Ascensão nas Sombras
Nuvens escuras se aglomeraram no céu, engolindo o azul e o brilho do sol em questão de segundos. Relâmpagos cortaram o ar, seguidos por trovões ensurdecedores que reverberam pelas ruas da cidade. A mudança abrupta assustou seus habitantes; até um momento atrás, o sol brilhava intensamente.
Mas, apesar do susto, poucos pararam para pensar no fenômeno incomum. Os que estavam nas ruas correram para se abrigar da tempestade iminente, enquanto outros se apressaram para voltar a suas casas. Era uma cidade como tantas outras, onde o caos parecia sempre iminente, mas a indiferença persistia.
Em uma rua afastada, distante do burburinho do centro, uma jovem com roupas simples de empregada atravessava os becos, correndo com uma sacola apertada entre os braços. Seus pés mal tocavam o chão, como se estivesse fugindo para salvar sua vida — e, de fato, ela corria para salvar uma vida, embora não fosse a sua.
Ela chegou a uma imponente mansão, uma construção antiga que exalava riqueza e poder. Subiu rapidamente pelos jardins exuberantes, desviando-se dos servos e tomando cuidado para não ser vista. Seu destino era um pátio escondido nos fundos da mansão, um lugar que contrastava profundamente com o restante da propriedade. Ali, as plantas estavam murchas, a grama seca, e até o pequeno lago estava poluído e esquecido. As paredes, rachadas e envelhecidas, contavam histórias de abandono.
Entrou em um quarto sombrio, de teto remendado com feno, que mal oferecia proteção contra a chuva iminente. O ar estava pesado, cheirando a mofo e desespero. Na cama, uma criança pálida, com não mais que dez anos, repousava imóvel. Seu rosto, embora bonito, estava marcado pela doença, e seus olhos, mesmo fechados, pareciam carregar o peso de uma vida que mal havia começado, mas que já estava no fim.
— Senhorita, por favor, aguente mais um pouco — sussurrou a jovem, ajoelhando-se ao lado da cama e segurando a mão frágil da criança. — Eu consegui as ervas. Vou preparar o remédio... por favor, só aguente...
Suas palavras saíam trêmulas, quase inaudíveis, enquanto as lágrimas começaram a cair. A criança, sem abrir os olhos, levantou o braço com esforço e tocou levemente a cabeça da jovem, acariciando-a de forma quase imperceptível. Aquele gesto foi suficiente para quebrar o último fio de controle da empregada, que se levantou chorando em silêncio e correu para preparar o remédio.
Sozinha no quarto, a criança soltou um suspiro profundo. Ela havia desistido. A dor e o sofrimento tinham consumido suas forças, e a morte parecia uma libertação bem-vinda. Não havia raiva em seu coração, nem desejo de vingança contra aqueles que a abandonaram. Apenas uma tristeza profunda e um último resquício de remorso, por deixar a única pessoa que a amou verdadeiramente, sozinha no mundo.
Com os lábios rachados e trêmulos, ela sussurrou suas últimas palavras ao vazio:
— Nunca te pedi nada... tosse... mas, por favor, proteja a última pessoa que ainda me resta... que ela viva uma vida boa... feliz... seja Deus ou demônio que me ouça... eu só quero... tosse... que ela viva bem...
O suspiro final escapou de seus lábios, e com ele, sua vida. Lá fora, a tempestade se intensificou. Relâmpagos iluminavam o céu, enquanto trovões pareciam rugidos de divindades furiosas. E então, o silêncio absoluto caiu sobre tudo.
Minutos, talvez horas, se passaram. O quarto permaneceu quieto, o corpo da criança imóvel. Mas então, algo estranho aconteceu. Seus olhos, que deveriam ter se fechado para sempre, se abriram abruptamente. Um brilho verde profundo emanava deles, calmo, mas ao mesmo tempo caótico, como um abismo que poderia engolir tudo à sua volta.
Um sorriso leve se formou em seus lábios. E então, uma voz rouca, porém firme, ecoou pelo quarto vazio:
— Nem Deus, nem demônio... mas você pode descansar em paz, criança...
Os olhos se fecharam novamente, e o corpo caiu em um sono profundo. Mas quem ou o que estava agora naquela forma frágil, ninguém sabia ao certo.
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Atualizado até capítulo 29
Comments
Thainá
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2022-12-06
0
Seiji
Cara... pura emoção nesse primeiro capítulo, sem palavras para descrever...
2022-02-20
7