Isabela completou dezoito anos em um dia chuvoso, tão comum que parecia qualquer outro.
Sofia tinha sete e já começava a perguntar por que a mãe não estava lá para vê-la na apresentação da escola.
Isabela respondeu com um sorriso treinado, aquele que escondia todas as verdades impossíveis.
Foi mais ou menos nessa época que as coisas mudaram.
As contas começaram a acumular, o aluguel atrasou, e pela primeira vez desde que se lembrava, a geladeira ficou realmente vazia.
Dona Teresa continuava presente, mas as “sobras” de comida diminuíram.
A conta de luz, que sempre era quitada misteriosamente, passou a chegar com o aviso vermelho de corte.
Isabela estranhou, é claro.
Mas não perguntou nada.
No fundo, tinha medo de descobrir que toda aquela ajuda vinha com algum tipo de preço que ela não poderia pagar.
Enquanto isso, a milhares de quilômetros dali, Lorenzo Valenti batia a porta do escritório do pai com força suficiente para estremecer o vidro.
— Eu não vou! — gritou.
O patriarca da família, Enrico Valenti, apenas ajeitou o terno com frieza.
— Vai, sim. E vai aprender a ser o herdeiro que precisamos.
O irmão mais velho de Lorenzo, Matteo, vivia isolado, diagnosticado com problemas mentais graves que o impediam de assumir a liderança da empresa da família. Isso colocava todo o peso da sucessão nos ombros de Lorenzo.
E parte desse peso incluía um “exílio educacional”: anos em outro país, estudando economia e finanças, cercado por instrutores e seguranças, sem qualquer liberdade real.
Ele tentou fugir, uma, duas vezes.
Foi encontrado e trazido de volta à força.
Cada tentativa de contato com o Brasil era interceptada.
E assim, sem querer, Lorenzo sumiu da vida de Isabela… junto com toda a ajuda que ela nunca soube que vinha dele.
Nos meses seguintes, Isabela aprendeu o que era se virar de verdade.
Pegou empregos temporários, limpou casas, vendeu doces na porta da escola de Sofia.
À noite, voltava para casa exausta, mas ainda assim ajudava a irmã com a lição de casa, cuidava da roupa, e mantinha a promessa silenciosa:
Sofia teria um futuro melhor, custasse o que custasse.
Mas no fundo, por mais que não admitisse, havia uma pergunta que queimava:
por que, de repente, o mundo tinha parado de mandar pequenas bênçãos?
7 anos depois .
A música eletrônica batia no peito como um segundo coração.
Luzes coloridas cortavam a fumaça no ar, refletindo no chão polido da boate Éclipse.
Era só mais uma noite para Isabela Nunes — mais uma dança ensaiada, mais um sorriso calculado, mais uma rodada de clientes que olhavam para ela como se fosse mercadoria.
Naquele dia, ela já tinha feito três apresentações e sonhava com a hora de ir embora. O salto alto machucava, o vestido colava à pele por causa do calor das luzes, e tudo o que queria era chegar em casa e ver se Sofia tinha jantado.
Foi quando o dono da boate, Rogério Marins, apareceu na lateral do palco, com um olhar estranho.
Ele fez sinal para que ela saísse antes do final da música.
— O que foi? — perguntou, ainda ofegante.
Rogério coçou a nuca, olhando para trás como se tivesse medo de ser ouvido.
— Tem um cara aí… ofereceu vinte mil. —
Isabela franziu o cenho.
— Pra quê?
— Pra cancelar todos os seus compromissos da noite. Só isso.
— E o que ele quer que eu faça?
— Nada. Ele só disse… que quer você livre.
O estômago de Isabela se apertou.
— Como ele é? —
— Alto, terno preto, olhar daqueles que… — Rogério fez um gesto indefinido com a mão. — Você sabe. Não parece tipo que você esquece fácil.
Curiosa, Isabela espiou pelo corredor lateral.
E lá estava ele.
Sentado sozinho, um copo intocado à frente, observando o ambiente como se fosse dele. A postura era de alguém que estava acostumado a mandar, não a pedir.
Havia algo naquele rosto…
Um fragmento de memória que ela não conseguia alcançar.
Talvez fosse o formato dos olhos, a linha dura da mandíbula, ou o jeito como ele parecia estudá-la sem piscar.
Mas uma parte dela — a parte que sempre ouvia o próprio instinto — sussurrou que aquele homem não era um estranho.
E, por algum motivo, isso a deixou mais assustada do que se fosse.
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Atualizado até capítulo 71
Comments
Fatima Gonçalves
SERÁ QUE FOI ELE QUE VOLTOU
2025-08-14
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