o silêncio de Dmitry - Narrativa de Margô

Acordando apenas com o despertador marcando 07:00 AM, um novo dia, tudo começando novamente, a mesma monótona e cansativa rotina diariamente, faculdade pela manhã até as 2:00 PM e trabalho no café perto do anexo de lojas até as 10:00 PM, arrumei-me rapidamente e tomei um café instantâneo com torradas, cada minuto era precioso para não perder o ônibus, em outros dias normalmente acordaria mais ccedo,mas a semana de provas havia finalmente acabado então dei-me o luxo de dormir 50 minutos a mais, calçei os meus sapatos e segui em direção a porta para sair, não tinha tempo a perder, assim segui o meu dia agitado voltando novamente para casa tarde da noite, o cansaço consumia-me e mal via a hora de um merecido e sossegado descanso, mas está palavra "sossego" não existia no vocabulário dele. As paredes aqui são finas demais, quando aluguei este apartamento o corretor disse-me que o prédio era "histórico", em outras: velho,mal isolado, com canos que choram no meio da madrugada. Mas eu não me importava, o silêncio sempre foi meu refúgio, a quietude da minha própria cabeça era um espaço seguro, meu território.

O problema era o barulho de lá, do lado dele. Dmitry eu lembrava o nome, ele mesmo disse-me, com um breve aceno de cabeça e um sotaque rouco. Desde então,o apartamento 3B se tornou uma espécie de palco noturno: batidas de cama contra a parede,gemidos altos demais para parecerem espontâneos, risos femininos, músicas com batidas pesadas que a minha surdez parcial fragmentava em pedaços desconexos, como um rádio quebrado tentando sincronizar o caos. Mesmo assim era o suficiente para me manter acordada toda a noite, toda maldita noite, francamente como há tanta disposição numa pessoa de todas as noites serem dessa forma? Já faziam dias que as minhas horas de sono se resumiam a 2, 3 horas seguidas, eu estava stressada,, o meurendimento estava cada vez mais baixo. Mas aquela madrugada,o que havia era ausência, silêncio,um vazio estranho e desconfortável. O tipo de silêncio que arrepia, não porque é calmo, mas, porque você percebe que está esperando algo, e esse algo não vem. Levantei da cama inquieta, fui até a cozinha, vaguei sem rumo, fitei o saco de lixo cheio, uma desculpa perfeita para sair de casa, vesti o casaco peguei a chave e saí. Ele estava ali, encostado à porta do 3B como se tivesse sido esculpido na parede, alto, ombros largos, corpo firme como se carregasse o prédio inteiro, o cabelo preto molhado caia na testa, a camiseta escura colava ao peito, os braços cruzados, a mandíbula travada. Mas sempre eram os olhos que me prendiam, um azul, um verde. Como se o céu e a floresta disputasse espaço dentro dele, parecia que Deus estava indeciso quando o criou.

ele olhou-me como se já soubesse quem eu era, e então ele falou:

— Você é a do outro lado da parede.

A voz dele era grave, tinha um arrastar rouco de quem fuma demais. Segurei o saco de lixo com mais força eu não queria falar, mas a raiva, a insónia, a frustração fizeram escapar antes que o bom senso pudesse-me calar.

— E você é o barulhento

A resposta saiu fria, seca como.uma bofetada sem mão, mas ele apenas sorriu com o canto da boca num gesto sarcástico quase gentil. Quase.

— Não sabia que incomodava tanto assim.

— Ou talvez você apenas não se importe.

— É para isso que você saiu para conversar no meio da madrugada?- disse ele erguendo uma das suas sobrancelhas.

— Não eu só.....notei que, pela primeira vez em semanas você está quieto. E isso pareceu-me suspeito.

— Então veio investigar?

— Vim jogar o lixo. O resto foi acidente — menti

Ele descruzou os braços, deu um passo na minha direção, eu não recuei, mas meu corpo todo queria.

— E o veredito? Estou livre de acusações por hoje?

— Ainda não decidi — respondi indo em direção às escadas —Mas você definitivamente é barulhento.

Dmitry sorriu, um canto da boca ergueu-se, carregando algo entre ironia e desafio.

—Você se incomoda tanto assim?— disse me seguindo.

— Eu existo, eu ouço (apesar de não tão bem) e algumas pessoas aqui trabalham de verdade durante o dia — respondi jogando o saco na caçamba e voltando para as escadas, ele seguia-me como a minha sombra.

— E o que você escuta exatamente?

— Tudo o que me impede de dormir

—Mas não tudo, né?

—O que? - parei olhando fixamente para Dmitry

—Seus olhos- ele disse baixando o tom —Você tem olhos de quem não ouve tudo....., mas apenas o que importa.....

Engoli seco, fiquei parada, ninguém havia dito algo assim para mim.

Ele então estendeu a mão.

—Dmitry, caso ainda precise de confirmação.

Olhei para a mão dele, grande, marcas de calo e com cicatrizes, havia um desenho que não sabia identificar o que era. Uma mão que já segurou muita coisa, ou apertou com força demais outras.

—Margô- respondi, mas não o toquei, apenas disse, isso já bastava. Segui o corredor do meu apartamento.

— Tentarei ser.....mais silencioso - disse num tom irônico logo atrás de mim.

Olhei por cima dos ombros com uma expressão irritada abrindo a porta. Ele ainda estava me olhando fixamente com um breve sorriso no rosto.

—Boa noite......Margô

—Ainda não decidi se será boa- respondi fechando a porta logo atrás de mim, ouvi uma risada contida e os seus passos indo para dentro do seu apartamento.

Naquela noite ele não fez barulho e o silêncio......foi mais ensurdecedor que qualquer grito......

Os dias seguintes ao encontro foram.....estranhos. Ele parou com o barulho.....por uma noite, uma única noite. Como se tivesse me dado de presente, só para ver como eu reagia.Mas, voltou, não com o mesmo exagero de antes; agirá estava mais contido, mais intercalados, como se estivesse fazendo de propósito. O bastante para me lembrar dele, o bastante para me incomodar, o bastante para me deixar imaginando.

Eu não podia me dar o luxo de perder o sono, minha vida já era cansativa o suficiente: acordar cedo enfrentar ônibus e metrô lotados de pessoas impacientes, assistir aulas na universidade com metade da audição e o dobro esforço; levo mais tempo para entender certas coisas, mas ninguém vê isso. Só acham que sou distraída, lenta....desligada.Depois da aula, corro para o trabalho na cafeteira, onde passo horas anotando pedidos,ouvindo pessoas reclamando de suas vidas , de suas viagens , romances mal sucedidos e suas faltas de liberdade. Saio de lá exausta atravesso a cidade com fones, não para ouvir música, mas para tentar abafar os ruídos de conversas desconexas, e chego em casa quase meia noite, todos os dias. E ele sempre está lá. Não do lado de fora mas do outro lado da parede.Os sons voltaram, mais abafados , mais irregulares , passos pesados , vozes femininas , risos curtos , portas sendo fechadas, músicas desconexas, gemidos.

O som ecoa em mim mais do que entra pelos ouvidos.É como se minha mente inventasse o que falta, completasse as lacunas ,da minha audição com imagens que eu não quero ter. As vezes ele fala algo , palavras soltas, graves, baixas; não entendo.....mas o tom me arrepia. Comecei a dormir com tampões, com audiobooks ligados no volume máximo que minha condição permite. Nada funciona , nada o apaga completamente.

— Malditos ruídos- falava para mim mesma — poderia ser 100% surda para não ter que ouvi-los.

Na terça feira cheguei tarde demais, o metrô atrasou, depois de uma tempestade de neve, minhas botas estavam encharcadas, minha roupa e mochila molhadas, e meu humor? Enterrado. Tudo o que eu queria era tomar um.banho quente e fingir que eu existia em silêncio. Mas assim que fechei a porta do apartamento, ouvi.....um estalo rítmico. A cabeceira dele? Ou a parede? A cama gemeu, uma risada feminina esparramou-se, uma batida surda, como se alguém estivesse empurrando algo com força. Senti o sangue subir a cabeça, tirei os fones com raiva, joguei a mochila no chão, encostei na parede, e fiquei ali, só ouvindo. Por quê fiz isso? Nem eu sei....curiosidade? talvez, ou talvez fosse raiva? sim, raiva com certeza havia ou…talvez......fosse.....inveja?

Ele estava ali, tão próximo, tão presente, tão......vivo.Enquanto eu.....só passava os meus dias como um ruído de fundo da própria vida.

O pior? É que as vezes....quando .....me deito.....eu fecho os olhos, eu escuto só a voz dele, não as mulheres, apenas ele , isso me irrita profundamente.

Com o tempo comecei a notar padrões, não nos ruídos, esses continuavam erráticos, como se fossem feitos para confundir, mas nele.

Na forma como ele estava sempre no corredor quando eu chegava tarde. Encostado na parede, mexendo no celular, fumando ou apenas...ali. Como se o prédio terminasse nele.Como se fosse o guarda que vigia os esquecidos da madrugada, nunca falava , só olhava. E eu fingia que não via.

No começo achei que era coincidência. Depois, habito.Mas na quinta noite seguida , com o frio cortando meu rosto e meus dedos dormentes dentro das luvas, me peguei esperando vê-lo antes mesmo de dobrar o corredor. E quando o vi - quando nossos olhos se cruzaram, senti algo estranho. Um peso familiar.Como se de alguma forma, ele fosse parte da minha rotina. Parte da minha existência silenciosa. E isso me irritou,mas também me...acalmou? Talvez fosse cansaço, ou a solidão. Na sexta , ele segurava uma sacola de compras, uma das sacolas de pano que vendem na padaria da esquina; uma garrafa de vinho aparecia pela borda,junto com algo que parecia pão. Eu me aproximei da minha porta, passei por ele, senti o cheiro de cigarro fresco misturado com hortelã. E antes que eu pudesse destrancar ele falou:

—Tem dias que você chega tão tarde que eu acho que não vai voltar.

parei, não porque a frase foi invasiva, mas porque ele soou como quem observa....não por vigilância....mas por hábito. Como se a minha ausência fizesse falta no cenário que ele construiu do mundo. Virei o rosto lentamente. Ele me encarava com aquela mesma expressão indecifrável. Braços relaxados agora e os olhos… menos duros.

— Eu sempre volto — murmurei sem pensar

Ele assentiu devagar

— Ainda bem - e entrou no apartamento dele, sem mais nada.

Fiquei parada por um segundo, o corredor parecia mais vazio depois que ele se foi. O frio bateu de novo, destranquei minha porta e entrei, sozinha como sempre. Mas naquela noite não houve som nenhum vindo do outro lado da parede, e depois de semanas pude finalmente ter uma noite tranquila de sono, ouvia apenas o vento lá fora e a cidade lentamente adormecendo comigo.

Capítulos
1 O Silêncio de Dmitry -Narrativa de Margô
2 o silêncio de Dmitry - Narrativa de Margô
3 Escadarias - Narrativa de Margô
4 Escadarias- Narrativa de Dmitry
5 Rastros - Narrativa de Margô
6 Entre portas -Narrativa de Margô
7 Rastros Doces -Narrado por Margô
8 Entre os Ecos da Noite -narrativa intercalada
9 O que fica depois do toque
10 Febre e Labaredas
11 Manhã de Promessas
12 Sangue na Neve
13 Vigília
14 Noite sem volta
15 Entre o vapor e as cicatrizes
16 O primeiro aviso - parte 1
17 o primeiro aviso -parte 2
18 Fios que se entrelaçam
19 fios que se entrelaçam
20 A Maldição do Silêncio
21 A verdade queima devagar
22 Enquanto ela Dorme
23 Vozes na Escuridão
24 Lugares que Doem em Silêncio
25 A ausência tem som
26 Entre Ecos e Garras
27 A busca -Narrado por Sebastian
28 Preparação e silêncios armados
29 Vozes e Sangue nas Ruínas
30 O Ar que Falta
31 O peso que ele carrega
32 penumbra do passado
33 Antes da última luz
34 Silêncio de sangue
35 Coração de guerra
36 Resgate no escuro
37 Fuga na penumbra
38 A sombra que respira
39 Entre sombras e Silêncios
40 querido leitor
41 Entre sombras e cicatrizes
42 Carta para ninguém
43 Tudo que o silêncio Escondeu
44 Fragmentos de uma filha perdida
45 Maldição do desejo
46 Códigos Entre cinzas
47 A escolha do Abismo
48 A escolha do abismo
49 Onde o silencia sangra
50 O preço do sangue
51 o fim do inicio
52 A última armadilha
53 Ecos do passado
54 Ecos do passado
55 Novos horizontes
56 Sob o céu de Anahera
57 Sob o véu da noite
58 Tudo que queima é real
59 Raízes de um recomeço
60 O homem que aprendeu a amar
61 Onde o amor permanece
Capítulos

Atualizado até capítulo 61

1
O Silêncio de Dmitry -Narrativa de Margô
2
o silêncio de Dmitry - Narrativa de Margô
3
Escadarias - Narrativa de Margô
4
Escadarias- Narrativa de Dmitry
5
Rastros - Narrativa de Margô
6
Entre portas -Narrativa de Margô
7
Rastros Doces -Narrado por Margô
8
Entre os Ecos da Noite -narrativa intercalada
9
O que fica depois do toque
10
Febre e Labaredas
11
Manhã de Promessas
12
Sangue na Neve
13
Vigília
14
Noite sem volta
15
Entre o vapor e as cicatrizes
16
O primeiro aviso - parte 1
17
o primeiro aviso -parte 2
18
Fios que se entrelaçam
19
fios que se entrelaçam
20
A Maldição do Silêncio
21
A verdade queima devagar
22
Enquanto ela Dorme
23
Vozes na Escuridão
24
Lugares que Doem em Silêncio
25
A ausência tem som
26
Entre Ecos e Garras
27
A busca -Narrado por Sebastian
28
Preparação e silêncios armados
29
Vozes e Sangue nas Ruínas
30
O Ar que Falta
31
O peso que ele carrega
32
penumbra do passado
33
Antes da última luz
34
Silêncio de sangue
35
Coração de guerra
36
Resgate no escuro
37
Fuga na penumbra
38
A sombra que respira
39
Entre sombras e Silêncios
40
querido leitor
41
Entre sombras e cicatrizes
42
Carta para ninguém
43
Tudo que o silêncio Escondeu
44
Fragmentos de uma filha perdida
45
Maldição do desejo
46
Códigos Entre cinzas
47
A escolha do Abismo
48
A escolha do abismo
49
Onde o silencia sangra
50
O preço do sangue
51
o fim do inicio
52
A última armadilha
53
Ecos do passado
54
Ecos do passado
55
Novos horizontes
56
Sob o céu de Anahera
57
Sob o véu da noite
58
Tudo que queima é real
59
Raízes de um recomeço
60
O homem que aprendeu a amar
61
Onde o amor permanece

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