Na manhã de sexta-feira, a casa estava em silêncio. Bianca, como de costume, trancada no escritório com suas planilhas e contratos. Rafael, já mais ambientado, arrumava a mesa do café com a cautela de quem tentava lembrar o passado através de gestos automáticos.
A campainha soou às 9h01.
Ele largou uma colher sobre a toalha e caminhou até a porta com uma estranha ansiedade no peito. Havia algo naquela rotina controlada que o reconfortava, mas a visita que Bianca havia mencionado na noite anterior deixava seu estômago revirado.
— Seus pais vêm hoje — ela dissera, casualmente. — Melhor usar algo que não pareça ter sido escolhido por um paciente de clínica de repouso.
Agora, ao abrir a porta, Rafael sentiu uma onda morna de familiaridade. Alfredo Belmont estava elegante como sempre — terno cinza claro, expressão austera — e Esther, com um vestido azul-petróleo impecável, segurava uma bolsa cara e um sorriso treinado.
— Rafael — ela disse, abrindo os braços.
Ele hesitou por um segundo, depois a abraçou. Um perfume forte e sofisticado o envolveu.
— Filho — disse Alfredo, apertando sua mão. — Como está?
— Confuso — Rafael admitiu, direto. — Mas bem. Bianca tem sido... paciente comigo.
— Bianca é uma mulher admirável — disse Esther, lançando um olhar sutil para dentro da casa. — Podemos entrar?
Ele assentiu e os guiou até a sala de estar.
Quando Bianca apareceu, elegante como sempre, de calça de alfaiataria creme e blusa preta de seda, os pais de Rafael se levantaram como em reverência silenciosa. Havia, nos olhos deles, uma mistura de respeito e medo.
— Senhora Belmont — disse Alfredo, num tom mais formal do que o habitual.
— Que bom que vieram — ela respondeu, estendendo a mão, depois trocando um beijo rápido com Esther.
Rafael observava a cena com atenção, tentando encontrar rachaduras na fachada. Mas tudo parecia... real.
— Então — ele disse, quando todos estavam sentados. — Eu queria ouvir de vocês. Sobre... tudo isso. O casamento, a falência, o distanciamento. Eu tenho... buracos demais na memória. E confesso que parte de mim ainda acha que estou vivendo um delírio.
Alfredo foi o primeiro a falar.
— Rafael, você foi... impulsivo nos últimos anos. Fez escolhas ruins. Recusou responsabilidades. Comprometeu a imagem da nossa empresa em eventos públicos. Discutiu conosco. Gastou mais do que podia. Teve... comportamentos que não nos deixaram opção.
Esther assentiu, as mãos pousadas com elegância no colo.
— Bianca foi o único ponto de equilíbrio nesse caos. Ela viu algo em você que... nós já não víamos mais.
— E a falência? — ele perguntou, franzindo a testa. — Perdemos tudo?
— A empresa ainda existe — Alfredo respondeu. — Mas com acionistas externos e pouca influência nossa. Nosso nome está... esvaziado. E escolhemos nos afastar. Precisávamos preservar a dignidade.
— Então... eu realmente trabalhava para a Bianca?
Esther sorriu com suavidade.
— Era a única forma que encontramos de te manter com algum propósito. Bianca o contratou como motorista pessoal. E você, teimoso como sempre, fez de tudo para se aproximar dela. No fim... foi inevitável.
Rafael olhou para Bianca, atordoado.
Ela apenas sustentou o olhar, tranquila. Tinha treinado aquele silêncio como uma arma.
— Eu sinto muito por tudo isso — ele disse, passando a mão nos cabelos. — Não consigo imaginar ter causado tanta decepção.
— Você está tendo a chance de recomeçar — respondeu Alfredo, firme. — Poucos têm esse privilégio. Seja inteligente, Rafael. Aproveite.
— E confie na Bianca — disse Esther, com gentileza calculada. — Ela te salvou. E continua salvando.
Silêncio. Por um instante, todos pareciam ensaiar a respiração.
Rafael assentiu devagar, os olhos azuis embargados por uma emoção confusa. Um misto de culpa e gratidão.
— Obrigado por virem. De verdade.
Bianca se levantou.
— Eu vou preparar um chá.
Enquanto ela se afastava, Rafael a observou com outro olhar, com uma ponta de admiração sincera. Ela estava ali. Cuidando. Sem cobranças. Sem mágoas visíveis.
E talvez fosse isso que mais o confundia.
Porque, até aquele momento, ele tinha certeza de que ninguém jamais ficaria ao lado dele por escolha.
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Salete Michels de Gracia
Acho que se não tinha amor por parte do Rafael também não tem por parte da Bianca, pois ela parece um robô, está bem longe de ser humana.
2025-09-18
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Zelia Almeida
nao tenho opinião formada ainda!
2025-09-11
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