Entre o Amor e a Guerra

Entre o Amor e a Guerra

Capítulo 1

Campo Grande já não era cidade, era selva. E não daquelas onde os animais correm livres — ali, o que corria era sangue. A polícia? Estava presente, mas cega, surda e bem paga. Quem de fato comandava tudo eram as gangues.

Duas dominavam as ruas: A Fire Feng era um império de ferro e fumaça. Controlava 90% do território, reinava sobre prostíbulos, boates, clubes de strip e o tráfico que movia a cidade como engrenagem podre. Seus membros eram predadores — frios, organizados e cruéis.

A outra, os Black Dragons, vivia nas sombras. Pequena, estratégica, sabia que o segredo da sobrevivência era não provocar o dragão maior. Seguiam uma única regra: nada de extremos. Mas em Campo Grande, até mesmo o silêncio sangrava.

Naquela noite abafada, enquanto a cidade gemia debaixo das luzes artificiais, a Fire Feng se reunia no topo do morro, onde o caos parecia uma pintura viva lá embaixo. O problema era simples: alguém estava roubando seus carregamentos de drogas. Mas, pra eles, simples nunca foi sinônimo de leve.

A sala era suja, abafada, com o ar impregnado de cigarro barato, álcool velho e desconfiança. Victor, o líder, girava um anel de prata no dedo. Os olhos escuros vasculhavam a alma de cada homem à sua frente, como se pudessem encontrar o traidor apenas pelo cheiro.

Quando o último entrou — atrasado e irritante — Victor se virou com frieza.

— Que demora do caralho, Ryan. Tava metendo o pau em alguma puta ou esqueceu que essa porra aqui decide quem vive e quem morre?

Ryan, desgrenhado e com o cheiro de mentira no corpo, ergueu as mãos.

— Foi mal, chefia. A patroa precisava de ajuda, me enrolei. Não vai se repetir.

Luiz, encostado na parede como uma sombra desconfiada, soltou um riso seco.

— Ah, vá tomar no cu, Ryan. Todo mundo sabe que tu tava com a Mirela. A Flaviane já tá virando rebanho de gado de tanto chifre.

Risadas ecoaram pela sala, menos a de Luiz. Ele observava Ryan como um caçador mira um cervo ferido: com desprezo e cálculo. Ryan era útil. Só por isso ainda respirava.

— Calma aí, Luiz — disse Victor, com um tom debochado. — Tu sabe que o moleque não consegue manter o pau dentro da calça. Vida de casado é prisão sem cela.

As risadas cessaram quando Victor bateu as mãos na mesa. O som cortou o ambiente como faca.

— Agora chega. Temos um problema. Alguém tá mexendo nas nossas cargas. Primeiro foi meio quilo. Depois, três. Agora, o comprador tá ameaçando cancelar os acordos. Se isso acontecer, essa cidade vai virar um abatedouro. E nós vamos ser o gado.

Silêncio. Os olhares se cruzaram, tensos.

— Hoje espalhei no rádio que teremos uma entrega gigante. Mas é mentira. Só quem tá aqui sabe disso. E se alguém for lá... saberemos quem é o rato.

Victor encarou cada um com olhos de vidro quebrado.

— Quando encontrarem esse filho da puta... tragam vivo. Quero que ele olhe nos meus olhos antes de perder os dele.

O peso da ameaça caiu como concreto sobre todos.

Luiz murmurou, quase num sussurro:

— Mais um dia em Campo Grande. Mais um corpo pra enterrar.

Victor se levantou.

— Dispensados. Quero esse X-9 até o fim da semana. Se não trouxerem, eu mesmo vou arrancar a pele de vocês pra fazer tapete.

Os homens saíram em silêncio, como sombras obedientes. Menos Luiz. Ele ficou.

— Tu acha mesmo que o traidor tá aqui? — perguntou, com voz baixa.

Victor assentiu, firme.

— Só esses da sala sabiam da última rota. E eu só confio em um aqui.

Olhou nos olhos de Luiz. E isso dizia tudo.

Luiz respirou fundo. Conhecia Victor desde criança. Não eram apenas aliados — eram irmãos, moldados pela mesma lama.

— Precisa de mim agora ou posso dar uma volta?

— Vai. Mas fica limpo. Hoje, você vai cuidar da contabilidade. E quero você inteiro pra isso.

Luiz assentiu e sumiu pelo corredor. Desceu do topo da cidade como quem mergulha num mar de podridão.

Seu destino era o mirante. Um lugar esquecido, onde o concreto da cidade dava espaço a um sopro de paz. Lá, o vento cortava forte e as luzes de Campo Grande brilhavam como um céu de neon morto.

Ele olhou pro horizonte, e por um breve momento... quase se sentiu em paz.

Mas naquela cidade, paz era só a pausa antes do próximo disparo.

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