Tudo começou num daqueles dias quentes em que as pessoas aproveitavam qualquer vento entabular nas janelas. Ruama estava muito feliz para se preocupar com alguma coisa, depois que conheceu a verdadeira história da sua mãe, ela saiu pela floresta correndo, carregava consigo o que a chamava de “tesouro”, uma pequena caixa de papelão com tudo que pertenceu a sua mãe, saiu cantando em voz alta e dançava ao ritmo que seu corpo era levado, as árvores, as flores e os galhos secos eram seu mundo onde se transformava em fantasia e para ela aquilo que chamava de realidade. Ainda cantando e repetindo por varias vezes “lá, lá, laiá...” ela preparou o altar no tronco aberto de uma árvore, cobrindo de flores minúsculas, abriu a caixa e colocou a foto da mãe sobre ela, pendurando em cima da foto o colar com pingente de coração, depois preparou um assento com galhos e folhas secas e novamente começou a dançar, girava por diversas vezes, segurando a ponta do vestido, batendo os pés no chão algumas vezes. Enquanto ela se deliciava nas suas fantasias, imaginando sua mãe e fazendo de tudo em pensamento para ser igual a ela, sentiu algo passar rapidamente próximo ao seu ouvido, parou imediatamente o que estava fazendo e olhou pausadamente ao seu redor, depois correu dando uma longa volta numa árvore distante e parou diante de um garoto que estava escondido nos matos, ela violentamente pisou em um de seus pés, fazendo o garoto gritar de dor.
- O que pensa que está fazendo? Gritou ela com o intruso.
- Isso dói! Berrou o menino.
- Quem é você?
- Não lhe interessa.
- Só vou lhe perguntar mais uma vez, quem é você? O garoto se levantou e olhou fixo nos olhos de Ruama enfrentando-a, ele era um pouco mais alto que ela, cabelos ondulados e claros, olhos cristalinos como o rio e uma confiança em sua voz.
- Me peça desculpas. Ela também olhava fixamente para ele sem medo algum, Ruama era uma garotinha magrela, com pele avermelhada e cabelos compridos, um olhar negro e profundo com um ar de superioridade.
- Não. Ele empurrou a garota no chão e lhe deu as costas seguindo seu caminho, mas ela levantou furiosa e segurou ele pela camisa fazendo-o parar.
- Eu não vou bater numa garota, pode me soltar? Gritou o menino, mas ela rebateu no mesmo instante.
- Mas eu posso bater num garoto. E deu-lhe um soco no nariz, fazendo o menino ficar zonzo por alguns segundos, mas naquele momento alguém apareceu e gritou com ela, pegando Ruama pelo braço.
- Ei menina, o que pensa que está fazendo? Era um garoto bem maior que os dois.
- Deixe ela Valter, confesso que eu a aborreci, não devia provocá-la.
- Peça desculpas para meu senhor. Ruama estava furiosa e respirava fundo, não sentiu medo e olhava para as duas pessoas ali na sua frente com raiva, só não entendia porque aquele garoto a defendeu, foi ela quem bateu nele.
- Já disse para soltá-la.
- Mas, senhor?...
- Valter, não questione minhas ordens, solte-a, e vamos embora!
O jovem abaixou a cabeça e soltou a menina, naquele momento Ruama saiu correndo ao lugar que antes estivera, pegou sua caixa, colocou tudo dentro e voltou para casa correndo. Enquanto caminhava pensava no olhar daquele menino, era a primeira vez que via uma criança como ela, seu mundo adulto lhe transformou em uma pessoa que não era. Assim que entrou no casebre Mariana olhou para ela com as mãos na cintura e disse:
- Onde esteve, mocinha? Já lhe disse para não ir tão longe. E não quero você no lado sul da floresta, chegou um grupo de ciganos e eles se espalharam pela região, trata-se de um clã muito perigoso. Ruama olhou seriamente para aquela mulher e disse despreocupada:
- Não se preocupe, eu sei mim proteger. Mariana sorriu e voltou para a cozinha.
Ruama tinha apenas seis anos, era uma garotinha solitária, mas com uma imaginação extraordinária, viajava num mundo de fantasias do qual ela vivia quando estava muito triste ou alegre demais. Seu pai era Moacir um homem bruto que a tratava como um lixo, ela não se importava muito com isso, pois tinha o amor de João e Mariana. Durante os dias seguintes ela pensava em voltar ao seu lugar preferido na floresta e naquela manhã foi o que ela fez, depois do seu café, saiu correndo para o lugar que mais gostava e correndo entre as árvores começou a dançar, isso era o que ela fazia com frequência, dançava entre as árvores e olhava o imenso céu azul, quando enfim ela parou para descansar, ouviu ao longe uma cantoria animada, aquele barulho novo e harmonioso chamou sua atenção, ela caminhou devagar acompanhando a música e depois de percorrer um caminho um pouco longo, viu o acampamento dos ciganos do qual Mariana tinha lhe falado, mas o que lhe chamou atenção foi um grupo de adolescente que dançavam em forma de roda e batia os pés no chão, usavam vestidos longos, de cores forte, cheio de babados e rendas nas bordas, tinham cabelos longos e ondulados com pendões de ouro em volta da testa, ela ficou tão fascinada com a beleza que sentou no chão e ficou a observar por longos minutos, as jovens dançavam e cantavam uma música em outra língua, Ruama sorria e se via ali no meio também dançando e cantando, quando de repente sentiu alguém puxar-lhe violentamente os cabelos, ela gritou alto, enquanto alguém lhe arrastava pelos cabelos até o grupo de adolescentes.
- Olha o que achei, bisbilhotando a gente. Uma das garotas olhou para ela com desdém.
- Quem é você? Uma outra jovem, que parecia ser a mais velha de todas, segurou Ruama pelo braço, colocando-a de pé e perguntou:
- Porque estava nos espionando?
- Vamos dar uma lição para ela nunca mais voltar aqui, peguem um cipó. Naquele momento Ruama, olhou ao redor, procurando uma escapatória, enquanto uma das jovens segurava seus dois braços presos nas costas, mas ela não disse uma única palavra e continuou de cabeça erguida, olhando firme para as jovens. Uma das meninas voltou com um cipó fino na mão e disse sorrindo de forma maldosa:
- Eu sou a primeira. E estirando o cipó, bateu duas vezes nas pernas de Ruama fazendo ela estremecer, enquanto as outras davam gargalhadas, uma voz soou para elas.
- O que pensam que estão fazendo? As jovens imediatamente soltaram Ruama e baixaram seus rostos para o chão. Porque estão maltratando a minha convidada? Uma das jovens falou num tom baixo.
- Perdoe-nos senhor, ela estava nos espionando.
- Mas isso não lhes davam o direito de maltratá-la.
- Por favor senhor, nos perdoe.
- Dessa vez passará, mas não quero que isso se repita, entenderam? Elas balançaram a cabeça em confirmação e o jovem pegou na mão de Ruama levando-a até uma tenda pequena, onde tinha uma mulher velha sentada num banco pequeno. - Divina. Ele sussurrou para a senhora. Pode cuidar dela para mim, as meninas usaram um cipó de sageretia elegans.
- Sim, meu filho. E voltando-se para Ruama continuou. Não foi nada, vou passar algo e logo ficará bem. O menino olhou para Ruama com um olhar diferente da primeira vez.
- Eu sinto pelo que aconteceu, não se repetirá, eu prometo. Ele estirou a mão para ela. Eu sou Alejandro Shandor, pertencemos ao Clã Kalon. Ela ainda estava tremendo, mas sorriu para ele.
- Ruama.
- Amigos? Ela balançou a cabeça sorrindo.
- Amigos.
Assim que a cigana terminou, Alejandro acompanhou Ruama pelo caminho de volta, eles seguiram em silêncio e por mais que ela quisesse tagarelar, mas preferiu não dizer nada. No entanto, assim que chegaram próximo a estrada ele sorriu para ela.
- Tenha mais cuidado da próxima vez.
- Obrigada. E assim ela correu para casa. Aquilo era o começo de uma longa e fiel amizade.
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Atualizado até capítulo 87
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