02

O Don Não Sente

Maitê

O som dos pneus importados cortando a estrada de paralelepípedos ecoou pelo corredor da mansão Valentini como uma ameaça silenciosa. Até o vento pareceu prender a respiração. E eu também.

Ele estava de volta.

Depois de cinco anos longe, Hendrick retornava à casa onde crescemos como dois estranhos forçados a conviver. Eu, a filha dos empregados. Ele, o segundo filho do homem mais temido da máfia italiana.

Fomos crianças juntos. Nunca amigos de verdade — ele era reservado, sério demais, já carregava o mundo nas costas desde pequeno. Mas às vezes dividia um silêncio comigo no jardim, ou me oferecia um livro esquecido na biblioteca. Só isso. Nunca mais do que isso.

Mas agora ele não era mais o filho do mafioso. Era o Don. O homem que assumiu o trono de sangue. O mesmo que arrancava vidas com ordens silenciosas. E que, segundo os rumores, havia se tornado cruel... insensível... e perigoso demais até para o amor.

— Ele chegou, — murmurou Cristal, encostada na parede, com os braços cruzados e o olhar tão frio quanto o dele. — E você deveria manter distância.

Como se isso fosse possível.

Desci as escadas sentindo o estômago se retorcer. Não de saudade — mas de medo do que veria.

A porta principal se abriu como se o próprio ar se curvasse para dar passagem. E lá estava ele.

Hendrick Valentini.

Terno negro impecável, barba marcada, cabelo penteado para trás, e aqueles olhos cinzentos... antes calmos, agora letais. Um olhar que varria tudo à sua frente como uma lâmina.

Ele tirou os óculos escuros devagar, os olhos pousando em mim como se eu fosse um detalhe fora do lugar.

— Ainda mora aqui? — sua voz cortou como navalha.

— Meus pais continuam trabalhando para sua família. Nunca saímos daqui, — respondi, tentando manter firmeza.

Ele arqueou uma sobrancelha, com desdém.

— Sempre achei impressionante como vocês sabem se manter no lugar de onde vieram.

Engoli em seco.

— Não estou aqui por escolha, Hendrick.

Ele caminhou até mim. Cada passo ressoava como um lembrete de que aquele não era mais o menino calado da biblioteca.

— Ah, então agora me chama pelo nome? — ele sussurrou, parado a centímetros do meu rosto. — Esqueceu quem eu sou?

— Você é o mesmo garoto que cresceu por aqui... ou era.

Ele soltou um riso curto, cruel.

— Aquele garoto morreu no dia em que aprendeu que sentimentos só servem pra destruir quem os tem.

Eu travei.

Ele analisou meu corpo de cima a baixo. Não havia desejo evidente, mas sim julgamento. Como se tentasse medir o quanto eu havia mudado... e se valia a pena me esmagar com palavras.

— Está diferente, Maitê. Mais mulher, menos invisível. Mas cuidado. Nesse mundo, quanto mais chamativa, mais rápido você se torna alvo.

Senti meu rosto esquentar. Não era um elogio. Era uma ameaça velada. Um aviso.

— Eu não sou nenhuma ameaça, Hendrick.

Ele se inclinou, sua voz baixa e venenosa.

— Pra mim, todos são. Até você.

E com isso, se afastou como se nada tivesse acontecido. Como se eu fosse só mais uma sombra na mansão que agora era dele.

Mas uma coisa era certa: o Hendrick que retornou não era feito de carne e coração. Era feito de gelo, aço... e um passado que o endureceu por completo.

E eu, que só queria seguir invisível, agora estava na mira de quem menos deveria me notar.

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