🍋 Episódio 3: Risoto de Limão Siciliano e Manjericão
("Fresco. Cortante. E com um toque de ciúme…")
O Turno Noturno
Na cozinha silenciosa do restaurante, as luzes estavam baixas, e só duas panelas borbulhavam no fundo. Maria, de avental amarrado na cintura e uma presilha improvisada segurando os cabelos, balançava os quadris ao som de uma playlist instrumental de jazz — que ela mesma colocara.
— Você sempre cozinha ouvindo música? — Luan perguntou, cortando o manjericão em tiras finíssimas, com um carinho quase reverente.
— Música, aromas, risadas. Tudo tempera melhor a vida — respondeu Maria, provando o caldo com o dedo e oferecendo a ele.
— Quer experimentar?
Luan hesitou — mas provou.
E corou.
— Você cozinha como se estivesse contando um segredo.
Maria riu.
— E você fala como se tivesse medo de contar os seus.
Ele desviou o olhar. Pegou um limão siciliano e começou a raspar a casca com o zester.
— Esse risoto é delicado. Precisa de acidez, mas não pode agredir.
— Como um elogio sincero? — ela provocou, chegando mais perto da panela.
— Como… você — Luan disse, baixo demais. Mas Maria ouviu.
Por um instante, o silêncio foi outro. Quente, denso. Os dois riram, tímidos, mas não se afastaram.
— Eu gosto de cozinhar com você, Luan.
— Eu gosto… de te ver cozinhar — ele disse, antes que pudesse se censurar.
Foi nesse momento que a porta da cozinha rangeu.
Gabriel entrou.
De camisa preta, mangas dobradas, expressão indecifrável.
O cheiro cítrico do risoto ainda no ar.
O riso abafado.
A intimidade no gesto de Maria provando o arroz e oferecendo a colher para Luan.
Gabriel não disse nada.
Só se aproximou da bancada e observou.
— Isso está no cardápio? — perguntou, sem olhar pra ninguém.
— Não. Foi só… treino — disse Luan, a voz um pouco menor do que o normal.
Gabriel provou o risoto com a ponta da colher.
Engoliu. Olhou para Maria.
— Muito limão. E manjericão demais.
— Ou paladar exigente demais — retrucou ela, sem abaixar a cabeça.
Ele a encarou por um segundo longo. Um silêncio entre insulto e desejo.
— Você não está autorizada a usar ingredientes fora da lista da casa.
— Nem depois do expediente?
— Especialmente depois do expediente — ele respondeu. Mas sua voz não era firme. Era… ferida.
Luan percebeu.
Maria também.
E então ela sorriu.
— Entendido, Chef.
Gabriel virou as costas. Antes de sair, disse, sem olhar:
— Volte segunda. Às seis.
E sem o perfume.
Porta. Silêncio.
Luan respirou fundo.
— Ele vai te devorar.
Maria ergueu o garfo e assoprou o risoto.
— Só se eu deixar.
Segundo prato.
Casa de Gabriel na mesma noite.
(Título: "Caldo de Ossos e Silêncios")
O apartamento de Gabriel era sóbrio, limpo e frio. Tudo no lugar. Nenhum quadro pessoal. Apenas utensílios profissionais na cozinha e livros de receitas empilhados em ordem por cor.
Ele se jogou na cama sem tirar a camisa, os olhos fixos no teto escuro. O ar-condicionado fazia um ruído constante, mas não abafava o som dos pensamentos.
Maria.
Rindo com o Luan.
O jeito que ela assoprou o risoto.
A colher tocando a boca dele.
O perfume cítrico no ar.
O riso abafado. A intimidade.
Ele apertou os olhos, virou de lado. Depois pro outro.
Puxou o travesseiro. Jogou.
O lençol estava quente demais.
Levantou.
Foi direto pro chuveiro. A água gelada caiu como agulhas nas costas.
Fechou os olhos.
A imagem dela não saía.
Maria. De avental. Descalça. Dando ordens sem perceber.
Tocando o arroz como se fosse pele.
O sorriso. Os olhos brilhando.
A colher oferecida. A boca do Luan.
Não. Não.
Gabriel encostou as mãos na parede fria do box. O corpo reagia antes da mente.
Ele se tocou,ele gozou .
Mas não adiantou.
Quando terminou, o vazio era maior que antes.
O desejo não cessava. O gosto dela já estava nele.
Saiu, secou-se rápido, vestiu a camiseta cinza mais velha do armário.
Na cozinha, acendeu a luz baixa.
Começou a preparar um caldo.
O ritual que sempre funcionava.
Cebola. Cenoura. Salsão. Ossos brancos e pesados.
O cheiro da base.
Mas hoje, o aroma não acalmava.
Era como se tudo cheirasse a ela.
📱Telefone tocando.
Gabriel secou a mão no pano e atendeu com a voz ainda rouca:
— Sim.
— Gabriel, é o Sr. Varella. Preciso que o jantar de amanhã à noite esteja impecável. O investidor não gosta de pompas. Nem surpresas.
Jantar leve, sofisticado, em três etapas. Entrada, prato principal, sobremesa. Coisa simples. Elegante. E... pessoal.
— Pessoal? — repetiu ele, já desconfiado.
— Só você e um assistente. O investidor quer avaliar o "ambiente íntimo de uma equipe enxuta". E vai acontecer na cobertura dele. Vista para a cidade. Luxo discreto. Seja pontual.
Click.
Gabriel ficou parado, com a mão ainda no pano.
Dois pratos borbulhavam no fogão: o caldo e os pensamentos dele.
Só um assistente.
Só um.
O olhar de Maria cruzando o dele voltou com força.
O jeito que ela respondeu:
— Entendido, Chef.
Ele olhou para o caldo no fogo.
Mexeu devagar.
E sorriu. De lado. Sombrio.
— Segunda vai chegar mais cedo.
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Atualizado até capítulo 37
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