Capítulo 1

^^^Dois Meses antes^^^

 

           Haviam dois prédios na cidade, um perto do outro. O lugar é divido em três zonas, o sul, o norte e leste, todos na mesma proporção de tamanhos. Casas bonitas, grandes, geométricas e paralelas uma com as outras. Todas seguiam num tom claro, limpas e rodeadas de árvores verdes com as belíssimas plantas cultivadas.

          Minha casa ficava centralizada entre as divisões da cidade. Era bonita, grande e aconchegante, mas nada diferente das outras. Tinha a cor comum da cidade, com duas arvores na frente e a grama bem cortada. Sem mencionar o cachorro peludo que havia adotado quando filhote, Bobby.

          Naquela manhã eu havia recebido dezesseis ligações nas quais todas foram ignoradas. Tudo oque fiz, além das rotinas matinais, foi vestir um terno limpo, dar um beijo na cara peluda de Bobby e tirar o carro da garagem dirigindo até o segundo prédio da cidade, do lado sul. Enquanto segurava o volante com uma das mãos, passei a outra livre sobre o banco à procura do café no copo descartável, o agarrei assim que encontrei e levei o canudo até a boca sugando o café gelado. Assim que aquele líquido amarelado chegou em minha garganta, percebi que estava mais estragado do que poderia aguentar beber e voltei a jogar dentro do copo. Foi a primeira vez que havia jogado um lixo na rua, sem ao menos pensar se seria o correto ou não. Talvez nem ele mesmo tenha percebido o ato que fez.

Estacionei o carro depois de quinze minutos dirigindo e desci do automóvel vermelho, caminhando até a porta do prédio e entrando calmamente.

— Bom dia, Sra. Sherman! 

Cumprimento a idosa sentada do outro lado do balcão que se levantou o mais rápido que sua coluna permitiu e virando-se para mim. Era cedo demais e ela sabia que nunca chegaria a esse horário, porque apesar de ser um ótimo vendedor tecnológico e dono de tudo aquilo, chegava sempre quase duas horas do horário agendado.

Era um cara legal, mas era péssimo com horários.

Dorothéa Sherman apenas assentiu em repetidas vezes e ergueu dois papéis em minha direção. "Um cara bonito para mim", deve ter pensando após abrir o sorriso simbolizando tal pensamento.

— Bom dia, Sr. Bullock. — Respondeu graciosa abrindo mais um sorriso. — Chegou mais papeladas hoje de manhã, creio que deveria pelo menos ler desta vez. — Sugeriu.

— Está bonita hoje. — Disse piscando de um olho e dando de ombros. — Calada fica ainda mais. — Agarrei os papéis e virei as costas para o mulher com os olhos arregalados, provavelmente imaginando seus galãs dos livros eróticos que costumava ler às escondidas na recepção. — Diga ao Mike para cancelar as reuniões de hoje, estarei ocupado demais.

Claro, era uma das mentiras que deveria contar outra vez. O que estava quase fazendo parte da rotina ultimamente, mentir. A verdade, é que eu estava farto de dizer as mesmas coisas repetidas vezes para grupos diferentes de pessoas. Mesmo que meu discurso ganhe noventa por cento de todos que escutam, precisava de mais tempo para pronunciar cada palavra gravada.

Antes de entrar no elevador, embolei os papéis nas mãos e os joguei na lixeira ao lado da porta que se abriu quando apertei o botão do último andar. Entrei e esperei subir, até entrar na sala vazia que estava o escritório. Da mesma forma que havia deixado ontem, com mais um copo de café sobre a mesa, o mesmo que havia jogado na rua mais cedo e as canetas bagunçadas.

Assim que sentei na cadeira confortável, peguei meu celular e esperei que alguém ligasse, porque dessa vez atenderia. Esperei assim por longos minutos antes de alguém bater na porta e entrar antes mesmo de dizer alguma coisa.

— Como assim cancelar as reuniões? — Meu amigo perguntou num berro irritante. Ele segurava mais papéis em suas mãos e uma pasta marrom. — Eric, não! Precisamos subir os orçamentos, você cancelou sete reuniões apenas nessa semana sem ao menos pensar.

— Bom dia pra você também. 

— Não vou cancelar as reuniões, você as fará e nos dará vinte por cento das ações dos Gunter. Como combinado. —  A ordem fez-me pensar e levantei o rosto para ele com uma grande indiferença. — E precisa assinar as drogas dos papéis, por mais que machuque.

Assim que a papelada foi colocada sobre a mesa, as agarrei nas mãos e li as primeiras linhas, mas nas primeiras palavras senti meu corpo reagir de uma forma que nem mesmo saberia explicar. Quando meus olhos bateram sobre o nome dela foi como se meu coração tivesse sido arrancado do peito.

Cada canto daquelas palavras eram tudo oque eu não precisava ver, nem ao menos ter tocado. Joguei os papéis na mesa e fechei os olhos abrindo-os rapidamente.

— Parker. — Quase gritei batendo as mãos sobre a mesa, agarrando os papéis nas mãos e segurando para não rasgá-lo de uma vez por todas.

Em questão de instantes, o homem magrelo com seu enorme bigode debaixo do nariz caminhou para trás com o susto

— Eric. 

— Mike, já conversamos sobre a papelada. —  Passei as mãos no rosto com desdém. — Disse que não irei assinar ainda.

— Faz quatro anos, Eric. — Disse relembrando. — Já está na hora de seguir e você sabe disso mais do que qualquer outra pessoa. A cidade espera sua resposta, são nossas regras.

— Regras que eu mesma criei. — Me levantei da cadeira revoltado.

Ele sabia a respeito, Grace Bullock Pierce perdera a irmã quando mais jovem e recorreu a mim desesperada sem saber oque fazer. A forma mais exata naquele momento, agida por puro impulso, foi vender a propriedade que tanto lhe causava lembranças dolorosas. De início, a mãe Margareth Pierce não havia suportado a ideia de vender algo tão valioso para a família que trazia tantas lembranças boas de sua infância, mas com o passar dos dias percebera que era o melhor a se fazer.

A cidade inteira concordou com isso, com a melhora de Margareth perceberam que deixar oque te fere para trás era a melhor solução. Eu e Grace então decretamos junto ao prefeito Adam Miller, a regra dos lados da cidade, deixar para trás oque tanto te feria. Mesmo que hoje ele não seja mais o prefeito da cidade, ainda tínhamos uma regra.

Uma forma justa, mas todos estavam deixando de lado suas lembranças e se afastando de tudo que já fizeram um dia, mas não seriam eles que iriam perceber esse lado da história

— Exatamente. Você mais do que ninguém deveria saber a importância disso para todos nós. — Mike indagou e pegou os papéis da mesa, levantando o olhar. — Temos uma fortuna dada pela casa, aceite-a. Sei que é difícil, não foi só você que a perdeu...

— Ela era minha esposa! — Gritei com os olhos lacrimejados.

Não gostava de falar dela ou nada que lembrasse. Não era só por amor, ou o ressentimento que tenha ficado. Por mais que a cidade fosse tão unida e parte da família, ela era minha melhor amiga também. A amei demais desde sempre, nos três anos de casados percebi que não tinha nada depois de sua partida. Nada além de Bobby.

Falar em voz alta parecia doer mais do que esperado. Era tão jovem fadado a sofrer tanto?

— Grace era nossa amiga. — Mike corrigiu, levantou os ombros e apontou para o papel em minha direção. — Faz quatro anos que ela se foi. Quatro anos, Eric. Bastante tempo para pensar.

— Preciso ficar sozinho. — Voltei a sentar, sentindo-me derrotado por mínimos minutos que fora aquela conversa.

Mike, por sua vez, parecia sentir mais pena do que raiva. Talvez sentia falta do homem que fui à quatro anos atrás e por mais que ele tentasse mudar meu humor perdido, nunca conseguiria. A cidade tentou, os amigos tentaram, meu pai tentou e ninguém conseguiu. De fato, era um bom momento para desistir, mas ele parecia não querer isso com o melhor amigo que tratou como irmão toda a sua vida. E eu sentia pena nessa parte.

Audrey deveria ter me convencido, já que era próxima de Grace. Mas nem ela, quanto qualquer outra pessoa, não conseguiu sequer que eu lesse mais de cinco linhas do papel de venda.

— Já está sozinho à quatro anos, do quanto mais precisa? —  Mike perguntou num tom magoado, tristonho e penoso. 

— Do bastante. — Sussurrei sem ao  menos levantar o rosto, observando as pontas dos dedos.

— Certo. As reuniões começam em menos de duas horas.

Virou as costas e saiu. Me encostei na poltrona e ouvi o celular tocar por cima da mesa, vibrando em repetidas vezes. Segurei o aparelho na mão, observando a foto de Grace, Bobby filhote e eu num dia qualquer no parque da cidade. Os cabelos loiros dela estavam soltos, com o sorriso tão alegre que mal sabia se aquela mulher já havia sofrido alguma vez. Observei até atender.

Ficava imaginando as vezes se ela fora tão feliz mesmo, não era possível que uma pessoa não tivesse alguma dor escondida. Eu, por outro lado, não tinha. Mas a que carrego hoje, é maior que qualquer outra dor possível. E saber que jamais seria feliz novamente, perceberia o quão as mulheres são tão diferentes uma da outra, porque eu sabia que jamais iria encontrar outra.

Pelo menos não nessa vida.

— Bullock... Eric Bullock? — A voz do outro lado era feminina, fina e calma demais. Uma das pessoas que não me chama de Pierce, algo raro de se acontecer menos depois de tanto tempo sem o nome.

— Sou eu. Quem é? — Pergunto já entediado.

— Até que enfim, você não é fácil de se encontrar.

— Quem é? — Repeti mais uma vez.

— Creio que não me conheça pessoalmente. Faz alguns anos que proponho um negócio com o senhor e...

Desliguei no mesmo momento, guardando o celular no bolo. Sabia exatamente quem era aquela mulher e não tinha ideia de como havia conseguido meu número pessoal. Passei as mãos no rosto, sentindo os fios finos da barba mal feita rasparem na palma da mão, então me levantei e decidi ir até a cafeteira na frente do prédio.

Não é a primeira vez que aquela mulher ligava e me incomodava em relação a venda da casa, dizia que seu avô era o dono da propriedade antes de vender e ir para Califórnia. Outro assunto que não entendia, ela pagaria o dobro do que foi oferecido pelo lugar. Seu interesse pelo canto era muito para quem não queria ao menos vender. Nunca a vi e a odiava, sentia que ela queria roubar tudo oque sobrou de Grace de algum modo.

Descendo pelo elevador, fiz questão de ignorar a idosa lendo seu livro erótico e caminhei até a saída. Desci os pequenos degraus com a mão no bolso e enxerguei a cafeteria do outro lado da rua. Assim que vi o homem de costas, vestido de branco e conversando com os clientes sentados na mesas de fora no lugar, abri um sorriso sentindo o cheiro confortante do morno em seu nariz.

— Bom dia, Luke. — Disse e o homem com os cabelos encaracolados se virou.

Estava com um avental branco com um desenho de uma xicara de café e a fumaça cinza sobre ela. O rosto fino, os olhos claros como a lua junto ao sol e a pele lisa como a de um bebê. Me perguntava como ele conseguia não deixar a barba nascer, ou se ele realmente tinha algum fio de pelo naquele queixo assustadoramente alinhado.

Bom dia, homem dos negócios. — Respondeu com a bandeja na mão e dois cafés sobre ela. — Já irei pedir que prepare seu café especial.

— Sinto o cheiro dele em especial daqui. — Sorri puxando a cadeira ao seu lado para se sentar. — Fiquei sabendo que se inscreveu para o concurso de chefe na Califórnia.

— Mike. —  Luke revirou os olhos sorrindo. — Aquele homem não aquieta a língua um segundo apenas. — Colocou o café na mesa ao lado e a mulher agradeceu com um sorriso aberto para o dono no local. — Se inscrever não quer dizer nada. São poucas as vagas.

— Você tem talento, todos sabemos disso. — Falei sincero se sentando na cadeira. — Boa sorte, Luke.

— Obrigado, Eric. —  Assenti feliz. — Será o primeiro a saber. 

— Eric? — A mulher se ergueu da cadeira e balançou a cabeça desacreditada. —  Eric Bullock?

Assim que a mulher terminou de falar, me levantei surpreso e reconheci a voz de mais cedo. Fina, calma e irritante. A mulher que estava odiando sem ao menos conhecer, e mesmo estando errado eu sabia que ela iria vir aqui em algum momento e não imaginaria que fosse tão cedo, querendo sua bela e tão querida casa.

— Sou Nora Olsen. — Ergueu a mão direita, com as unhas finas pintadas de um rosa tão claro que estavam aparentes.

Abaixei o olhar para a mulher dos olhos azuis, que era um pouco mais baixa que eu. Tinha a maquiagem bem feita, os cílios grandes, um par de brinco brilhantes e o cordão de cristais em volta do pescoço. A pele parecia tão bem cuidada que sentia medo até de tocar. Parecia muito as prostitutas que costumava visitar, com vestes diferentes, a pele menos oleosa e uma índole mais ainda.

Ergui os ombros e a observei abaixar a mão desajeitada e com vergonha. Percebi a diferença entre os dois bruscamente, então fechei o rosto e me mantive reto. Era apenas uma mulher da cidade grande e por mais que se vestisse com ternos caros, nunca seria como um homem nobre de Califórnia como esta em sua frente. Em pé, chique, cheirando uma loção que valia seu carro antigo e a pele limpa como a de um bebê. Lembrava-lhe Luke, com cuidados femininos tão aparentes que duvidada de sua heterossexualidade.

E duvidaria sempre se não o visse visitando as mesmas mulheres que eu.

Em instantes, a moça abriu um sorriso mostrando os dentes brancos retos e deu um passo para trás.

— Educado como no telefone. — Ela disse num tom animador e permaneci calado, erguendo ainda mais o corpo e virando as costas. — Não irei mordê-lo, Sr. Bullock. — Quase gritou desajeitada e dei de ombros.

— E o café? — Luke perguntou num berro, virei o rosto observando os dois me encarando de pé.

— Peça ao Mike que leve até mim. — Pedi e meu amigo assentiu, olhei uma última vez para Nora e voltei a caminhar em direção ao prédio.

Distanciando-me dela o mais urgente possível.

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Comments

Aud Wan

Aud Wan

Não acredito kkkkkkkkkk

2022-10-08

1

Aud Wan

Aud Wan

Luke é Bi, certeza kkkkkkkkk

2022-10-08

1

Aud Wan

Aud Wan

Destino??? HAHAHA

2022-10-08

0

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