A Sombra de Kate

~ Raziel

Estou inquieto especialmente essa noite.

O corpo nu de Cassidy adormece ao meu lado após uma transa alucinante, mas nem mesmo seus encantos femininos me fazem relaxar.

Cada parte dos meus músculos estão em alerta hoje.

Levanto da cama e me visto, disposto á mais uma ronda noturna. Não sinto a presença de nenhum soldado na floresta. Não parece ter nenhum perigo rondando a noite fria de Junho, mas ainda sinto meu corpo ligado em pura adrenalina.

Encaro mais uma noite fora do chalé em White Moutain.

Fazem exatamente 35 dias desde a maldita noite! E tento me convencer de que não é sobre isso toda a minha perturbação noturna.

Quando cai a noite, meu corpo parece entrar em um estado crítico e doentio. Fico inquieto e angustiado, suando frio e tendo tremores como se sofresse de abstinência.

Há dois dias havia matado um Semyta qualquer que parecia perdido e pedia informações na cidade. O atraí e consegui leva-lo para uma caverna. Precisava de minha dose do inimigo ou meu corpo entraria em colapso.

Mas isso não havia sido suficiente. Ela ainda vem até mim como uma maldita sombra me perturbar. Tem sido assim todas ás noites desde a luta na floresta.

Desde que morremos juntos, segundo Dylan.

Não me lembro de ser carregado até a casa do lago. Menos ainda de Dylan ter feito um procedimento que eu nunca aprovaria. Isso o custou uma grande surra e duas cicatrizes, pra que se lembre de sempre obedecer minhas ordens mesmo que eu esteja morrendo.

Eu o ordenei fugir com ela, para que jamais se arriscassem por mim. Havia aceitado meu destino, porque eu mesmo o tracei.

Lembro-me de acordar, com todo vigor como se tivesse acabado de nascer e descobrir tudo o que Dylan havia feito... Cara, eu bati tanto nele que quase o mandei pro inferno. E não me arrependo. Treinei o infeliz para obedecer independente das circunstâncias, e tudo que recebi foi a tomada de uma decisão própria.

Porque fez aquilo? Porque me deu o sangue dela, quando era ela quem devia ter sido salva, e não eu?

Não consigo acreditar que ela o tenha dobrado.

Ela era uma mera Semyta, e não me permito sentir culpa. Matar o inimigo é nosso dever. Todos eles deveriam desaparecer da face da terra. Mas porque a morte dela não me trazia paz como todos os outros cadáveres?

Por estar sentindo sua presença cada vez que respiro.

Talvez por fechar os olhos e seus cabelos de fogo me atormentarem; ou porque a porra do meu corpo sente de não ter visto sua morte e talvez, também seja porque sinto que deveria estar viva e eu morto.

Nos últimos dias eu fiz tudo o que minha estrutura Anaque rogou.

Usei o corpo de Cassidy o máximo que consegui, até vê-la sangrar pelo tanto que entrei e sai explorando cada espaço de seu corpo. Me alimentei do sangue Semyta, briguei com Dylan em uma luta quase mortal.... E nada afastou a sombra de Kate da minha mente.

Como se sua loucura viesse junto com seu sangue.

Inadmissível que isso não passe. No início, achei ser algo relacionado apenas ao sangue, agora, sofro com a idéia de nunca mais voltar a ser são por ter pesadelos com a morta.

Corro pelo perímetro em volta da cabana abandonada que achamos enquanto fugíamos, reconhecendo cada ponto marcado por mim e D para nossa própria segurança. Segundo ele, o corpo dela havia sido deixado ás margens do lago onde a polícia a encontrou e havia sido enterrada no Cemitério onde sua família jazia.

A cabana no ponto mais baixo do Park era escondida e sua entrada quase submersa pela cachoeira e correnteza que passava abaixo dela. Um esconderijo adaptado por nós para viver até acharmos algo mais civilizado. Anaques não ligam para conforto, mas D e Aurora deram um jeito para que a enorme construção de madeira parecesse um lar.

Mudo a direção da corrida que faço pela terceira vez essa noite e resolvo dar uma volta de carro. Preciso esfriar a mente ou vou surtar!

Corro pela floresta até avistar a caminhonete que escondemos sob folhas secas e algumas peles de animais para esconder nosso cheiro e evitar sermos rastreados.

Quando pego a estrada, ainda muito tenso, me vejo atraído pela segunda vez para o lugar onde seu corpo deveria estar.

Na primeira noite após seu enterro, eu havia estado lá. Precisava ver por mim mesmo.

Ainda lembro-me de seu perfume, pêssegos e chocolate misturado ao cheiro de terra e granito. Foi o mais próximo que cheguei do seu corpo. Mesmo não o vendo, precisei de todo autocontrole para não tira-la de lá e ter certeza de que não possuía mais vida.

Talvez tenha sido esse o problema, não ter visto seu cadáver.

Mas aquele ancião estava rondando e eu não podia arriscar chamar atenção nem dele, nem do bando. Aurora estava na cidade e eu precisava protegê-la.

Mesmo assim, foi difícil me afastar daquele cheiro. Tenho certeza que seu corpo agora está enterrado em algum mausoléu Semyta. Era hábito enterrarem seus mortos em suas terras, e festejarem em um longo velório. E não era surpresa removerem o corpo.

Mas eu sou atraído até o cemitério. Que seja! tudo para conseguir dormir em paz pelo menos essa noite.

Deixo a caminhonete do lado de fora na rua lateral. Já é noite, e á não ser que haja adolescentes góticos brincando com forças que eles desconhecem, estará totalmente vazio.

Entro e sou invadido por aquele cheiro novamente que quase me faz cair sobre meus joelhos e gritar por piedade. Seria ridículo pensar que estou preso a alma de uma ex louca.

Deveria ser essa sentença por tirar sua vida? Um tormento eterno em vida com sua presença invadindo meus sonhos e me perseguindo a cada passo?

Mesmo não querendo aceitar e odiando tudo sobre ela, seu sangue estava dentro de mim. Sua vida havia salvado a minha.

Se não fosse a maldita missão, jamais estaria nessa situação. Longe do santuário e vivendo como um nômade foragido correndo o risco de ser decepado a qualquer momento. Colocando em risco a vida preciosa de Aurora.

Mas aquele perfume foi como um golpe em meu ego. Mesmo morta á infeliz atormentava meu juízo.

E como já não reconheço o Raziel que me tornei, sigo em direção a doce fragrância do meu próprio inferno.

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