Capítulo 0. Como Tudo Virou um Inferno
Comecemos de novo, porque esta não é uma história para ser contada à luz de velas com chocolate quente.
Esta é uma história que deve ser sussurrada em becos amaldiçoados, enquanto relâmpagos cortam o céu púrpura e corvos bicam ossos frescos no chão de pedra quente.
Há muito, muito tempo, os Sete Reinos eram um só.
Sete raças, sete magias, sete línguas dançando no mesmo salão encantado, jurando fidelidade mútua e paz eterna. E, claro, paz eterna nunca dura mais que o tempo que se leva para esquentar uma xícara de sangue com canela.
Porque os deuses criaram as espécies, mas esqueceram de lhes dar humildade.
E foi por orgulho que o mundo se dividiu.
Eden ergueu seus muros de luz e proibiu o pecado.
Florence fugiu para as florestas, onde híbridos de presas e pelagem moldaram um reino selvagem.
Cora cantou encantamentos nas copas das árvores e se escondeu entre flores e venenos.
Eythora ergueu torres e se afogou em feitiçaria.
Rasogary cavou buracos e jurou nunca mais ajoelhar-se a ninguém mais alto que um metro e meio.
Verena queimou os tronos e criou um reino onde reis morriam antes de nascer.
E o Submundo, ah, o Submundo…
O Submundo cavou fundo e, quando o mundo gritou, ele apenas riu.
O Submundo não é um inferno.
Lá, não há punição eterna, há burocracia. Linhagens. Feudos entre famílias que duram milênios. Castelos com janelas que gritam. Tapetes que sangram. Chávenas que mordem.
Os demônios não se dividem por cor, por nome ou por título, mas por classe e ranking.
A sociedade demoníaca funciona como um teatro de sangue: todo mundo interpreta um papel e todos esperam que, eventualmente, alguém morra espetacularmente no final.
Os primeiros, os mais antigos. Guerreiros nascidos do caos puro. Seu poder transborda mesmo quando respiram.
Nascidos das forças naturais, controlam fogo, água, pedra, vento. Artesãos, construtores, destruidores por acidente ou intenção.
Ironicamente, os mais frágeis. Com almas puras e podres de sensíveis, são curandeiros, mas pagam um preço alto por existirem. Cada toque de dor alheia que curam os corrói por dentro.
Para os demônios, gênero não determina nada. Todos podem gerar vida, o caos hormonal é democrático.
E então, há o ciclo demoníaco, a maravilhosa fase da adolescência onde tudo dá errado.
É nessa transição que o corpo se transforma, os chifres crescem, as asas espetam travesseiros e os hormônios demoníacos gritam mais alto que os cânticos de guerra. A maioria passa por isso entre os doze e os dezessete anos. Alguns explodem rochas, outros explodem em lágrimas. Tudo depende da classe.
Ekoz nasceu do grito de uma estrela em colapso.
Cresceu com os ossos de deuses extintos como brinquedos.
E governou o Submundo com a frieza de quem sabe que qualquer fraqueza, mesmo o amor, pode custar um império.
Ekoz não era feito para amar.
Mas o mundo ou talvez o sarcasmo dos deuses, lhe deu Kallias.
Enquanto Ekoz era aço e silêncio, Kallias era brisa e tempestade.
Um elemental raro, de água e vento, com olhos rubis e um sorriso que fazia a corte inteira querer ajoelhar-se... ou socá-lo.
O casamento foi político, um tratado entre famílias para conter uma rebelião. O amor veio depois, como uma doença incurável e, para Ekoz, profundamente inconveniente.
Kallias foi o primeiro a rir no Trono Sombrio.
O primeiro a convencer Ekoz a usar pijamas com bordados.
E o único ser em todos os reinos capaz de dormir abraçado a um demônio primordial sem ser queimado por dentro.
Juntos, eles cometeram o maior erro possível em qualquer romance clichê:
O que era para ser uma dinastia de elite virou algo muito mais complicado: uma família.
Damon nasceu primeiro. Arrogante, teimoso, quase tão destrutivo quanto o pai. Primordial, claro. Metade do castelo ruiu quando ele deve seu primeiro ciclo. Ele é o irmão mais velho, o que significa que passa metade do tempo protegendo os outros e a outra metade fingindo que não se importa.
Tristan veio com ele, gêmeo quase idêntico apenas na aparência. Doce, frágil, tímido. Um celestial em forma de anjo de olhos grandes e voz baixa. Vive com resfriados místicos e poderes curativos instáveis.
Íris, dois anos depois, apareceu entre nuvens densas e um terremoto espiritual. Tão calma quanto uma xícara de chá, mas com poderes suficientes para destruir metade de Verena com um bocejo. Filosófica, sensata, sempre com algo bonito e inútil a dizer. Um enigma de doçura primordial.
E por fim, as gêmeas do caos: Kanea e Clover.
Kanea é direta, agressiva, lógica. Já saiu na mão com guardas por derrubarem suas mudas de plantas carnívoras.
Clover é a tempestade. Sonhadora, criativa, perigosamente impulsiva. Já explodiu três laboratórios tentando criar perfume com cheiro de trovão.
Juntas, são rivalidade em estado bruto, responsáveis por 63% das reformas mensais do castelo.
No Submundo, não existe "vida normal".
Principalmente quando três dos filhos reais estão entrando no ciclo demoníaco ao mesmo tempo.
Quando as emoções explodem, quando o corpo muda, quando os instintos ancestrais começam a gritar.
Damon tenta se controlar. Tristan tenta não morrer. Iris apenas toma chá.
Ele só queria uma semana de paz.
Pobre rei. Ele devia saber.
No Submundo, paz... é coisa de anjo.
Comments
Sun
gostei gostei muito/Smile/
2025-08-07
1