O som do telefone interrompeu o silêncio pesado da sala de reuniões. Alexandre Delgado ergueu os olhos do contrato, os dedos apertando a ponte do nariz em irritação contida.
— Desligue isso, por favor — ordenou ao assistente, que prontamente atendeu e sussurrou algo ao telefone, franzindo a testa.
Do outro lado da mesa, Vinícius Barreto cruzou os braços. Impecável no terno sob medida, com um sorriso controlado nos lábios, ele observava Alexandre com olhos atentos — e frios.
— Algum problema? — perguntou com falsa preocupação.
O assistente aproximou-se de Alexandre, murmurando algo no seu ouvido. A expressão do magnata mudou rapidamente. O rosto endureceu, e ele levantou-se.
— Houve um acidente na estrada. O carro em que Aurora estava... caiu numa ribanceira.
O silêncio se tornou absoluto. Apenas o som distante da chuva batendo nas janelas preenchia a sala.
— Ela... está viva? — perguntou Vinícius, num tom calculado demais para alguém supostamente noivo.
— Não sabem. Ainda estão procurando entre os destroços. — A voz de Alexandre tremia, mas ele tentou manter a compostura. — A motorista também sumiu. Já chamei um helicóptero. Vou até lá.
Vinícius assentiu, mas por dentro, seus pensamentos giravam rápido. Ele sabia exatamente qual era o trecho da estrada. Sabia o que devia ter acontecido.
E estava a contar com isso.
Duas horas depois, em meio à lama, árvores caídas e o caos de viaturas e bombeiros, Alexandre observava os destroços do carro da filha. O veículo estava virado, parcialmente coberto pela vegetação. Marcas de arrasto no chão sugeriram que foram empurrados, ou desviado violentamente. Mas não havia sinais de Aurora.
Um bombeiro se aproximou, removendo o capacete.
— Encontramos rastros de sangue seguindo para a floresta. Fracos, mas estão lá. Não há corpo. É possível que ela tenha sobrevivido ao impacto e tentado buscar ajuda.
— E por que diabos ainda não encontraram? — gritou Alexandre, a raiva servindo de disfarce para o medo.
— A floresta é densa, senhor. E está a começar a anoitecer. As nossas equipes vão continuar a busca, mas…
— Mas o que? — ele vociferou, os olhos arregalados.
— Se ela estiver ferida e sozinha... não vai durar muito tempo.
Alexandre cambaleou para trás, como se tivesse levado um soco no estômago. A assistente o segurou pelo braço, preocupada.
Do alto, no helicóptero, Vinícius observava a cena através da janela escurecida. Não desceu. Não chorou. Não ligou para a imprensa. Apenas sorriu de leve, satisfeito.
“A floresta engole quem não sabe obedecer”, pensou.
Na mansão Delgado, Clara caminhava de um lado para o outro na sala, como uma leoa irritada.
— Isso não estava nos planos — sibilou. — Era para ela sumir, não para virar um espetáculo de busca nacional!
Ela apertou os dedos contra a testa, sentindo uma pontada de dor. Tinha sido cuidadosa. Sabia que o motorista fora instruído, sabia que o carro fora sabotado. Mas não contava com a imprevisibilidade de Aurora. A garota sempre teve um tipo estranho de sorte.
— Talvez... ela não sobreviva mesmo. A floresta é grande. Selvagem. Fria.
O mordomo a observava no canto da sala, calado. Sabia demais. E tinha medo demais.
Clara se virou para ele.
— Ninguém diz nada à imprensa ainda. Vamos esperar. Se ela aparecer, ótimo. Damos o discurso de apoio e comoção. Se não aparecer… o testamento será ajustado. E o casamento não terá mais motivo para atrasar os planos da empresa.
O mordomo assentiu, mas não disse nada. Ele sabia o que Clara era capaz de fazer com quem a contrariasse.
Na manhã seguinte, os jornais estamparam manchetes com fotos de Aurora e do acidente. “Filha do empresário Alexandre Delgado desaparecida após queda de carro em mata fechada.” Helicópteros sobrevoam a floresta. Equipes de resgate entraram em trilhas perigosas.
Mas ninguém sabia que, em um ponto afastado, longe de qualquer estrada, em uma antiga casa de madeira escondida pela vegetação espessa...
Aurora ainda respirava.
Estava deitada em uma cama simples, coberta com cobertores grossos. Um curativo improvisado envolvia sua cabeça. Havia arranhões em seus braços, lama em seus pés. E nenhum reconhecimento em seu olhar.
Ela despertou gradualmente. As pálpebras pesadas abriram-se, revelando olhos vazios, perdidos.
— Onde... eu estou?
A voz rouca mal saía.
Uma figura apareceu ao seu lado. Um homem alto, de barba por fazer e olhos intensos. Ele parecia desconfiado, mas não cruel.
— Você está segura — disse ele, com a voz grave. — Pelo menos por enquanto.
Aurora piscou, tentando focar nele.
— Quem é você?
O homem hesitou por um momento.
— Me chamo Gael. E você... você caiu do céu, moça.
Ela franziu a testa, tentando lembrar.
Nada.
Nem o nome.
Nem o rosto.
Nem o motivo de estar ali.
A única certeza era a dor… e o vazio.
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Atualizado até capítulo 37
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