A Guardiã e a Chama

O encontro com Lira deixara Isadora inquieta. A garota parecia saber mais do que dizia, e sua marca em forma de chama pulsava com uma energia diferente — mais agressiva, mais instável. Enquanto caminhavam juntas pela trilha de volta à casa de Célia, o ar parecia mais pesado. Como se o véu estivesse observando.

Dona Célia as esperava na varanda, com um olhar que misturava alívio e preocupação. Ela não se surpreendeu ao ver Lira.

— A chama e a espiral... juntas de novo — murmurou. — Isso não acontecia desde a queda da primeira torre.

Isadora se sentou, tentando organizar os pensamentos. — Você sabia que havia outros?

Célia assentiu. — Sabia. Mas não sabia que viriam tão cedo.

Lira cruzou os braços. — O véu não está apenas se rasgando. Ele está sendo puxado. Alguém está tentando abrir caminho à força.

Célia olhou para Isadora. — E é por isso que você precisa começar o treinamento. Agora.

Ela levou as duas até o porão da casa, onde uma sala secreta se revelava atrás de uma estante falsa. O espaço era antigo, com paredes cobertas por símbolos e objetos que pareciam pulsar com energia própria. No centro, uma mesa de pedra com inscrições em espiral e fogo.

— Aqui é onde as guardiãs despertam — disse Célia. — E onde aprendem a controlar o que carregam.

Isadora se aproximou da mesa. Ao tocar a superfície, sentiu uma onda de calor subir pelo braço, conectando-se à espiral em seu ombro. Lira fez o mesmo, e a chama em seu pulso brilhou intensamente.

> “O véu responde à união,” disse Kael em sua mente. “Mas também teme o que pode nascer dela.”

Célia começou a ensinar os primeiros rituais: como canalizar a energia da marca, como ouvir os sussurros sem se perder, como distinguir visões verdadeiras de ilusões. Isadora absorvia tudo com rapidez, como se já soubesse — como se estivesse apenas lembrando.

Mas havia algo errado.

Durante um exercício de conexão, Isadora viu uma imagem que ninguém mais viu: Kael, ajoelhado diante de uma fenda, com sangue escorrendo dos olhos. Atrás dele, uma figura encapuzada segurava uma lâmina feita de sombra.

Ela recuou, ofegante.

— O que foi? — perguntou Lira.

Isadora hesitou. — Acho que Kael está em perigo.

Célia franziu o cenho. — Ou está te mostrando o que quer que você veja.

O silêncio caiu sobre a sala. E pela primeira vez, Isadora se perguntou se a ligação com Kael era uma bênção... ou uma armadilha.

O porão parecia respirar com elas. Cada símbolo nas paredes pulsava em ritmo com as marcas que Isadora e Lira carregavam. Dona Célia observava em silêncio, como se esperasse que algo acontecesse — ou temesse que acontecesse cedo demais.

Isadora ainda sentia o peso da visão de Kael ajoelhado diante da fenda. Aquilo não parecia apenas uma lembrança. Era um aviso.

— Ele está em perigo — repetiu ela, mais firme. — E se ele cair, o véu cai com ele.

Lira se aproximou, os olhos dourados brilhando com intensidade. — Ou talvez ele seja o perigo. Você confia demais.

Isadora hesitou. Ela sentia Kael dentro dela, como uma presença constante. Mas e se Lira estivesse certa? E se a ligação fosse uma armadilha?

Célia interrompeu. — Vocês duas precisam entender que o véu não escolhe lados. Ele apenas responde. E agora, ele está respondendo a vocês.

Ela se aproximou da mesa de pedra e colocou um objeto envolto em tecido escuro. Ao abrir, revelou um medalhão antigo, com três marcas entrelaçadas: a espiral, a chama... e uma terceira, que parecia uma rachadura.

— A marca do véu — disse Célia. — Aquela que não pertence nem à luz, nem à sombra. Aquela que rompe tudo.

Isadora sentiu um calafrio. — Quem carrega essa?

Célia olhou para o medalhão com pesar. — Ninguém. Ainda.

Lira se aproximou, tocando o símbolo com a ponta dos dedos. — Ou talvez... alguém esteja tentando despertá-la.

O chão tremeu levemente. As velas ao redor se apagaram. E por um instante, o porão mergulhou em escuridão total.

> “Ela está vindo,” sussurrou uma voz que não era de Célia, nem de Kael, nem de Lira.

Isadora sentiu a espiral em seu ombro vibrar como nunca antes. E no fundo da sala, uma sombra se formou — alta, feminina, com olhos como vidro quebrado.

> “A terceira está acordando,” disse a figura. “E vocês não estão prontas.”

A figura feminina feita de sombra pairava no fundo do porão, os olhos como vidro rachado refletindo fragmentos de memórias que não pertenciam a ninguém — ou talvez a todos. Isadora sentia a espiral em seu ombro vibrar com uma força nova, como se tentasse se proteger... ou se abrir.

Lira se colocou à frente, a chama em seu pulso crescendo como uma lâmina viva.

— Quem é você? — exigiu.

A sombra não respondeu com palavras. Ela se moveu lentamente, e com cada passo, o ambiente mudava. As paredes do porão se tornavam ruínas, o teto se desfazia em fumaça, e o chão revelava símbolos que não estavam ali antes — símbolos que misturavam espiral, chama... e rachadura.

> “Ela não é uma pessoa,” disse Célia, com a voz firme. “Ela é o eco da profecia. A terceira força. Aquela que desperta quando o véu está prestes a romper.”

Isadora tentou se aproximar, mas a sombra recuou, deixando para trás uma marca no chão — uma rachadura que pulsava em tons de cinza e violeta. Ao tocá-la com os olhos, Isadora viu flashes: Kael em uma torre cercada por fogo negro, Lira enfrentando criaturas feitas de fumaça, e ela mesma... dividida entre dois mundos.

> “A terceira não escolhe,” sussurrou a sombra. “Ela consome.”

Com um último movimento, a figura se dissolveu, deixando o porão em silêncio absoluto. As velas se reacenderam sozinhas, e o medalhão sobre a mesa agora brilhava com todas as três marcas.

Célia se aproximou, os olhos marejados.

— A profecia está completa. E vocês duas... são as últimas que podem impedir que ela se cumpra.

Isadora olhou para Lira. Pela primeira vez, não havia desconfiança entre elas. Apenas medo. E uma certeza silenciosa: o véu não estava apenas se desfazendo. Ele estava sendo rasgado por dentro.

> “Então vamos descobrir quem está puxando os fios,” disse Isadora. “Antes que tudo se rompa.”

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