A sala de reuniões estava silenciosa, exceto pelo som constante do relógio de parede. Uma mesa longa de madeira escura separava Victor Valemont dos cinco conselheiros, todos homens experientes, de ternos impecáveis e expressões carregadas de expectativa. Adrian, seu braço direito, estava sentado à sua esquerda, calmo, mas atento a cada movimento do chefe.
Victor recostou-se na cadeira de couro, os dedos tamborilando levemente no braço da poltrona. Seu olhar frio percorreu cada rosto à sua frente.
– Vamos direto ao ponto – disse um dos conselheiros, um homem grisalho chamado Salvatore Moretti. – Você precisa se casar, Victor. Isso fortalece alianças, mostra estabilidade. A máfia não pode ter um líder... solteiro.
Victor arqueou uma sobrancelha, um sorriso frio tocando o canto da boca.
– Estabilidade? – repetiu. – Eu controlo cinco estados, duas exportadoras e metade do porto de Nova York. E vocês acham que um anel no meu dedo é o que me dá estabilidade?
Um murmúrio desconfortável percorreu a mesa. Salvatore pigarreou, mas outro conselheiro, Ricci, se adiantou:
– Não se trata só de negócios, Victor. É imagem. A família Valemont precisa de uma senhora Valemont.
Victor inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa.
– Então o que sugerem? Uma esposa escolhida por vocês? Uma aliança com outra família? – sua voz ganhou um tom de sarcasmo gelado. – Quem seria a felizarda? A filha de algum amigo de vocês, para garantir um pedaço maior do bolo?
O silêncio caiu pesado. Apenas o som do relógio preencheu o espaço. Adrian manteve o olhar firme, mas o canto da boca dele denunciava um quase sorriso – ele conhecia bem o tom desafiador do chefe.
– Victor, isso não é um pedido – disse Moretti, um pouco mais ríspido. – É uma exigência do Conselho. Ou você se casa, ou...
– Ou o quê? – Victor interrompeu, a voz baixa, mas cortante. – Vai tirar meu posto? Me substituir por quem?
Ele se levantou lentamente, ajeitando o terno com um movimento calculado. O ar na sala pareceu rarefeito.
– Eu me caso... – disse ele, fazendo uma pausa dramática, deixando cada palavra pesar no ar. – Mas eu escolho com quem. Não me sento numa mesa, aceito um nome qualquer e sorrio para uma mulher que não quero.
Os olhares se cruzaram entre os conselheiros, e por um instante, ninguém respondeu.
– Três dias – completou Victor. – Me deem três dias, e eu trago a minha decisão.
Ele pegou a caneta dourada que estava sobre a mesa, girou-a entre os dedos e a colocou de volta com um clique seco.
– Estamos entendidos?
Ricci se remexeu na cadeira, claramente contrariado, mas assentiu. Salvatore foi o primeiro a falar:
– Três dias.
Victor sorriu de lado, sem humor.
– Excelente. Agora, se me dão licença... tenho uma filha para cuidar.
Ele saiu da sala com passos firmes, e a porta se fechou atrás dele com um som metálico. No corredor silencioso, Victor soltou um suspiro discreto. A imagem da pequena Aurora, com seus cachos dourados e sorriso inocente, cruzou sua mente.
Casamento... Ele não queria isso. Mas sabia que a vida dele nunca seria só sobre o que queria. E, desta vez, ele mesmo faria as regras.
Victor caminhava pelo corredor silencioso, o eco dos sapatos de couro preenchendo o espaço vazio. Eduardo o alcançou, mantendo o passo ao lado dele.
– Não esperava que você fosse ceder, chefe – disse Adrian, a voz baixa, quase respeitosa demais.
Victor soltou um riso curto, sem humor.
– Eu não cedi, Adrian. Eu só decidi escolher minha própria prisão.
– Tem algum nome em mente? – Adrian perguntou, testando o terreno.
Victor parou diante do elevador e o encarou de lado.
– Hoje, não. Hoje eu não quero pensar em política, conselho, ou qualquer maldito casamento estratégico. Hoje, só quero chegar em casa.
A porta do elevador abriu com um som metálico, e os dois entraram. Adrianpermaneceu em silêncio, sabendo quando não insistir.
Do lado de fora, o carro preto já aguardava. O motorista abriu a porta traseira, e Victor entrou, soltando o corpo contra o couro macio do banco. Enquanto o veículo se movia pelas ruas movimentadas, ele observou a cidade pela janela: prédios altos, pessoas correndo, um mundo que parecia distante demais da sua realidade.
Ele passou a mão pelo rosto, suspirando.
Casamento... como se um pedaço de papel fosse resolver algo.
O olhar dele caiu sobre uma pasta jogada no assento ao lado: o currículo da nova babá. Ele o pegou, folheando rapidamente.
Cecília dos Santos Morelli. Brasileira. 24 anos. Formada em pedagogia. Experiência com crianças.
Os olhos dele pararam sobre uma linha: "Motivo: necessidade urgente de estabilidade financeira."
Victor franziu o cenho, batendo o dedo sobre a página.
– Liguem para o Adrian– ordenou, sem tirar os olhos do papel.
O motorista acionou o viva-voz, e logo a voz de Adrian ecoou no carro.
– Sim, chefe?
– Preciso de tudo sobre Cecília Morelli. Endereço, histórico, família. Hoje ainda.
– Certo. Algum motivo específico?
Victor dobrou o currículo com calma e apoiou o cotovelo na janela.
– Digamos que... estou avaliando opções.
Adrian não fez perguntas. Apenas respondeu:
– Considera feito.
Victor soltou um leve “hm” e recostou-se no banco. A cidade continuava a passar diante dele, mas a mente estava em outro lugar. Aquela garota... havia algo ali. Algo que ele não sabia definir ainda.
Quando o carro finalmente atravessou os portões da mansão, Victor já havia recuperado a postura fria de sempre. O motorista estacionou, e um dos seguranças abriu a porta para ele.
Lá dentro, o som suave de risadas infantis ecoava. Ele seguiu pelo corredor até a sala principal, onde Aurora corria com passos ainda incertos, segurando um pequeno urso de pelúcia.
Atrás dela, estava Cecília. Ria de alguma coisa que a menina tinha dito, os cabelos loiros presos de forma simples, o rosto relaxado – completamente diferente da mulher nervosa que havia chegado para a entrevista.
Victor parou à porta, sem se anunciar de imediato, observando a cena. Aurora, ao vê-lo, correu até ele com o sorriso largo.
– Papai!
Victor se abaixou para pegá-la no colo.
– Como foi a manhã, minha pequena?
– Brinquei! – ela disse, apontando para Cecília com a mãozinha miúda. – Ela sabe cantar música!
Os olhos de Victor se ergueram para Cecília, que parecia pronta para se explicar, mas ele apenas fez um gesto com a mão.
– Bom saber. – Sua voz soou calma, mas com um fundo de autoridade difícil de ignorar. – Alena, o almoço está pronto?
A governanta apareceu na porta, com as mãos entrelaçadas.
– Sim, senhor. Mesa posta.
– Ótimo. – Ele olhou novamente para Cecília, ainda com Aurora no colo. – Você comeu?
– Ainda não, senhor. Eu estava com a Aurora.
– Então venha. Aqui ninguém pula refeição.
Ela hesitou por um segundo, mas assentiu.
– Sim, senhor.
Victor caminhou para a sala de jantar, Aurora ainda no colo, enquanto a mente dele continuava a trabalhar. Aquela mulher parecia comum... mas algo nela não era. E ele descobriria o que era.
A sala de jantar estava silenciosa, exceto pelo som suave dos talheres e o farfalhar da toalha de linho quando alguém ajustava um prato. Aurora, sentada em uma cadeirinha adaptada, batucava com a colher no prato, cantarolando algo sem ritmo definido. Cecília, sentada ao lado, tentava fazer com que ela comesse direito.
Victor se sentou à cabeceira, postura impecável, observando a cena por um instante antes de começar a comer.
– Então, Cecília... – a voz dele quebrou o silêncio, firme, mas sem agressividade. – Você mora com quem?
Cecília se endireitou na cadeira, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
– Moro com a minha melhor amiga, a Brenda. A gente divide um apartamento desde que eu vim pra cá.
Aurora estendeu o braço com uma colher cheia de purê, quase derramando. Cecília sorriu para a menina e segurou a mãozinha dela.
– Devagar, pequena, assim você derruba tudo... – falou, limpando o canto da boca da criança com um guardanapo.
Victor continuou, o olhar firme sobre ela:
– Faz quanto tempo que você está no país?
– Cinco anos, senhor. – respondeu, oferecendo uma colherada de purê para Aurora, que abriu a boca prontamente. – Vim logo depois de me formar, mas como meu diploma não é validado aqui, acabei trabalhando em outras coisas.
– Seus pais ainda estão no Brasil? – ele perguntou, sem mudar o tom, mas os olhos permaneciam atentos.
– Estão, sim. Eles moram no interior, e eu... bem, sou filha única. – Um sorriso breve surgiu no rosto dela, mas desapareceu rápido. – Então, basicamente, sou eu por aqui.
Aurora bateu palminhas.
– Mais, mais! – pediu a menina, apontando para o prato.
Victor, sem se mexer muito, pegou a colher e ofereceu uma porção para a filha, que aceitou de bom grado, abrindo um sorriso banguela. Cecília riu, surpresa.
– Parece que ela gosta de ter dois cuidando dela.
– Aurora não costuma gostar de estranhos – comentou Victor, ajeitando a cadeira. – Acho que você passou no teste dela.
– Eu tento conquistar as crianças pelo estômago... – brincou Cecília, e se calou ao perceber que talvez estivesse sendo informal demais.
Victor, no entanto, apenas arqueou uma sobrancelha, um traço quase imperceptível de um sorriso em um canto da boca.
– Está funcionando.
O silêncio voltou por alguns segundos, interrompido apenas pelo som da pequena mastigando. Victor limpou a boca com o guardanapo, então voltou a olhar para Cecília:
– Por que veio para cá? Cinco anos é muito tempo para alguém sozinho.
Cecília olhou para o prato, mexendo na comida com o garfo.
– Queria... mudar de vida. Ter oportunidades. – Ela encolheu os ombros, quase como se não quisesse se alongar. – Mas não é fácil, sabe?
Victor ficou em silêncio, o olhar fixo nela por mais tempo do que o necessário, como se estivesse analisando cada microexpressão. Aurora bateu na mesa com as mãos, chamando a atenção dele de volta.
– Papai, olha! – a menina mostrou um pedaço de pão esmagado no prato.
Victor soltou um “hm” baixo, voltando ao seu tom usual.
– Está ótimo, Aurora.
E voltou a comer, mas a mente continuava inquieta. Quem era aquela mulher que sorria para sua filha como se já fosse parte da família?
Não comentou mais nada durante a refeição. Cecília terminou antes, limpou a boca discretamente com o guardanapo e levantou-se.
– Vou levar a Aurora pra cozinha, senhor.
Victor apenas assentiu, o olhar preso no prato à sua frente. Aurora resmungava baixinho, já começando a ficar sonolenta, e Cecília a carregou no colo com a naturalidade de quem já a conhecia há anos.
Ele terminou a refeição em silêncio, bebeu um gole de vinho e levantou-se, ajeitando a cadeira. Sem mais palavras, seguiu para o escritório.
A sala estava como sempre: organizada, fria, com o cheiro discreto de couro e papel novo. Ele ligou o computador, digitando a senha sem sequer olhar para o teclado. Poucos minutos depois, o relatório chegou.
Arquivo: Cecília dos Santos Morelli – Confidencial.
Victor abriu, os olhos passando rapidamente pelas informações:
Idade: 24 anos. Filha única. Formação em Pedagogia. Experiência prévia com crianças.
Mas foi o rodapé que chamou sua atenção:
Pai: Afonso dos Santos Morelli – dívida ativa: R$ 1.247.000,00. Situação: inadimplente, sem perspectivas de pagamento.
Ele recostou na cadeira, absorvendo o dado. Um milhão e duzentos... sem chance de pagar. Isso não é dívida de gente simples. Isso é dívida de quem se envolve com quem não devia.
Victor pegou o telefone interno.
– Lena, pode vir aqui um minuto.
A governanta apareceu pouco depois, como sempre impecável.
– Senhor Valemont?
– Chame Cecília. Preciso falar com ela.
– Sim, senhor.
Victor desligou, os dedos batendo de leve na madeira da mesa. A decisão já estava tomada.
Um leve toque na porta interrompeu seus pensamentos.
– Senhor Valemont? – a voz de Cecília soou hesitante. – A Lena disse que o senhor queria falar comigo.
– Entre.
Ela entrou devagar, segurando o pano de prato que ainda tinha nas mãos, os cabelos um pouco desalinhados por causa de Aurora, que tinha acabado de pôr no berço.
– O que foi? Aconteceu alguma coisa?
Victor fez um gesto com a mão, indicando a cadeira à frente da mesa.
– Sente-se.
Cecília obedeceu, ajeitando-se, desconfortável. Ele girou o monitor em sua direção.
– Por que o seu pai está devendo tudo isso? – perguntou, a voz baixa e controlada. – Mais de um milhão de reais. Ele fez alguma coisa? Apostas? Tráfico?
Ela congelou. O rosto empalideceu.
– N-não, não é nada disso... – murmurou, os dedos torcendo o pano de prato. – Meu pai... ele era viciado.
– Em quê? – Victor inclinou o rosto, analisando cada movimento dela.
– Em drogas. – a palavra saiu quase num sussurro. – Mas ele mudou, de verdade. Ele se tratou, reconstruiu a vida... só que a dívida ficou. Ele paga o que pode, mas... nunca consegue quitar tudo.
Victor a encarou em silêncio por longos segundos. Cecília respirava rápido, os olhos fixos na mesa. Então ele se recostou na cadeira, cruzando os braços.
– Tenho uma proposta para você.
Ela levantou os olhos, confusa.
– Que tipo de proposta?
– Um contrato. – Victor respondeu com frieza calculada. – Eu pago toda a dívida do seu pai, de uma vez. Limpo o nome dele.
Ela piscou, surpresa.
– Por quê?
– Isso não te interessa. – interrompeu, firme. – A única coisa que você precisa saber é que, em troca, você vai se casar comigo.
Cecília arregalou os olhos, o coração disparando.
– C-casar? Com você? Mas por quê?
Victor não desviou o olhar.
– Eu preciso de uma esposa, e você serve. Não se preocupe, não vai existir nada íntimo entre nós, nenhum tipo de... obrigação conjugal. É apenas um contrato. Um anel no dedo, aparência pública, nada mais.
Ela ficou muda, o cérebro tentando processar o que acabara de ouvir.
– Isso é loucura... – murmurou, quase sem voz. – Você está falando sério?
Victor inclinou o corpo para frente, apoiando os cotovelos na mesa.
– Estou. Pense bem, Cecília. Você resolve o maior problema da vida do seu pai em um dia. E não perde nada com isso.
O silêncio se arrastou, pesado. Cecília abaixou a cabeça, sentindo o pano de prato umedecer sohumedecerr nervoso das suas mãos. Um nó subiu pela garganta, mas ela respirou fundo, endireitou os ombros e ergueu os olhos, encontrando os dele.
– Eu aceito... – disse por fim, a voz firme apesar do tremor. – Mas com uma condição.
Victor arqueou uma sobrancelha, curioso.
– Condição?
– Eu não quero que o senhor chegue perto de mim. – cada palavra saiu medida, controlada, mas os olhos dela estavam marejados. – Não quero que haja nada entre nós... nada íntimo. Para o mundo, podemos ser casados, mas eu continuo sendo apenas a babá da sua filha. Essa é a minha vida, e eu não quero que isso mude.
Victor a encarou por alguns segundos, a expressão impenetrável, quase fria demais. Então, finalmente, inclinou a cabeça em um leve aceno.
– Fechado. – disse, a voz baixa, quase um murmúrio. – Vou solicitar que redijam o contrato. Hoje mesmo. Antes do jantar, você assina.
Cecília engoliu seco, apenas concordando com um aceno rápido.
– Posso... voltar para o quarto?
– Sim. – Victor fez um gesto com a mão, indicando a porta. – Você já fez bastante por hoje.
Ela se levantou com um movimento contido, quase rígido, e saiu sem olhar para trás. Subiu as escadas lentamente, cada passo ecoando como um lembrete de que sua vida acabara de mudar. Quando finalmente entrou no quarto, trancou a porta e encostou-se nela, deixando o pano de prato cair no chão.
O silêncio do cômodo ainda ecoava quando Victor pegou o telefone fixo da mesa, os dedos batendo no teclado com precisão quase irritante.
– Adrian. – disse assim que a ligação completou. – Já encontrei minha esposa. Solicite o contrato.
Do outro lado, um silêncio breve, depois a voz Adrian soou confusa:
– Contrato... de casamento?
– Isso mesmo. Quero as cláusulas de confidencialidade, divisão de bens, validade de dois anos. Sem exigência de intimidade ou convivência conjugal obrigatória. Apenas imagem pública.
Houve um suspiro incrédulo antes de Adrian responder:
– Victor... você tá falando sério? Faz nem três horas que você disse que precisava de tempo.
– Dez minutos. – cortou Victor, sem alterar o tom. – Manda para o meu e-mail.
Do outro lado da linha, Adrian hesitou, mas acabou perguntando:
– Posso ao menos saber quem é a mulher?
Victor se recostou na cadeira, o olhar perdido por um segundo na tela ainda aberta com os dados de Cecília.
– A babá da Aurora. Cecília dos Santos Morelli. O pai dela deve mais de um milhão em dívidas por conta de vício em apostas e drogas. Um irresponsável que destruiu a vida da filha e ainda a fez carregar a culpa. Ela é filha única, se mudou de país pra tentar reconstruir a vida. Agora... ela vai ter uma chance.
Houve um longo silêncio do outro lado. Finalmente, Adrian soltou um meio riso incrédulo:
– Você arranjou uma esposa em três horas, Victor.
– Eu arranjei uma solução. – respondeu seco, quase frio. – E você vai mandar esse contrato em dez minutos.
– Tudo bem... – Adrian suspirou. – Dez minutos.
– Ótimo. – Victor desligou sem esperar outra palavra.
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Atualizado até capítulo 32
Comments
Marta Monteiro
contrato assinado e vida mudada,eita 😮
2025-08-02
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