Cacos no chão

A noite seguia arrastada. O relógio agora marcava 00:38. Larissa se levantou da cama com cuidado para não fazer barulho. Os pés descalços tocaram o chão frio enquanto ela caminhava até a cozinha. Pegou um copo no armário e encheu com água, tentando engolir o nó que teimava em ficar preso na garganta.

O silêncio da casa foi quebrado pelo barulho da porta da frente sendo aberta com violência. A chave girou, a madeira rangeu e logo Sérgio entrou cambaleando, o cheiro forte de bebida impregnando o ar.

Larissa nem precisou olhar para saber como ele estava. Conhecia aquele tom de passos arrastados e respiração pesada.

— Tá aí, ó… a dona perfeita da casa… — ele resmungou, jogando as chaves sobre a mesa.

Ela ficou quieta, apenas deu um gole na água, sem encará-lo.

— Olha essa casa, Larissa! Uma zona! Você não faz nada, só fica aí com essa cara de morta! Nem parece mulher de verdade. Você é… você é uma mulher largada, fria, sem amor. Isso que você é!

As palavras vieram cortantes, uma após a outra, como estalos de chicote. Larissa continuou calada. Já tinha aprendido que qualquer resposta só tornava as coisas piores. Então, só deixou que ele despejasse o veneno.

Sérgio passou perto dela, pegou um copo e, num movimento rápido, atirou-o contra a parede. O barulho dos estilhaços quebrando o silêncio foi mais alto que qualquer grito. Os cacos se espalharam pelo chão.

— Eu devia ter casado com qualquer uma, menos com você! — ele rosnou antes de sair, batendo a porta do quarto com força.

Larissa permaneceu imóvel por alguns segundos, como se o mundo tivesse parado. Então, respirou fundo e se ajoelhou no chão para catar os pedaços de vidro. Os dedos delicados recolhiam os cacos com cuidado, mas um deles acabou cortando sua pele. Um filete fino de sangue escorreu, e ela parou, encarando o próprio reflexo num dos pedaços quebrados.

O rosto cansado, os olhos fundos, a expressão vazia. Era ela. Mas também não era.

Em que momento eu me perdi?

O passado veio como um sopro amargo.

O vestido simples de renda, o buquê de flores baratas, o olhar apaixonado de Sérgio no altar. Eles trocaram votos numa cerimônia pequena, mas cheia de sorrisos. Larissa jurava que aquele era o começo de tudo que sempre sonhou.

Os primeiros meses de casados foram felizes. Sérgio era leve, fazia piadas, inventava planos. Larissa amava deitar ao lado dele e conversar sobre o dia, rir das bobagens, fazer planos pra uma casa maior, filhos, viagens.

Lembrava de quando ele chegou do serviço todo empolgado, contando que tinha conseguido um emprego de auxiliar de escritório.

— Agora a nossa vida vai começar, meu amor, ele disse, beijando a testa dela.

E ela acreditou.

Mas agora, ajoelhada naquele chão sujo e cercada de cacos, Larissa sabia que tudo aquilo tinha ficado pra trás há muito tempo. A diferença é que, naquela época, ela não via. Ou não queria ver.

Limpou o dedo no pano da pia, jogou os cacos fora e, sem dizer nada, foi até o quarto das crianças.

Os dois dormiam abraçados, alheios ao caos do mundo adulto. Larissa deitou entre eles, passando os braços pelos dois, sentindo a respiração calma de cada um.

Ali, naquele instante, ela decidiu. Decidiu que, enquanto não conseguisse sair, iria pelo menos ficar perto daquilo que ainda fazia sentido. Aquilo que ela ainda amava.

E, pela primeira vez em semanas, fechou os olhos e deixou o cansaço levar, sem esperar por mais nada.

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Comments

Danielle Pereira

Danielle Pereira

pq separar dele porra dá raiva dessas mulheres que ficar romontizando gostam de ser humilhada e chifruda com certeza ele tem amante

2025-05-27

1

Sandra Camilo

Sandra Camilo

que merda de bida e essa , acorda Larissa, largue esse idiota

2025-05-28

1

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