Visão de Azriel
O vento estava frio naquela manhã.
Mesmo com as asas abertas, cortando o ar com facilidade, eu sentia o peso de algo… errado.
Cassian voava ao meu lado, a expressão séria. Não era comum patrulharmos tão cedo, mas a sensação havia me acordado antes do nascer do sol — uma pontada no fundo da mente, um chamado que não vinha de voz alguma, apenas da magia.
E quando a magia chama, você escuta.
— Está sentindo também? — Cassian perguntou, olhando para baixo, para o emaranhado de árvores que se estendia até onde a vista alcançava.
— Sim — respondi, curto. — É um rompimento. Pequeno, mas… não deveria estar aqui.
Ele assentiu, ajustando o voo.
As sombras já estavam inquietas ao meu redor, se movendo como se quisessem guiar o caminho. Elas sempre sabem. Sempre. E elas sussurravam agora, agitadas, quase ansiosas.
Quando nos aproximamos, Cassian foi o primeiro a aterrissar. Eu segui, dobrando as asas no mesmo movimento. O cheiro da floresta era forte, mas havia algo diferente, algo que não pertencia a este mundo.
Um cheiro… humano.
E não um humano do tipo que vivia no continente. Não, este era puro demais, deslocado demais. Uma fragrância de um lugar onde a magia não toca — até agora.
— É ali — falei, a voz baixa, apontando para uma área mais densa da mata.
Cassian puxou a espada. Eu não precisei. Minhas sombras já se moviam à frente, sondando o terreno. O sussurro delas era quase claro em meus ouvidos: ali… está ali…
Caminhamos em silêncio até que vi.
Ela estava de pé, segurando um pedaço de madeira como se fosse uma arma. Pequena. Frágil. O cabelo preso num rabo de cavalo alto, o rosto sujo de terra e… sangue. Um corte fino na bochecha. Vestia roupas escuras, mas nada que eu reconhecesse de qualquer lugar deste reino.
Quando nossos olhos se encontraram, vi algo que não esperava: reconhecimento.
— Cassian?… Azriel? — ela falou, a voz trêmula, mas clara.
Cassian e eu trocamos um olhar.
— Ela sabe o meu nome — disse ele, num tom que misturava surpresa e alerta.
Eu fiquei em silêncio. A mente trabalhando rápido.
Não havia como uma mortal, vinda de fora do continente, conhecer nossos nomes — não sem contato prévio. E, no entanto, ela estava ali, olhando para nós como se nos conhecesse há anos.
Minhas sombras se aproximaram dela, rodopiando discretamente. Elas tocaram a pele dela, buscando rastros de magia, e encontraram algo… antigo. Algo que não reconheci de imediato. Um vestígio de feitiço de transporte.
— Há magia nela — falei, sem tirar os olhos da mulher. — Forte o suficiente para romper as barreiras.
Cassian arqueou a sobrancelha.
— Isso não deveria ser possível.
— Eu sei. — Minha voz era baixa, quase um rosnado. — E ainda assim, ela está aqui.
A mulher — Joyce, como descobri depois — respirava rápido, os olhos indo de Cassian para mim, e depois para as asas abertas às minhas costas. Ela parecia… maravilhada e apavorada ao mesmo tempo.
— Onde… onde eu estou? — perguntou, apertando mais o galho que segurava.
Cassian abriu a boca para responder, mas eu levantei a mão, pedindo silêncio. Primeiro, eu precisava entender o que ela era.
Aproximei-me devagar, minhas sombras avançando como uma maré escura. Elas tocaram o colar no pescoço dela e recuaram, quase como se tivessem sido queimadas.
— Isso é o quê? — perguntei, apontando com o queixo para o pingente azul.
Ela engoliu em seco.
— É só um colar. Eu… encontrei numa loja…
— Não é só um colar. — Meus olhos se estreitaram. — Ele trouxe você até aqui.
Ela deu um passo para trás, mas Cassian já estava atrás dela. Não de forma ameaçadora, mas o suficiente para que ela entendesse que não havia para onde correr.
— Escuta, eu… — ela começou, mas parou. Respirou fundo. — Eu só queria sair de casa. Eu só queria… fugir.
A forma como ela disse aquilo fez algo se mover em mim. Eu conhecia aquela voz. A voz de quem sabe o que é viver cercado por sombras, mas não as que eu controlo.
Cassian olhou para mim, esperando uma decisão.
— Ela é um risco? — perguntou.
Observei-a por um momento. Cada detalhe. O corte no rosto, o tremor das mãos, o olhar que ia das minhas asas para o pingente e voltava para mim.
— Ainda não sei — respondi. — Mas vamos descobrir.
Minhas sombras se moveram novamente, contornando-a, criando uma barreira invisível. Ela percebeu, porque seus olhos se arregalaram.
— Isso… está acontecendo de verdade? — ela sussurrou, mais para si mesma do que para nós.
E naquele momento, percebi algo que não queria admitir:
Sim. Estava acontecendo. E, de alguma forma que eu ainda não entendia, essa mortal tinha acabado de mudar o rumo das coisas.
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Atualizado até capítulo 123
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