Sombra parou na porta de vidro da loja de Tia Cida. O sino não tocou, pois ele segurou a porta com a mão espalmada, a força de seu braço tensionada sob a jaqueta de couro.
O silêncio na loja foi instantâneo, pesado. Bruno, que estava prestes a mostrar um vídeo engraçado para Letícia, sentiu o ar rarefeito. Ele se virou para encarar a figura intimidadora. Sombra era a antítese do asfalto: ele carregava o cheiro de pólvora e a tensão nervosa do morro.
Letícia e Laura empalideceram. Elas sabiam que o Sombra só aparecia para aterrorizar ou executar ordens. E a ordem de hoje vinha de um Dono do Morro enciumado.
"Boa tarde, meninas," Sombra disse, a voz grave e fria, ignorando completamente Bruno.
Laura tentou agir naturalmente. "Sombra! Que surpresa. Você veio nos buscar mais cedo?"
Ele finalmente desviou o olhar para ela, e Laura sentiu um arrepio. "Não. Vim conferir se vocês estão seguindo as regras da Tia Cida." Ele deu um passo para dentro, e a loja inteira pareceu encolher.
Bruno, sentindo a necessidade de proteger as amigas, mesmo sem entender a dinâmica, deu um passo à frente. "E aí, cara. A gente tava só conversando. Elas estão fazendo o trabalho direitinho."
Sombra moveu a cabeça lentamente em direção a Bruno. Aquele olhar era a tradução da palavra 'morte'.
"Quem é você?" Sombra perguntou, e a pergunta não era uma busca por informação, mas sim uma declaração de que a existência de Bruno era irrelevante.
Bruno engoliu em seco. "Eu sou o Bruno. Estudo com elas, a gente é amigo."
Letícia tentou intervir, gesticulando rapidamente para Sombra: 'Ele. É. Amigo. De. Escola. Laura. E. Eu.' Ela enfatizou o sinal de 'amigo' e 'escola'.
Sombra manteve o olhar fixo em Bruno, mas respondeu a Letícia, a voz firme e ríspida, para que o garoto entendesse o recado: "Eu não perguntei nada para você, Letícia. E desde quando você tem amizades no asfalto? Você tem a mim e ao Felipe. Já está de bom tamanho."
A humilhação de ser repreendida como uma criança na frente de seu novo amigo fez Letícia sentir-se pequena. Ela apertou as mãos em punhos, a raiva a inundando.
Sombra virou-se para Bruno. "Escuta aqui, 'amigo'. As meninas estão em horário de trabalho e elas têm obrigações. Não atrapalhe. Você não é bem-vindo aqui. Entendeu?"
Bruno, visivelmente intimidado, assentiu. "Entendi. Foi mal, gatas. Eu vou nessa." Ele pegou a mochila, deu um olhar de desculpas a Letícia e saiu apressadamente da loja.
Letícia se virou para Sombra, os olhos azuis cheios de lágrimas de fúria. Ela gesticulou, os dedos tremendo: 'Você. É. Um. Idiota! Coringa. Mandou. Você. Fazer. Isso!'
"O Felipe está cuidando de você, Letícia. Você o desafiou, e agora você paga as consequências," Sombra disse, frio, mas a visão das lágrimas dela o atingiu. Ele amava a Laura, mas Letícia era o ponto fraco de Coringa.
Ciúmes no Carro Blindado
Enquanto isso, a duas quadras de distância, Coringa via toda a cena se desenrolar pelo retrovisor de Sombra.
Ele ligou o rádio comunicador.
"Sombra! O que ele fez?"
"Calma, Coringa. Já resolvi. Dei um aviso. Ele não volta," Sombra respondeu.
"Você tocou nele?"
"Não. Eu só... conversei," Sombra mentiu, pois a simples intimidação de sua presença tinha sido o suficiente.
Coringa desligou o rádio, respirando fundo. Ele sentiu-se vitorioso, mas o sentimento foi rapidamente substituído por uma onda de ciúme ainda mais forte. Sombra havia estado perto demais de Letícia. Sombra viu os olhos dela marejados, Sombra viu o corpo dela tremer de raiva. E Coringa não estava lá.
Ele sentiu-se um tolo. Ele, o Dono do Morro, com medo de um garoto do asfalto e morrendo de ciúmes do próprio segurança.
O plano de afastamento de Letícia estava funcionando perfeitamente: ela estava criando uma distância emocional. Ele a estava protegendo, sim, mas estava permitindo que ela criasse laços em um mundo onde ele não tinha domínio. E aquilo o matava.
O Fim da Semana
Na sexta-feira, o clima na loja era de luto. Tia Cida percebeu que Sombra havia aterrorizado as meninas e tentou animá-las.
No entanto, o celular de Letícia continuou vibrando.
Laura sorriu e gesticulou: 'O. Vini. Me. Chamou. Para. O. Cinema.'
Letícia fez uma careta, indicando que era arriscado. 'Sombra. Não. Vai. Deixar.'
Laura piscou, com um sorriso de cumplicidade. 'Ele. Não. Precisa. Saber.'
Letícia concordou, mas a sua vitória era mais pessoal. Ela abriu a mensagem de Bruno. Não era um áudio, mas um texto: Eu sei que aquele cara é perigoso. Mas se você quiser, eu dou um jeito. Manda um sinal. A gente se vê na saída da escola.
Letícia sorriu. Ela estava com medo, mas a ideia de desafiar Coringa e Sombra ao mesmo tempo, de usar a sua "deficiência" como uma arma de sedução, era tentadora.
Naquela noite, Sombra buscou as meninas. O carro estava em silêncio absoluto. Coringa esperava no Bar do Alemão.
Quando Letícia desceu do carro, Coringa a encontrou no meio do caminho, o rosto de pedra. Ele olhou para ela, buscando a submissão, mas encontrou apenas o vazio.
Letícia pegou o seu bloco de notas e escreveu uma única frase, rasgando o papel e jogando-o no peito dele:
"Não. Se. Preocupe. Felipe. Seu. Ciúmes. Me. Cansa. Estou. Me. Afastando."
Coringa leu a frase, e o papel amassado escorregou de suas mãos. Ele soube naquele instante que havia perdido mais do que o controle: havia perdido o coração dela para o asfalto.
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Atualizado até capítulo 70
Comments
Viviane freixo
estou tentando entender a história mais está um bagunça
2025-11-03
0
Gigliolla Maria
conquiste ela Felipe..
2025-11-01
1