CAPÍTULO – 3

Rosa

Dia Seguinte...

Ao me virar na cama, ouço o galo do vizinho cantar alto, como se tivesse um despertador embutido na garganta. Logo em seguida, vem o grito da minha irmã Joana, ecoando pela casa como um trovão:

— Rosa! Levanta logo, sua desgraça! Vai chegar atrasada na escola!

Meus olhos se arregalam.

— Meu Deus, a escola! — pulo da cama num susto.

Corro pro banheiro, tomo um banho de três minutos e, ainda pingando, pego uma calça jeans, uma camiseta preta e tranço meus cabelos dos dois lados. Calço meu All Star surrado e me olho no espelho do guarda-roupa.

— Enfim pronta. — murmuro pra mim mesma, como se fosse uma conquista.

Desço as escadas quase escorregando nos dois últimos degraus. Quando chego na cozinha, dou de cara com Joana, a mais velha da casa, que assumiu o comando depois que nossa mãe morreu.

— Até que enfim, né, Rosa? — ela comenta, enquanto coloca o cestinho com pães quentes na mesa.

— Certeza que a Rosa anda se encontrando com o Bento de noite. Eu bem ouvi umas conversinhas suspeitas ontem. — alfineta Margaret, minha irmã de quinze anos, enquanto faz biquinho tirando uma selfie com o celular.

Seus lábios estão cobertos com um batom rosa choque que parece ter saído direto de um desenho animado.

— Você não devia se maquiar tanto assim pra ir pra escola, Margaret. — Digo, franzindo o cenho pra ela.

— E eu devia ir como, queridinha? Como você? Com essa cara de defunta e roupa de quem acabou de ser esquecida pelo mundo? Me poupe, Rosa. Aff!

— Eu te mostro a defunta, sua Barbie falsificada! — respondo já me movendo pra ir pra cima dela.

Mas Joana praticamente berra:

— PAROU! As duas calem a boca e tomem esse café logo, antes que eu enfie na goela de vocês!

Ela se vira pra mim, dedo em riste:

— E você, Rosa, nada de ficar se encontrando com o Bento de noite. Tá me ouvindo? Nosso pai permitiu o namoro, mas não pra ele ficar entrando no seu quarto como se fosse ladrão. Que inferno!

— Certeza que ele tá traindo essa songa monga aí. — solta Margaret com aquele tom venenoso.

— Você tá pedindo pra apanhar, né, Margaret? — fuzilo ela com o olhar.

Ela dá de ombros, joga o cabelo alisado com chapinha pra trás e empina o nariz como se fosse uma estrela de novela mexicana.

Joana então grita novamente, agora em outro tom de desespero:

— Ô Pablo! Se apresse, seu infeliz! Você sabe que tem que levar as meninas pra escola!

Nesse instante, Pablo nosso irmão aparece na cozinha com óculos escuros, chinelo arrastando, só de bermuda e sem camisa.

— Que gritaria dos infernos é essa, hein? Minha cabeça tá prestes a explodir...

Joana o encara e joga o pano de prato no ombro com aquele ar de "não me irrita mais".

— Ah, é? Pois eu espero que o senhor se recupere logo dessa ressaca. Quem manda ficar indo pra festa de noite?

Ela suspira e cruza os braços, olhando pra ele enquanto ele encosta o rosto na mesa como se o mundo tivesse acabado.

— A caminhonete tá abastecida? — pergunta.

— Tá, Joana... agora fala mais baixo. Mania de berrar... que saco. — Resmunga Pablo.

Enquanto isso eu termino de passar manteiga no pão às pressas e enfio dois pedaços de queijo no meio — sem nem esperar esquentar. Jogo dentro da boca quase inteiro e ainda tomo um gole de café quente que desce queimando.

— Vai engasgar, ogra — comenta Margaret com a voz arrastada, ainda focada no celular.

— Se engasgar pelo menos paro de te ouvir. Vantagem — resmungo de boca cheia.

Joana bufa, nos encara como quem está prestes a jogar o bule na nossa direção, e aponta pra porta:

— Andem logo! E sem esquecer o caderno de matemática, Rosa! A professora ligou aqui ontem dizendo que você tá fugindo das contas.

Pego a mochila jogada na sala, jogo nas costas e respondo já indo pro portão:

— Não tô fugindo, tô apenas respeitando o espaço da matemática. A gente precisa de limites.

No quintal, Pablo já está no banco do motorista da caminhonete, encostado no volante com uma expressão de quem ainda está sonhando com um trio elétrico.

— Entra aí logo, bando de peste.

Margaret entra primeiro, com o cuidado de não amassar o cabelo. Eu entro em seguida, me afundando no banco com o corpo meio torto, ainda digerindo o café.

A estrada até a escola é de terra vermelha, com uns buracos que fazem a caminhonete pular feito cabrito nervoso. Pablo liga o rádio, que começa a chiar com uma música sertaneja velha misturada com estática. Margaret bufa, tira o fone do bolso e se isola no mundo dela.

Fico olhando pela janela. As cercas de madeira passando rápido, a neblina ainda presa entre os galhos das árvores. Tem algo no ar que não parece... certo.

Mas talvez seja só o sono.

Ou talvez seja o fato de que o Bento ainda não me respondeu com cem por cento de clareza.

— Ei, Pablo... você viu o Bento? — pergunto, tentando parecer casual.

Ele coça a cabeça, ainda meio grogue.

— Acho que vi ele lá perto da vendinha do Zé, ontem à noite. Tava esquisito.

— Esquisito como? — me ajeito no banco.

— Sei lá... parado no escuro. Do lado do mato. Quase me deu um susto da moléstia.

Franzo o cenho. Olho novamente pela janela.

“Parado no escuro… do lado do mato…”

— Talvez ele só goste de ficar em silêncio. — murmuro pra mim mesma.

Margaret então tira um fone e comenta com a voz debochada:

— Não disse? Esse cara está te traindo, irmãzinha. Esses silêncios todos… muito suspeito.

— Cala a boca, Margaret. — digo sem nem olhar pra ela.

Ela dá risada e volta pro mundinho dela, e eu fico aqui, com o som do motor e da estrada como trilha.

Algo me diz que essa manhã vai ser mais longa que o normal.

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