Ecos na Herança

O envelope continuava intacto. Selado com cera preta e um brasão que Noa nunca tinha visto antes — um “V” entrelaçado com duas espadas e um ramo de louros. Aquilo parecia mais um convite para um jogo de guerra do que uma carta pessoal. E ainda assim, havia algo nele que parecia... íntimo.

Noa hesitou por alguns segundos. Respirou fundo e, num movimento seco, quebrou o lacre com os dedos trêmulos. Dentro, havia uma única folha de papel encorpado, escrita à mão, com uma caligrafia firme e inclinada:

> “Se essa carta chegou até você, então o ouro já não pode me proteger.

Perdi mais do que ganhei nessa vida — e talvez você seja a última chance de me redimir.

Nem tudo o que brilha foi contado.

Vá até a Casa da Montanha. A chave está no medalhão.

I.”

O coração de Noa bateu como se tivesse levado um choque. “I.”? Só podia ser... Ícaro?

— Como assim? — sussurrou ele, os olhos arregalados como se tentassem absorver tudo de uma vez.

A chave. O medalhão. A Casa da Montanha. Por que essas palavras pareciam um mapa para algo que ele nem sabia que procurava?

Noa olhou para o medalhão novamente — agora com mais atenção. Não era só um enfeite, como tinha pensado. Puxou a correntinha com cuidado e percebeu uma pequena cavidade na parte inferior. Forçou um pouquinho e… click. Um minúsculo compartimento se abriu, revelando uma chave fina e antiga, de bronze, quase enferrujada.

“Que porra tá acontecendo?”, pensou.

Ele correu até o computador, digitou “Casa da Montanha + Valmont” e apertou Enter. Entre as notícias enterradas da família Valmont, um resultado se destacou: uma antiga propriedade da linhagem, fechada há mais de vinte anos, localizada a três horas dali, no alto da serra. Sem visitantes, sem registro público recente. Só silêncio e abandono.

Noa se jogou na cadeira, sem conseguir processar. A cada segundo que passava, era como se sua própria vida estivesse sendo escrita por mãos que não eram as dele.

— Tô indo viajar. Preciso resolver umas paradas do testamento. — disse ele à Ana, sua amiga mais próxima, tentando parecer casual.

— Sozinho? — Ela ergueu a sobrancelha. — Isso tá cheirando a cilada de filme de terror.

— É, só falta começar a chover e cair a luz, né? — riu, mas seu sorriso morreu rápido.

Ana colocou a mão no ombro dele e disse baixo:

— Se for mesmo sobre o Ícaro… toma cuidado. Tem verdades que não querem ser encontradas.

Ele assentiu. Era exatamente isso que o atraía.

A estrada era sinuosa, envolta por pinheiros e um céu cada vez mais nublado. A cada curva, Noa sentia como se estivesse se aproximando não só de um lugar físico, mas de um ponto de não retorno.

Finalmente, a Casa da Montanha apareceu — ou, melhor dizendo, o que restava dela. Uma mansão enorme, com janelas quebradas, portões tortos e ares de segredo mal resolvido. E mesmo assim, havia algo sagrado naquele caos. Como se o tempo ali tivesse parado pra guardar algo importante.

Noa girou a chave. Um rangido longo ecoou.

Lá dentro, o pó cobria tudo. Mas não era só o tempo que havia deixado marcas. As paredes estavam decoradas com fotos antigas — figuras sérias, festas em preto e branco, homens de terno e mulheres com máscaras.

E então ele viu.

No centro de um mural, uma foto destacada: Ícaro. Mais jovem. E ao lado dele… uma mulher.

Os olhos dela perfuraram Noa. Eram idênticos aos dele.

Seu estômago revirou.

“Não é possível...”

Do lado da foto, colado como se ninguém devesse ver, havia um bilhete desbotado:

> “Ela desapareceu naquela noite. E deixou mais do que saudade.”

Noa sentiu a realidade ruir ao redor dele.

A mulher da foto não era uma desconhecida. Era a mulher que Ícaro conheceu naquela festa… a mulher que sumiu sem explicações. E se ela deixou “mais do que saudade”…

Noa levou a mão ao próprio peito, como se quisesse encontrar ali a verdade que o mundo inteiro tentou esconder dele.

— Eu sou o segredo… — sussurrou. — Eu sou o filho esquecido.

O silêncio da casa pareceu confirmar.

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