A manhã começou como todas as outras, mas Elisa já não era a mesma. O despertador tocou, Clara pediu o laço rosa para o cabelo, Arthur saiu às pressas com o celular no bolso. A diferença estava dentro dela, na forma como cada detalhe parecia carregado de outro sentido.
O café, antes um gesto de afeto, agora era apenas repetição. O beijo na testa de Clara, antes um ritual doce, agora soava como pedido de desculpas por um lar que já não era inteiro. Até o uniforme da filha parecia mais gasto, como se a rotina tivesse sugado a cor do tecido.
Arthur falou pouco no café da manhã. Comentou algo sobre uma reunião, respondeu rápido a duas mensagens e saiu. Elisa observou o carro sumir na esquina com a sensação de que não era apenas a distância física que crescia entre eles.
Na escola, Clara correu para os colegas sem olhar para trás. Elisa ficou parada, segurando a mochila vazia, pensando em quantas vezes havia se perdido entre ser esposa e ser mãe, sem lembrar quem era além disso.
No caminho de volta, passou em frente a uma vitrine e se deteve diante do próprio reflexo. A mulher que viu parecia cansada. Havia olheiras fundas, um traço de amargura no canto da boca, e os cabelos, presos às pressas, mostravam fios soltos em desalinho. Elisa se aproximou do vidro, quase num sussurro:
— Quem é você?
Mas não houve resposta. Apenas a imagem de uma mulher que já não reconhecia.
Em casa, tentou se ocupar. Lavou roupas, organizou armários, passou pano no chão. Tudo para afastar a imagem daquela mensagem que queimava em sua memória: “Foi perfeito. Já com saudade.”
À tarde, Marina ligou novamente.
— Como você está? — perguntou, a voz firme, como quem pressente que a amiga não diria a verdade.
Elisa forçou um sorriso que Marina não podia ver.
— Estou bem. Só cansada.
— Elisa… — Marina suspirou do outro lado. — Você não precisa fingir comigo.
As palavras ficaram presas na garganta. Por um instante, Elisa quis contar tudo. Mas a imagem de Clara surgiu em sua mente: a filha desenhando o sol com nove braços, pedindo o “abraço do tamanho do elevador”. A menina não merecia a destruição repentina de um lar.
— Depois a gente se fala — cortou, antes que as lágrimas a denunciassem.
À noite, Arthur chegou mais tarde do que o habitual. Clara já dormia, e a casa estava silenciosa. Ele entrou com passos cautelosos, como se quisesse evitar qualquer confronto. Elisa, porém, o esperava na sala, sentada com os braços cruzados.
— Onde você estava? — perguntou, a voz calma, mas firme.
Arthur hesitou por uma fração de segundo, apenas o suficiente para que Elisa percebesse.
— Reunião. Você sabe como é.
Ela assentiu devagar, sem contestar. Não precisava. O silêncio era mais eloquente do que qualquer resposta.
Arthur subiu as escadas, e Elisa ficou sozinha novamente. Olhou para a mesa de centro, onde o celular dele piscava com mais uma notificação bloqueada. Não tocou. Não queria provas que confirmassem o que já sentia.
A noite avançou, e ela se deitou ao lado dele sem trocar palavras. O corpo de Arthur estava ali, mas a presença já não.
A madrugada avançava, e Elisa já não conseguia dormir. O corpo imóvel de Arthur ao lado, respirando pesado, parecia um lembrete cruel de que a intimidade entre eles se resumia a dividir o colchão.
Ela se levantou em silêncio, desceu as escadas e foi até a cozinha. Acendeu apenas a luz fraca sobre a pia, a mesma que usava para preparar o café nas manhãs. O ambiente estava quieto demais, quase sufocante.
Sentou-se à mesa com uma caneca vazia nas mãos. Apertava o objeto como se fosse uma âncora, algo que pudesse impedi-la de se perder dentro dos próprios pensamentos. A mensagem que vira — “Foi perfeito. Já com saudade” — martelava em sua mente. Podia fingir que não sabia, mas o corpo dela já tinha absorvido aquela verdade amarga.
Enquanto olhava para a madeira da mesa, notou algo diferente. Sobre a cadeira de Arthur, esquecida, estava uma pasta de couro. O fecho mal encaixado deixava à mostra papéis dobrados, e entre eles um cartão de visita feminino, com uma marca de batom bem no canto.
O coração de Elisa disparou. As mãos tremeram. Aproximou-se, puxando o cartão com cautela, como se fosse uma peça proibida. O nome escrito ali não lhe dizia nada, mas a marca deixada não precisava de explicações. Era um símbolo que falava mais alto do que qualquer justificativa.
Ela o segurou por longos segundos, até sentir os olhos marejarem. Pensou em subir, jogar o cartão na cara dele, gritar, exigir a verdade. Mas Clara dormia no quarto ao lado, inocente, respirando tranquila. A filha não merecia o estilhaço daquela guerra.
Com o peito em chamas, Elisa guardou o cartão de volta, exatamente como o encontrou. Subiu devagar as escadas e parou diante da porta do quarto da filha. Abriu apenas uma fresta. Clara estava virada para o lado, abraçada à boneca favorita, um fio de cabelo grudado na testa suada.
Elisa sorriu entre lágrimas. Por ela, eu ainda aguento, pensou.
Entrou no próprio quarto, deitou-se sem fazer barulho, e fechou os olhos. Arthur se mexeu de leve, mas não acordou. O perfume adocicado ainda impregnava o ar, misturado ao peso do silêncio.
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Atualizado até capítulo 47
Comments
Luciana Ferreira De Sousa Ferreira de Sousa
Pelo jeito a autora gosta de enrolar!
Nesses 5 capítulos não houve nada 🤭
2025-09-06
1
lua 🌙
autora amo histórias desse tipo de enredo. só dando uma dica, não delonga demais no mesmo tópico
2025-09-07
0
Sandra Camilo
idiota demais , ninguém merece passar por isso, pensando só nos filhos, tem que se amar primeiro ❤️
2025-09-06
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