Por um instante, penso que meus ouvidos estão pregando uma peça. Será que ele disse mesmo “venha”? Uma palavra tão pequena, tão simples, e ainda assim parece ter o peso de uma sentença. Engulo em seco. Minha mente berra: corre, Helena, corre agora antes que seja tarde! Mas, claro, meu corpo não colabora. Estou plantada no chão como uma árvore enraizada, incapaz de mover um único músculo.
— Pra onde? — pergunto, quase num sussurro, sentindo a garganta seca.
Ele inclina o rosto, os olhos claros me observando como quem enxerga mais do que deveria. O leve arquejo de sua sobrancelha me diz que não está acostumado a ser questionado.
— Ali em frente — responde, apontando com um gesto sutil em direção a um café na esquina, do outro lado da avenida. — Só um café. Nada mais.
Meu primeiro impulso é negar. Eu deveria negar. Eu preciso negar. Mas, quando abro a boca para recusar, ele dá um meio sorriso, inclina o corpo para frente e lança um comentário que me desarma:
— Então vamos fazer assim… ou você aceita um café comigo, ou paga o meu celular.
Olho para o aparelho que ele segura firmemente na mão. O risco lateral brilha sob a luz, como uma cicatriz recente. Meu coração dá um salto no peito. Eu não conseguiria pagar nem se trabalhasse meses. A ironia é clara: ele sabe disso. Ainda assim, não há crueldade no tom, apenas um jeito peculiar de insistir.
— Isso é chantagem — murmuro, tentando recuperar algum controle.
— É só justiça — ele rebate, ainda com aquele meio sorriso que não alcança totalmente os olhos, mas os ilumina de forma perigosa. — Então?
Fecho os olhos por um segundo. Respiro fundo. Um café. É só isso. Não devo nada além disso.
— Vamos tomar um café — respondo, baixinho, quase contra minha vontade.
Ele assente, satisfeito, como se já soubesse minha resposta antes mesmo de eu pronunciá-la.
— Boa escolha.
E então, sem esperar mais nada, começa a andar em direção à saída. Seu passo é firme, seguro, como se cada movimento fosse ensaiado. Eu o sigo, um pouco hesitante, tentando me convencer de que é apenas um café, que não há risco em aceitar.
Enquanto atravessamos a rua, sinto a estranha presença dele ao meu lado. Ele não fala nada, mas sua postura diz tudo: é o tipo de homem que atrai olhares sem precisar de esforço. As pessoas abrem espaço, não por medo, mas por uma espécie de respeito instintivo. E eu, pequena e desalinhada ao seu lado, me sinto invisível e exposta ao mesmo tempo.
Entramos no café. O sino na porta toca suave, anunciando nossa chegada. O aroma de café fresco e pão de queijo recém-saído do forno me envolve como um abraço inesperado. O contraste entre a simplicidade do ambiente e a imponência dele é quase surreal.
O garçom se apressa em nos atender, como se reconhecesse no homem uma presença que merece prioridade.
— Mesa para dois — ele diz, com uma naturalidade que quase soa como ordem.
Seguimos até uma mesa próxima à janela. Ele puxa a cadeira para mim. Um gesto simples, mas que me pega de surpresa. Sento-me devagar, tentando disfarçar a confusão interna que me consome.
Ele ocupa a cadeira em frente, ajeita o paletó com elegância e apoia os cotovelos na mesa, entrelaçando os dedos. O olhar fixo em mim é intenso demais, quase incômodo.
— O que vai querer? — pergunta, sem desviar os olhos.
— Um café simples, por favor — respondo rápido, evitando qualquer luxo que possa parecer abuso.
Ele chama o garçom com um gesto discreto.
— Dois expressos. E uma fatia de bolo de chocolate. — Depois olha para mim, como se explicasse: — Você precisa de açúcar.
Fico sem palavras. Quem ele pensa que é para dizer o que eu preciso? Mas, estranhamente, há algo reconfortante no tom. Como se, por alguns minutos, alguém estivesse prestando atenção em mim de verdade.
O silêncio que se segue não é desconfortável. É tenso, carregado de perguntas não ditas. Eu desvio o olhar para a rua, tentando me distrair com as pessoas que passam apressadas. Mas é inútil. Sinto os olhos dele sobre mim, atentos, perscrutando cada detalhe.
Quando o café chega, ele agradece com um aceno breve e espera que eu dê o primeiro gole. Seguro a xícara com as mãos trêmulas, trazendo-a aos lábios. O líquido quente escorre pela garganta, e sinto a vida voltar lentamente para dentro de mim.
— Está melhor? — ele pergunta, a voz grave quebrando o silêncio.
— Por que se importa? — rebato, um pouco mais ríspida do que pretendia.
Ele se inclina para frente, apoiando o queixo nos dedos entrelaçados.
— Porque você está chorando, atravessou a rua sem olhar, quase derrubou meu celular, e mesmo assim ainda tem coragem de fingir que está bem.
Engulo em seco. A curiosidade dele me desarma.
— Eu… eu só estou cansada.
— Não. — A negação dele é firme, quase imediata. — Você está machucada.
A palavra ecoa dentro de mim como um segredo revelado. Ele não sabe da minha história, mas ainda assim a vê. Como?
— E o que você tem a ver com isso? — pergunto, com a voz embargada, tentando não deixar as lágrimas voltarem.
Ele me observa em silêncio por alguns segundos longos, intensos. Então solta a resposta:
— Nada. Mas talvez eu queira ter.
O bolo de chocolate chega à mesa, o cheiro doce preenche o ar, mas eu não sinto fome. Só consigo olhar para ele, tentando decifrar se há sinceridade ou apenas mais um jogo perigoso.
Quem é esse homem que surge do nada, derruba minhas defesas e me oferece um café como se fosse um pacto?
Ele parte um pedaço do bolo com o garfo e empurra o prato levemente em minha direção.
— Coma um pouco. Vai te fazer bem. — diz, com uma calma que me irrita e me intriga ao mesmo tempo.
— Você sempre aborda mulheres chorando com bolo? — arqueio a sobrancelha, tentando disfarçar o nervosismo. — Isso é um tipo novo de tática de sedução?
Ele dá um meio sorriso, daqueles que parecem esconder segredos.
— Não. É só que você está com uma cara péssima, e o bolo é melhor que qualquer sermão.
Quero recusar, manter o orgulho intacto, mas meu corpo me trai. Levo um pedaço à boca. O açúcar derrete na língua como um bálsamo, e eu odeio admitir que ele tem razão.
— Ótimo. Agora, além de estranha, eu sou previsível. — murmuro, fingindo indignação.
— Não estranha. — ele corrige, ainda sorrindo. — Só… humana. E faminta.
Ele me observa em silêncio, mas não há julgamento em seu olhar. Apenas presença. E isso me desconcerta mais do que qualquer cantada.
É nesse instante que percebo o quanto estou exausta. Não só hoje, mas há anos. E, diante desse estranho, com um café e um bolo entre nós, sinto algo que não sei explicar: uma trégua.
Mas junto dela vem o medo. Porque tréguas nunca duram.
Respiro fundo, tentando reorganizar os pensamentos, mas uma certeza já pulsa dentro de mim: minha vida acabou de mudar.
E eu nem sei o nome dele.
Continua...
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Atualizado até capítulo 79
Comments
Luciana
estou amando gente tadinha dela mas tenho certeza que de ela dará aa volta por cima. não tem nada melhor do que um dia após o outro.
2025-10-05
1
Irene Saez Lage
Quando a gente pensa que na vida está tudo acabado vem uma luz pra clareia e fazer uma pessoa a nós ajudar nem que seja um homem atencioso com as atitudes calmas dele porque nem todos são iguais
2025-10-04
3
bete 💗
adorando quem sabe mude tudo ela precisa ❤️❤️❤️❤️❤️
2025-10-06
0