— Nós encontramos isto na rua quatro semanas atrás. Lá estava este grande pacote de dinheiro descansando na calçada, tarde da noite. Dois mil dólares, Anny! Queremos que você fique com eles. Olhamos nos jornais, perguntamos para a polícia, ninguém reclamou o dinheiro. Deve ser proveniente de drogas, mas seus pobres
animais não sabem disso. É melhor que seja gasto com eles do que com algum traficante. E, por favor, não me diga que não aceita!
Anny suspirou:
— Gertie, eu nem sonharia em não aceitar... Mas acho que você e seus amigos sem-teto precisam mais do que eu. Podemos dividir, o que acha? Mil para cada uma.
— De jeito nenhum — Gertie meneou a cabeça com veemência. — Nós estamos acostumados a viver na pobreza e sem termos um lar, toda essa quantia não teria grande utilidade. Gostamos muito de bichos, e vou ficar ofendida se você
recusar o presente.
Anny olhou o envelope.
— Está bem.
Anny estava resignada e agradecida. Sabia que aquela mulher era teimosa e não pararia de insistir até que aceitasse. Além do mais. estava precisando muito do dinheiro.
— Você achou esse envelope em Plainfield? — colocou-o sobre o balcão e pôs duas xícaras na mesa.
Respondeu Gertie.
— Lá mesmo, na rua Front, como uma dádiva de Deus.
Anny abaixou-se para abraçar a mulher mais velha, que sempre tinha o aroma de lírio do vale.
Estranho. Ela nunca pôde entender o porquê daquilo. Como uma pessoa tão pobre, que morava na rua e tomava banho raramente, podia cheirar a lírio do vale?
Bem, talvez tivesse sido presenteada com um vidro de perfume por alguma senhora bondosa.
Gertie tinha bastante idade, devia ter no mínimo setenta e cinco anos, mas era conservada. Setenta e cinco anos de juventude, como costumava dizer.
Parecia magra e delgada, mas era difícil dizer com certeza, devido a tantas camadas de roupa que usava. Os sapatos eram rasgados e desgastados, as luvas tinham furos nos dedos, e o gorro de tricô estava cheio de bolinhas. Para uma setuagenária, tinha a pele ótima, com poucas rugas, faces rosadas e os olhos azuis mais brilhantes que Anny já vira. E a expressão era da mais pura bondade.
Anny conheceu Gertie poucos meses atrás, quando ela apareceu em sua residência procurando emprego. Anny mal tinha condições de arcar com suas despesas, que dirá contratar uma empregada.
Todavia, gostou de Gertie, e as duas conversaram durante horas.
Gertie lhe contou sua história comovente.
Foi morar na rua porque fugiu de casa, uma vez que os filhos que a sustentavam resolveram interná-la em um asilo para idosos. Inconformada com a situação, ela decidiu que era melhor viver na pobreza, porém com certa dignidade e independência.
Anny a considerava uma mulher forte e corajosa e, acima de tudo, com um grande coração. Depois disso, tornaram-se grandes amigas, e Gertie passou a visitá-la sempre que podia, levando ossos e plantas para os animais.
— Você veio andando desde Plainfield, Gertie? — Anny tirou a chaleira do fogão.
Gertie assentiu com um movimento de cabeça.
— Scotch Plains não é tão longe assim. Deixei meu buggie lá fora.
Isso significava que todos os bens materiais de Gertie estavam no carrinho de supermercado que ela ganhara, e se encontravam do lado de fora da clínica de Anny.
— Aqui está seu chá. Gertie, forte e puro, como você gosta — Anny serviu-se também e sentou-se diante da amiga. — É quase Natal. Vai telefonar para seus filhos? Deveria. Eles devem estar morrendo de saudade sua. Além disso, o Natal é
uma época perfeita para reconciliações.
Gertie fez que não.
— Por que eu faria isso? Para que eles me coloquem num asilo? Ah, não, de jeito nenhum! Gosto das coisas como estão. Apesar de pobre, sou feliz, querida. Vou passar o Natal com meus amigos. Agora, não quero mais falar sobre mim. Por que esse jeitinho de quem chorou?
Anny apontou para sua escrivaninha de trabalho, que ficava numa saleta anexa à cozinha. Não havia porta separando os dois ambientes.
— Contas não pagas. E uma carta do sr. Peter King. É aquele sujeito do qual lhe falei. Os quarenta e sete advogados dele não conseguiram me manipular, então agora ele decidiu vir aqui pessoalmente. Se acha que vai me convencer, está muito enganado. Deve chegar às quatro e meia da tarde.
— Aqui?! — Gertie teve um sobressalto, quase derrubando a xícara.
Ela ficou inquieta, nervosa.
Anny falou:
— Sim. Creio que irá fazer a oferta final. Ou talvez acredite que possa me intimidar. Imagine... Esta propriedade está com a minha família há mais de cem anos. Não a venderei para um sujeito tolo e arrogante que pretende transformá-la numa loja
de cosméticos. O que um homem entende de batons, rimei... de qualquer forma?
Quem se importa se é um dos maiores fabricantes de cosméticos da Costa Leste? Eu
nem mesmo uso batom. Estes lábios são tão beijáveis quanto ficariam de batom, e os
produtos oleosos dele não me farão mudar de idéia.
Gertie quase não ouvia Anny falar. Mas falou sobre a oferta.
— Tenho de ir agora, Anny — Gertie afirmou, de repente.— Então pretende recusar a oferta dele?
— Gertie, olhe a seu redor. O que faria em meu lugar? Para mim, esta casa é importante porque sempre pertenceu a minha família. Mas para King não significa nada. O que há de tão especial neste lugar, neste pedaço de terra? Deixe-o ir a Fanwood, qualquer canto, menos aqui. Não concorda comigo?
Gertie hesitou.
— Não sei. Localização é tudo. Isso é primordial. O local tem de ser o certo, e você, minha querida, está bem localizada para as necessidades desse homem, quaisquer que sejam elas — Gertie fez uma pausa e acrescentou: — Além disso, qual
o sentido de se manter presa ao passado? Se a venda da propriedade poderá solucionar todos os seus problemas, por que relutar? Se eu estivesse em seu lugar, pediria um preço mais alto.
Anny ponderou sobre as palavras da amiga.
— Talvez você tenha razão.
— Estou ouvindo o barulho de uma caminhonete. Olhe, Anny, a Wishnitz está aqui com sua ração de cachorro.
— Eu não pedi nenhuma ração — Anny franziu o cenho, sem entender.
— Sendo assim, é melhor você dizer isso a ele, porque o camarada está descarregando grandes sacos. Vejo você amanhã.
Anny a olhou.
— Gertie, eu gostaria tanto que você ficasse! Está esfriando demais.
— Obrigada, querida, mas não posso. Meus amigos estão a minha espera. Eles precisam de mim — e esboçou um sorriso doce.
Anny assentiu.
— Certo. Obrigada pelo dinheiro. Diga a seu pessoal que estou muito agradecida. E tome cuidado.
Anny acompanhou Gertie e a viu ir embora, depois ao avistar o motorista, reclamou:
— Ei, eu não pedi ração para cães!
— Bill falou que é um presente. Duzentos e cinqüenta quilos para cães, dezesseis sacos para gatos e dois de sementes de passarinho. Pode assinar aqui, por favor?
— Quem mandou isso? -- perguntou Anny.
— Não sei, senhora. Sou apenas o motorista e estou cumprindo ordens. Se quer saber detalhes, ligue para a loja. Onde quer que eu coloque isso?
— Nos fundos.
Em seguida, Anny ligou para a loja, para se certificar de que aquilo não era
um engano.
— Está me dizendo que uma pessoa anônima entrou aí e pagou por tudo isso?
O homem do outro lado da linha confirmou.
Falou Anny:
— É uma fortuna em ração para cães e para gatos! Não tem idéia do nome da pessoa?
— Não, senhora.
— Certo, obrigada.
Anny suspirou ao desligar o telefone.
Uma beagle chamada Annabelle pôs a pata na perna de Anny.
— Eu sei. É hora do lanche e de uma corrida. Certo, todos vocês, sentem-se! Conhecem bem a rotina: marchar em uma fila ordenada para a área do canil. Parem quando chegarem ao portão e sigam para seus pratos designados. Cada um sabe qual é o seu. Sem trapaça, Harriet — avisou a uma gata branca e gorducha que a olhava
com desdém. — Vou contar até três e, quando eu assobiar, corram. Muito bom, estão
começando a me entender. Certo, aí vai, comida extra hoje, graças a nosso bom samaritano, seja ele ou ela quem for.
De repente:
— Bravo! Se eu não tivesse visto com meus próprios olhos não teria acreditado. Deve haver um total de trinta animais aqui, entre cachorros e gatos.
Anny virou-se e deparou com um homem alto, forte e bonito.
— Trinta e seis, para ser exata. E você é... ?— Anny consultou o relógio de pulso.
— Peter King. Você deve ser Anny Evans.
Ele se aproximou, para a irritação de Anny.
Continua...
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Atualizado até capítulo 37
Comments
blog da Vavá
Amo ver os dois juntos adoro /Heart//Heart//Heart//Heart/
2025-04-30
0
Marilza Motta
a estória está melhorando, parece que vai ter romance aí
2024-11-08
0
Eli Silva Aquino
atitudes GERTIE suspeitas
2024-10-29
1