? Estou falando com você!

 

— O que é? — Abri a boca devagar encarando-a em pé.

 

— Você perdeu o juízo de uma vez agora? — Berrou Mike. — Nunca passamos dos quinze por cento. Perderemos muito nas exportações.

 

— Eu sei. — Comentei me erguendo, tirando as mãos da mesa e observando Nora virar as costas e se retirar da sala. — Eu sei.

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Comments

Xu Mengjie

Xu Mengjie

tudo tem a sua primeira vez Mike

2023-03-10

1

Xu Mengjie

Xu Mengjie

ela quer te tirar dessa solidão profunda que não te deixa seguir em frente

2023-03-10

1

Aud Wan

Aud Wan

Calou o homem kkkkk

2022-10-08

2

Ver todos

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