🌆 De Volta ao Morro
O ônibus sacolejava morro acima, cheio de gente voltando do trabalho, sacolas plásticas e crianças gritando.
Kira estava de braços cruzados, cara fechada. Scarlett, do lado, mordia um pacote de biscoito que compraram com o pouco troco que arrumaram.
— Eu ainda não acredito. — Kira resmungou. — Saímos de advogata e peritona pra duas fugitivas sem chave e sem moral.
— Pelo menos ganhamos um pacote de biscoito e a viagem de graça. — Scarlett riu, com a boca cheia.
— Você consegue rir de tudo, né?
— Claro. Se eu não rir, eu choro.
Quando o ônibus parou no ponto do morro, as duas desceram. O calor do asfalto subia em ondas, misturado com o cheiro de churrasquinho, cigarro e funk ecoando nos becos.
— Scarlett, você tem noção? A gente vai subir isso de novo.
— E com salto, Kira! Eu tô com bolha até na alma.
Enquanto subiam, começaram os comentários.
As vizinhas na porta das casas cochichavam:
— Olha lá, voltaram.
— Tava onde, hein?
— Aposto que atrás do Falcão e do Coringa.
Kira girou os olhos.
— Eu vou enfiar esse pão na boca dessa velha fofoqueira.
Scarlett segurou a amiga pelo braço.
— Não começa, Kira. Não começa.
🦅 Primeiro Encontro
Quando viraram a esquina, o silêncio foi automático.
Dois homens estavam encostados em carros importados, cercados de soldados e olhares respeitosos.
Dante “Falcão”, o dono do morro.
Thiago “Coringa”, o braço direito.
Camisas de grife, correntes douradas, tatuagens à mostra, postura de quem manda e desmanda. Conversavam baixo, fumando charutos, mas a presença deles já dominava a rua inteira.
Scarlett parou por um segundo.
— Kira… são eles.
— Eles quem?
— O Falcão e o Coringa.
Kira olhou de relance. Só de relance.
Viu Dante ajeitar o relógio caro no pulso e Thiago dar risada de algo. Bonitos. Muito bonitos. Mas…
— Ah. É só isso? Dois galinhas de marca.
— Shhh! — Scarlett sussurrou. — Você tá falando alto!
— Dane-se. — Kira ergueu o queixo. — Bonito todo mundo é. Quero ver segurar argumento na frente de um juiz.
Passaram direto, firmes, sem olhar de novo.
Até que Kira, num impulso, quase levantou o dedo do meio.
— Kira, não! — Scarlett segurou o braço dela, desesperada. — Quer morrer no terceiro dia de reencarnação?
— Eu só ia coçar o olho com o dedo errado…
— Sei. Coçar o olho com o dedo do meio. Muito convincente.
👀 As Reações
Atrás delas, os dois homens repararam.
Dante ergueu a sobrancelha.
— Estranho. — murmurou, olhando para as duas.
— O quê? — Thiago perguntou.
— Camila e Grazyelly passando reto. Nem tentaram dar um sorriso, nem um tchauzinho.
Thiago riu.
— Até parece. Essas duas vivem grudadas na gente.
— Pois é. E agora, nada.
Eles ficaram observando até as duas sumirem no beco.
😂 Comentando os “Galãs”
Assim que viraram a rua, Scarlett não aguentou e caiu na risada.
— Kira, você quase mandou o dedo do meio pro dono do morro! Você quer aparecer no jornal amanhã?!
— Ai, Scarlett, me irrita! O cara com cara de “sou fodão”, cercado de gente puxando saco. Não aguento esse tipo.
— Tá, mas convenhamos… bonito eles são.
Kira olhou de lado, fingindo desdém.
— Bonito e o quê? Galinha. Aposto que comem até sombra.
— Eu não reclamaria de ser a sombra. — Scarlett riu, piscando.
— Você não vale nada.
— E você vale?
— Muito mais que esses dois.
Andaram mais um pouco, bufando.
— Scarlett, sério, olha bem pra minha cara. — Kira parou, colocando a mão no peito. — Você realmente me imagina, Kira, advogada criminalista, caindo no charme de um traficante galinha?
Scarlett pensou por um segundo e abriu um sorriso safado.
— Sim.
— Vai se ferrar. — Kira deu um tapa no braço da amiga.
📢 Confusão na Subida
Enquanto ainda discutiam, passaram por um grupo de crianças jogando bola no beco.
— Olha lá! A Camila e a Grazyelly! — gritou um dos meninos. — Vão lá ver o Falcão de novo?
— Vão nada, já foram rejeitadas ontem. — outro respondeu.
Kira parou, furiosa.
— Quem falou isso?
Scarlett agarrou o braço dela de novo.
— Não, Kira, pelo amor de Deus. Vai brigar com criança agora?
— Criança hoje em dia não tem respeito! — Kira bufou, mas deixou pra lá.
Continuaram subindo, mas as risadas dos meninos ecoavam atrás.
— Um dia eu ainda volto e dou aula de disciplina nesse morro inteiro.
— Aula de quê? De “como dar dedo pro dono do morro”? — Scarlett gargalhou.
🍻 Na Bodega do Seu Zé
Antes de chegar em casa, resolveram parar no barzinho da esquina. Seu Zé, o dono, já as conhecia pelos barracos anteriores das “donas originais”.
— Olha quem apareceu. — ele resmungou. — Camila e Grazyelly, hoje tão calminhas?
— A gente mudou, Seu Zé. — Scarlett sorriu. — Hoje somos mulheres de paz.
— Paz? Vocês? — ele gargalhou. — Quero ver até quando.
Kira pediu duas cervejas, e as duas sentaram na mesa de plástico.
Ficaram olhando os carros passando lá embaixo, ainda rindo do encontro com os dois chefes.
— Scarlett, você percebeu que eles ficaram olhando?
— Percebi. Mas deve ter sido porque a gente não deu bola.
— Pois é. Acho que a melhor vingança é o desprezo.
— O desprezo e uma bunda bonita. — Scarlett completou.
As duas brindaram, gargalhando.
🌙 Fechando
Já à noite, voltaram pra casa.
Na porta, encontraram novamente Dona Zuleide, a fofoqueira oficial.
— Vocês duas tão diferentes hoje… não fizeram barraco, não ficaram atrás do Falcão, não brigaram com ninguém.
Kira deu um sorriso falso.
— É que a gente agora tá no modo “luxo”. Barraco só com horário marcado.
Scarlett riu.
— Agenda cheia, sabe como é.
Entraram em casa e fecharam a porta. Assim que sentaram no sofá rasgado, começaram a rir alto, sem parar.
— Kira, eu ainda não acredito que você quase mandou o dedo pro Falcão.
— E eu ainda não acredito que você tava quase babando no Coringa.
— Eu? Tava nada!
— Tava sim. Eu vi o olhinho brilhando.
— Mentira!
— Verdade.
— Ah, cala a boca, Kira.
E riram de novo, até as lágrimas escorrerem.
Mas, no fundo, sabiam: a vida no Morro do Cruzeiro estava só começando.
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Atualizado até capítulo 57
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