Vozes do passado

Rafael Marcenko

Me afastei alguns passos.

Ela estava impecável, sentada naquela cadeira como uma rainha disfarçada de executiva, mas algo em mim queria quebrar aquela frieza. Rasgar cada camada.

Rafael: — O contrato será redigido ainda hoje.

À noite, pode ir até a minha casa assinar.

Zoe Moreau (sorri com ironia, cruzando as pernas com calma): — Que íntimo. Assinar um contrato na sua mansão…Devo levar uma caneta… ou uma lingerie?

Meu olhar não vacilou.Ela queria provocar.Mas eu tinha a arma certa.

Virei, abri a pasta de couro sobre a mesa e tirei o dossiê preto.Sem dizer uma palavra, larguei-o com um estalo seco bem à frente dela.

A reação veio em silêncio.Um leve estremecer dos ombros.O olhar deslizando rápido pela capa.

Reconhecimento. Medo? Não.Raiva contida.

Rafael (voz baixa e firme): — Zoe Moreau… ou deveria dizer outro nome?

Ela me encarou com o maxilar tenso.

A mão deslizou sobre a capa do dossiê, mas não o abriu.

Zoe: — Isso é uma ameaça?

Rafael (se inclinando, os olhos cravados nos dela): — Não.É controle.A garantia de que você vai andar na linha enquanto estiver sob o meu nome.Você sabe jogar, Zoe. Eu respeito isso.

Mas nunca se esqueça… eu jogo para vencer.

Ela se mexeu na cadeira.O vestido marrom deslizou nas curvas como uma segunda pele, mas agora ela não sorria.

Zoe (sussurrando): — Você foi longe demais.

Rafael: — E você também.Sumir por sete anos. Reaparecer como se nada tivesse acontecido.

Fingir ser uma dama quando nasceu no meio da lama.Você não é uma vítima, Zoe. É uma sobrevivente.E isso… me fascina.

O silêncio entre nós se tornou denso.

Ela respirou fundo, se levantou com elegância, pegando a bolsa.

Zoe: — Mande o endereço da sua mansão.

E espero que a caneta seja dourada. Porque esse contrato vai me custar muito mais do que tinta.

Rafael (sorri lentamente): — E você vale cada linha que escreverei.

Zoe Moreau

As portas de vidro se fecharam atrás de mim com um sopro metálico.Respirei fundo.Lá fora, o céu parisiense estava limpo, mas dentro de mim… uma tempestade se formava.

Meus saltos tocavam o mármore com força. O controle que sempre mantive, impecável, começava a rachar sob o peso de algo que eu jurei enterrar.

Ele sabe.Não tudo. Mas o suficiente para me derrubar se quiser.O dossiê.As fotos.O nome que eu abandonei.Entrei no carro com o rostoimpassível, mas as mãos trêmulas fecharam a porta com força demais.

Peguei o celular. O nome ainda estava salvo, escondido sob um código. Uma voz que eu não ouvia há dois anos. Mas que sempre atenderia.

Toquei para chamar.Uma, duas, três vezes.

— ???: Alô?

Fechei os olhos por um segundo. Aquela voz sempre soava como um lembrete do que eu fui.

Frágil.Assustada.Fugindo.

Zoe (seca): — Ele descobriu.

Pausa do outro lado.

— ???: Marcenko?

Zoe: — Sim.O dossiê apareceu hoje. Jogou na minha frente como se fosse uma carta qualquer.

Ele sabe sobre meu pai. Sobre o sumiço. Talvez sobre… tudo.

— ???: Você tem que sair disso.

Zoe (rindo sem humor): — Não posso.Na verdade, agora é que preciso entrar de vez.

— ???: Zoe…

Zoe: — Escuta. Se eu assinar esse contrato, ele me protege.Mas eu preciso garantir que ele não vai me destruir depois.Você ainda tem os arquivos de segurança?

Pausa longa.

— ???: Tenho. Mas Zoe… isso não é um jogo.

Zoe: — É exatamente isso.E eu estou jogando com o diabo.

Finalizei a chamada antes que pudesse ouvir qualquer tentativa de conselho.Encostei a cabeça no banco, fechei os olhos por um segundo e sussurrei:

Zoe: — Eu só preciso manter o controle… por mais um tempo.

A fechadura eletrônica piscou em azul assim que reconheceu minha digital.A porta se abriu com um clique suave, revelando a cobertura mergulhada em penumbra, iluminada apenas pela luz morna do entardecer filtrada pelas janelas.

Soltei os saltos junto à porta e caminhei descalça.E então… parei.

Ele estava lá.

Em pé, no centro da sala, exatamente como eu me lembrava.Camisa branca dobrada até os cotovelos, os cabelos escuros bagunçados do jeito que sempre me fez perder o ar.As mãos nos bolsos.E o mesmo olhar.O mesmo maldito olhar.

Zoe (fria, mesmo com o estômago revirado): — O que está fazendo aqui?

Elias Mavrek.

O homem que conheceu minha versão mais vulnerável.O único que chegou perto de tocar a Zoe real antes que ela fosse enterrada sob sete identidades.

Elias (com voz baixa, carregada de lembrança): — Você me ligou.Desligou em seguida.E agora estou aqui.

Respirei fundo.

O ar parecia mais denso com ele ali.

Zoe: — Foi um erro. Eu só precisava confirmar uma informação.Nada mais.

Elias: — Dois anos, Zoe.Dois anos desde que desapareceu de novo.E agora me trata como… um favor antigo?

Zoe (seca): — Elias… não é hora pra isso.

Ele se aproximou, os olhos brilhando com mágoa contida.

Elias: — Está com medo de quê?

Zoe: — De nada.De ninguém.

Elias: — Marcenko te encurralou?

Zoe: — Ele me deu algo que ninguém jamais deu.

Liberdade dentro do caos.Proteção onde todos só queriam me usar.

Elias (firme): — Ele vai te destruir.

Zoe: — Talvez.Mas antes, ele vai precisar lidar comigo.E por enquanto, é com ele que estarei.

Pude ver os olhos dele ficarem opacos. A dor era clara.Mas eu já não podia me dar ao luxo de sentir.

Zoe: — Hoje à noite, assino o contrato com Rafael Marcenko.

Elias (quase num sussurro): — Você está se vendendo.

Zoe: — Não… Estou assumindo o controle da única forma que ainda me resta.

Ele se aproximou, os dedos tocando de leve minha mão, como se quisesse me lembrar de algo que já não existia.

Elias (baixo): — Você ainda sangra, Zoe.Só aprendeu a esconder.

Zoe: — E você ainda quer me salvar.Mas não pode.

Ele recuou um passo, como se as palavras tivessem peso físico.Em seguida, foi embora. Sem mais uma palavra.

Fechei a porta atrás dele.Encostei a testa na madeira fria.E sussurrei para mim mesma:

Zoe: — A partir de agora, eu sou só estratégia.

Até o fim.

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Comments

Liliane Ramiro

Liliane Ramiro

eita lasqueira o caldo vai esquentar.

2025-08-16

1

Lôlô

Lôlô

Tá hilário e provocativo esses dois.

2025-08-16

1

Denise Gonçalves das Dores

Denise Gonçalves das Dores

Ansiedade a mil.

2025-08-19

1

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