2. Predadores Silenciosos

Quando Rowan desce do palco, alguns betas o parabenizam pela sua incrível performance lá em cima. Ele apenas agradece com um aceno breve, sem energia para interações mais prolongadas. Suado e exausto, se joga num pequeno sofá no canto do camarim, olhos fixos na televisão pendurada na parede que exibia a próxima “atração” dos alfas.

Ele odiava aqueles olhares. Odiava aqueles sorrisos predatórios, como se os betas fossem apenas meros objetos de desejo — carne exposta, oferecida num prato dourado para eles. Odiava todos eles e suas regras e leis idiotas. Tudo ali era um jogo silencioso de posse, onde nenhum dos seus movimentos era apenas uma dança. Cada gesto era um grito para a sobrevivência disfarçada de arte.

— Carmesim?

Ele se vira ao ouvir o nome, só para encarar os olhos duros de Lyandra, a organizadora do show. O batom vermelho dela estava intacto, o cabelo preso com exatidão. Havia sempre algo calculado demais nela — como se até o piscar de olhos fosse ensaiado. E ele não entendia, mas até sua postura era firme, imponente.

— Um alfa pagou por uma dança particular. Trinta minutos. — A informação murchou ainda mais seu corpo. Ele não queria mais essa dor de cabeça hoje. — Sabe que não tem escolha. O Rex vai estar de olho. Não se preocupe.

Não havia nada reconfortante naquela última frase. Rowan apenas assentiu em silêncio, levantando-se relutante. Pegou um pano e limpou o suor do rosto e do pescoço, ajeitou a roupa com gestos mecânicos. O cheiro do camarim era abafado: perfume barato, spray de cabelo e o suor misturado de todos os dançarinos. Rowan não gostava nenhum pouco desse cheiro — quase tanto quanto odiava a obrigação de se apresentar ali para aqueles alfas.

Caminhando com Rex até a sala reservada, ele passou pelos corredores estreitos e escuros do clube, onde outros betas conversavam, se ajeitavam, ou simplesmente esperavam a próxima chance de se venderem por migalhas de status ou segurança. Rowan não os julgava. Já pensou nisso por horas quando era mais novo, tentando decidir se aquilo o ajudaria a sair da miséria onde nasceu.

— Qualquer coisa, me chama — Rex murmurou, posicionando-se ao lado da cortina grossa que separava a sala. — Ele bebeu muito...

Ele parecia querer dizer algo mais, mas engoliu as palavras. Rowan entendeu. Seria um desastre se o cliente perdesse o controle. Já havia acontecido antes. O clube sabia lidar com consequências — mas nem sempre as vítimas tinham a mesma sorte.

Quando entrou, o alfa já estava sentado no sofá, com as pernas abertas. A posição era relaxada, mas carregada de domínio. A luz fraca da sala projetava sombras no rosto dele, dando mais destaque à máscara metálica que cobria metade da face.

Carmesim inspira fundo. Abre um sorriso forçado, falso. O sorriso que o palco exige. A máscara que usava era mais leve que a do alfa, mas ainda assim tão incômoda quanto.

A cicatriz que cortava o rosto do homem era fina, descendo da bochecha até o queixo. Um detalhe imperceptível à distância, mas marcante de perto. Cabelos loiros — mais escuros nas raízes. Olhos cinzas como fumaça prestes a engolir tudo. Suas mãos, calejadas, seguravam um copo de uísque com uma pedra de gelo derretendo lentamente.

Carmesim subiu no minipalco, os olhos treinados vasculhando os sinais. Era mais forte que ele: identificar ameaças, pontos de fuga, possíveis mudanças de comportamento. Dançar era sobrevivência.

— Sua apresentação... — o alfa falou depois de longos segundos, a voz rouca, como se fosse feita de veludo rasgado. — ...Excepcional.

Tudo nele parecia premeditado, como se, mesmo alterado, cada palavra fosse pensada antes de sair. Até a respiração parecia controlada.

— Eu agradeço. — Carmesim respondeu com polidez, mantendo a pose profissional. A voz saía firme, enquanto os dedos que deslizavam pela camisa.

— Eu te observo tem um tempo... — o alfa continuou, pausando brevemente. — ...Seu olhar é tão duro. Dá um charme a mais.

Carmesim suspirou. Olhou-o por cima do ombro enquanto dançava, o corpo se movendo no ritmo abafado da música ambiente. Restavam 15 minutos.

— Você faz o que eles fazem?

— Não. — A resposta veio cortante. Sem personagem. Sem floreio. — Eu sou apenas dançarino.

— Pena.

O silêncio depois daquilo era mais incômodo do que qualquer palavra. O alfa não desvia os olhos. E diferente dos outros, ele não olhava apenas o corpo — parecia querer ver através dele. Isso deixava Carmesim desconfortável. Mais do que qualquer outro olhar predador que já enfrentou.

As garras do alfa estavam levemente expostas. Não como ameaça — mas como instinto mal contido. A respiração pesada, o olhar fixo, inabalável. Carmesim estava acostumado a tensão, mas havia algo naquele homem que o desestabilizava.

Quando a dança terminou, Carmesim desceu do minipalco com um sorriso automático.

— Foi um pra...

— Mentira. — O alfa o cortou, ainda com a mesma calma insuportável.

— Como, senhor?

— Não foi um prazer pra você, só pra mim. — Ele riu, sem humor, e passou a mão pelos fios loiro-escuros, revelando um anel pesado no dedo médio. O gesto era aristocrático, carregado de uma autoridade silenciosa.

— Foi um prazer. — Carmesim respondeu, automático.

— Foi um prazer. — o alfa repetiu, um sorriso prepotente se formando. Caninos perfeitos, brancos demais. — Até a próxima.

Carmesim não respondeu. Apenas saiu, cruzando a cortina. Rex estava lá, o observando. Tinha escutado tudo, mas não comentou. Caminharam em silêncio pelo corredor de volta ao camarim.

Sentado diante do espelho, Rowan encarou o próprio reflexo. O suor já seco, a maquiagem borrada no canto do olho. Sorriu, um riso sem acreditar.

Aquele alfa não era como os outros.

Já dançou para todos os tipos de alfas. Alguns eram animalescos, outros perigosamente sedutores. Mas aquele era diferente. Tinha algo no silêncio dele. Algo que parecia vê-lo como mais do que um corpo. E ao mesmo tempo, o devorava com os olhos como se já fosse posse dele. Rowan também poderia jurar que viu confusão e nojo ali em alguns momentos. Esse homem era diferente.

— Por que o alfa estava de máscara? — Rowan perguntou, enquanto retocava a maquiagem com mãos que fingiam firmeza. — Algo especial?

Rex da uma leve risadinha rouca.

— Bom... a Lyandra não comentou direito, mas ele é bem poderoso lá em cima. — Rex apontou com o queixo, referindo-se à Cidade Alta, onde a elite alfa e ômega vivia em torres limpas e cintilantes.

— Entendi...

Mas ele não entendia. Não de verdade. Aquela presença ainda pesava nos seus ombros, como se tivesse deixado um rastro invisível em sua pele.

Talvez aquela dança não tivesse acabado ali.

Esse era o medo de Rowan.

Mais populares

Comments

boludin amo a shiro

boludin amo a shiro

Promete ser incrível!

2025-07-22

1

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!